O Bairro Alto é como um circuito fechado, ainda que aberto a gente de todos as idades, posses e tribos. A sua arquitetura e urbanidade levaram a que o Bairro se tornasse numa espécie de ilha dentro da cidade, desde a assinatura da autorização para a construção de lotes, em 1513, até aos dias de hoje. 500 anos servem para colecionar muitas histórias. O Observador recolheu quatro dessas histórias e desvenda-as aqui:
Bocage, Almeida Garrett, Camilo Castelo Branco e até Julio Verne passaram pelo Bairro
Não é segredo que o Bairro foi (e ainda é) para intelectuais e artistas o que o mel é para as abelhas. E se a toponímia do Bairro evoca marinheiros e jornais de outros tempos, também poderia lembrar os escritores que ali viveram e morreram. Para além de Fernando Pessoa, também o poeta Bocage morreu por estas bandas, mais concretamente no nº25 da Travessa André Valente. Mas também há nascimentos a celebrar. Camilo Castelo Branco, por exemplo, nasceu no nº 13 da rua da Rosa.
Almeida Garrett morou na Rua da Barroca, nº46, em 1839, após a sua separação. Também o escritor Júlio Verne passou por ali, duas vezes. A 5 de junho de 1878, atracou o seu iate em Cascais e viajou de carro até à Igreja de São Roque. Depois do almoço, encontrou-se com David Corazzi, editor dos seus livros em Portugal, no seu escritório na Rua da Atalaia, nº42. Seis anos depois, regressa ao Bairro para novo encontro com o seu editor.
A Bica resulta de uma derrocada
Entre os vários declives que compõem a paisagem lisboeta destaca-se a Bica, que atrai noctívagos e encanta os turistas que diariamente sobem e descem no elevador. Mas este local de diversão nasceu de uma desgraça. Com o novo Bairro a atrair cada vez mais moradores, os declives locais, associados à instabilidade do solo, provocaram deslocamentos de grandes massas de terra ao longo da encosta nesta zona. Quem sofreu foi o espaço situado entre o alto de Santa Catarina e o alto das Chagas, quando em 1597 uma grande derrocada arrastou uma centena de edifícios até ao rio. Foi isso que abriu caminho para a reconstrução num vale onde hoje está o Bairro da Bica.
O “conto do vigário” nasceu no Bairro Alto
Na Travessa da Água-da-Flor, onde terá vivido um afamado fabricante ou vendedor daquele perfume, teve lugar o episódio que deu origem à palavra “conto-do-vigário”.
Terá sido entre os números 24 e 26 que, no século XIX, foi encontrado o padre Manuel Vicente, depois de ter sido embebedado e de ter sido convencido a vender a sua casa por 7500 réis. A história correu os jornais da época, que utilizaram como manchete “o conto-do-vigário”, disse Elisabete Rocha.
A iluminação a gás morreu no Bairro Alto
A substituição final dos candeeiros a gás por iluminação elétrica só foi feita no final de 1965, no Bairro de Santa Catarina. No início de dezembro daquele ano, um habitante do bairro de Santa Catarina queixava-se, num jornal, do presidente do município, acusando-o de distinguir os “amigos” dos “enteados”, motivo pelo qual ainda não substituíra os candeeiros a gás na sua rua. Após a queixa, o cidadão não teve de esperar muito mais. As últimas luzes a gás na iluminação pública lisboeta – e do país – foram retiradas em dezembro de 1965, o que valeu, desta vez, elogios ao autarca da época. “Suponho ser eu, talvez, o único dos 15.000 habitantes da freguesia de Santa Catarina que vem testemunhar à Câmara o seu agradecimento por ter remodelado a iluminação do meu bairro, que sempre foi considerado como bairro triste e soturno. Hoje vive-se aqui de noite como se fosse iluminado pela luz do dia”, pode ler-se em Ata disponível no Arquivo Municipal de Lisboa.
*O aniversário do Bairro Alto é patrocinado pela Estrela Damm