E se fosse convidado a participar num projeto científico de física de partículas? Embora a tarefa seja gigantesca, o desafio é pequeno – só tem de analisar umas fotografias -, mas a possibilidade de contribuir para o avanço do conhecimento científico é enorme. “Precisamos que nos ajude a analisar os dados”, apela no vídeo promocional Allan Barr, físico na Universidade de Oxford, no Reino Unido. “Poderá encontrar algo completamente novo e inesperado. Poderá revolucionar a nossa compreensão sobre o universo.”
Imagine um anel com 27 quilómetros de comprimento, enterrado a 100 metros de profundidade, onde as partículas viajam a mil milhões de quilómetros por hora – quase a velocidade da luz. Agora imagine que estas partículas, chamadas de protões (partículas com cargas positivas), viajam em direções opostas e colidem umas com as outras. Foi este fenómeno que permitiu demonstrar, em 2012, a existência do bosão Higgs. Uma descoberta que valeu o prémio Nobel da Física de 2013 a dois dos físicos teóricos que a previram a existência desta partícula.
As partículas viajam no maior acelerador de partículas do mundo – o LHC, Large Hadron Collider – do Centro Europeu de Investigação Nuclear (CERN), situado na fronteira entre a França e a Suíça. As colisões ocorrem dentro dos detetores criados para o efeito – quase mil milhões de colisões por segundo -, onde são recriadas as condições que se acredita terem estado na origem do universo. Os resultados destas colisões são recolhidos e analisados por quatro experiências, duas delas – Atlas e CMS – com representantes no Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP), em Portugal.
O projeto de citizen science (a ciência desenvolvida por não-especialistas) que agora se apresenta – Higgs Hunters (Caçadores de Higgs) – tem como objetivo analisar as cerca de 90 mil imagens recolhidas pelo detetor Atlas. O bosão de Higgs que se forma após uma colisão decai muito rapidamente, ou seja, transforma-se noutras partículas. O objetivo é perceber em que tipo de partículas se pode transformar o bosão, porque se podem descobrir novos tipos de partículas que nunca tinham sido detetadas. Já este ano foi possível apresentar um novo modelo de decaimento do bosão de Higgs.
O CERN tem uma rede de 170 computadores espalhados por 40 países, mas não há nada como um cérebro humano, “que é naturalmente curioso e excelente no reconhecimento de padrões”, lê-se no site do projeto. “Os programas de computador só conseguem encontrar o que foram programados para encontrar.” Em cada imagem analisada pelo cidadão-cientista é possível ver linhas que partem do centro do tudo do LHC como resultado da colisão das partículas. Encontrar as linhas que não partem do centro (off-centre vertex) é sinal que “uma partícula invisível, originalmente criada no centro, decaiu noutras partículas que o detetor conseguiu ver”, continua a explicação no site. “Isto pode ser sinal de um decaimento exótico do bosão de Higgs.”
Higgs Hunters é um dos projetos incluído na plataforma Zooniverse que agrega vários projetos de citizen science relacionados com o espaço, biologia, natureza, clima ou história.
Mas o CERN não está apenas interessado em que os cidadãos ajudem a analisar os dados que obtém. Esta segunda-feira o News Scientist divulgou que existe uma grande coleção de dados do acelerador de partículas que estão disponíveis para serem usados por alunos e investigadores. “É muito importante deixar estes dados disponível de forma livre”, diz Kati Lassila-Perini, colaboradora na experiência CMS, que disponibilizou 27 terabytes de dados no portal do CERN. É possível que os investigadores façam novas descobertas com estes dados.