Desde 23 de agosto de 1996 que não tínhamos um Sp. Espinho-Sporting. Na altura, num jogo a contar para o campeonato, naquela que seria a última aparição dos nortenhos no primeiro escalão, os leões venceram por 3-1, cortesia de Pedrosa, Vidigal e Hadjy. Do outro lado foi Besirovic a festejar. Carlos Carvalhal, hoje treinador, jogou a defesa central na equipa que tem a camisola às riscas pretas e brancas. Quase vinte anos depois, em Santa Maria da Feira (casa emprestada), as duas equipas voltaram a encontrar-se para decidir quem atingia os oitavos-de-final da Taça de Portugal: imperou a lei do mais forte (5-0, João Mário, Capel, Tanaka e Montero em dose dupla). E de que maneira.
Entusiasmo. Nas bancadas e nas pernas dos homens da casa, foi isto que tivemos durante 20 minutos. O Sporting tinha a bola, o Sp. Espinho tinha um autocarro, sem um condutor na hora de conduzir ataques. Não havia critério, e até houve oportunidades para fazer mossa. É o que acontece muitas vezes quando se joga contra uma equipa que ocupa a última divisão do terceiro escalão: facilitar. E o Sporting facilitou muito.
André Martins, em dose tripla (5′, 9′ e 21′), foi o homem mais perigoso do primeiro tempo. Pelo menos até ao golo de João Mário, naturalmente. Na primeira oportunidade rematou por cima, depois de um belo cruzamento de Capel. A seguir foi de livre direto: a bola saiu por cima. A terceira, e a mais escandalosa, foi oferecida por Carlos Mané. Isolado, André Martins contornou o guarda-redes mas, já com pouco ângulo, rematou às redes laterais. Este jogador, tantas vezes inconsequente, estava a fazer um jogo positivo, mas precisava que a bola entrasse. Mas não entrou…
Pelo meio, o Espinho teve uma oportunidade. Livre lateral, que acabaria socado por Marcelo Boeck. O melhor da equipa da casa era Rui Lopes, um extremo formado no Sporting, que antes da partida trocou um cumprimento especial com André Martins. Tiago Lapa, o lateral direito, também se aventurou quando pôde no meio-campo rival. Do lado do Sporting, o elo mais fraco era definitivamente Sarr. O francês treme muitas vezes com a bola no pé, e faz os outros tremer. Mas esta titularidade é um bom sinal de Marco Silva, pois o jogador precisa mesmo é de jogar e serenar os ânimos.
Alugava-se meio-campo. A questão que se colocava à meia hora de jogo era até quando duraria este autocarro afinado. Será que acabaria por gripar? Uma combinação entre Carlos Mané e Fredy Montero quase confirmou o que há muito se anunciava, embora sem grande arte e engenho. O avançado colombiano chutou para as nuvens. O golo chegaria aos 32′, por João Mário. André Martins lançou Capel na linha; o espanhol, com os olhos sempre na relva, como é hábito, seguiu até à linha de fundo e picou atrasado, num belo cruzamento. João Mário, que chegava de trás, encostou para o fundo da baliza, 1-0. Miguel Lopes, titular esta noite, bateu no símbolo da camisola e festejou efusivamente. O mais difícil estava feito.
Este primeiro tempo ficou marcado por inúmeros passes errados do Sporting. O relvado não ajudava é verdade, mas a equipa de Lisboa, que assinou quase 70% de posse de bola, teria de fazer mais e melhor. Contra todas as previsões, o Sp. Espinho até teve várias oportunidades para ensaiar contra-ataques, mas faltou tino, saber, jeito ou calma. Afinal, é muito motivador jogar contra um grande clube, mas as pernas também têm direito a tremer ou o cérebro a congelar.
Agora um exercício de especulação: é provável que Calica, o treinador de 38 anos do Sp. Espinho, tenha dito aos jogadores para desfrutarem o jogo. Já não havia nada a perder, que tal arriscar e tentar uma gracinha? Se não aconteceu essa conversa, pareceu. A ansiedade baixou, o rigor e critério deram à costa. A coragem idem. É que a entrada foi (mesmo) de alto gabarito. Rui Lopes foi o primeiro a tentar, de longe: ganhou canto. Depois uma dupla oportunidade para os espinhenses, com Williams e Jonathan perto de enganarem Boeck.
A consequência, em forma de boa nova, era um jogo aberto. Com o atrevimento do Espinho, os espaços nas costas da equipa começaram a crescer. Os jogadores ficaram mais distantes uns dos outros. As pernas não aguentariam este ritmo, no vaivém. Aos 50′, André Martins voltou a tentar a sorte, mas nada feito. Rosell tentou corrigir, mas Stephane teve direito a um momento de fama, que se prolongaria pouco depois, com novo lance na área do Espinho: Maurício recebeu na área e rematou com pinta de avançado, mas o guarda-redes francês, de 21 anos, voltou a negar o segundo da noite.
O estado de graça do Espinho durou apenas até ao minuto 60. Os adeptos nas bancadas até tinham direito a perguntar onde estava aquela atitude e coragem nos jogos do campeonato, onde contavam com sete derrotas em dez jornadas (apenas seis golos marcados). Montero, naquele jeito mole mas com classe à mistura, tocou por cima da defesa, pelo lado direito, para Carlos Mané. O jovem jogador do Sporting, que parecia estar de mota quando alguém tentava acompanhar, deixou o rival para trás e cruzou para o segundo poste, onde estava Capel, para mergulhar e cabecear, 2-0.
Bastariam oito minutos para os leões festejarem novo golo. Para descrever este apetece dizer “uh la la”. Mané, perante o fatigado Pedro Pereira, tocou de calcanhar para dentro da área, onde estava Montero. O avançado colombiano deparou-se com dois defesas pela frente, um de cada vez, e deixou-os para trás, baralhados. Depois, fuzilou sem qualquer piedade Stephane, 3-0. A atitude atrevida do Espinho, aliada à quebra física, prometia agora uma goleada…
E chegou, a goleada, e logo por um estreante nestas andanças do golo: Tanaka; marcou de penálti (77′). Antes, e talvez mais importante que o quarto golo, Daniel Podence assinou a estreia com a camisola do Sporting. Habitual na equipa B, o jovem extremo, natural de Oeiras, de 19 anos, teve direito a 15 minutos entre os graúdos. Esta época, no segundo escalão, marcou apenas um golo em 14 jogos (1013′). A goleada ganharia outra expressão pouco depois, mais uma vez por Montero, 5-0. O cruzamento chegou de Jonathan Silva, um lateral que se estreou há dias pela seleção argentina.
Ponto final em Santa Maria da Feira. Apesar de algumas reticências e crises de identidade na primeira parte, a qualidade veio ao de cima. A coragem e o atrevimento do Espinho no início da segunda parte ofereceu aos adeptos um jogo aberto, com muito mais interesse, mas com consequências nefastas: chapa cinco.