A vida política de António Costa desde que foi eleito candidato do PS a primeiro-ministro não tem sido fácil. Nestes dois meses, o candidato a primeiro-ministro e agora líder do partido, lançou-se apenas uma vez ao ataque ao Governo. De resto, tem estado sempre na posição de defesa, obrigado a dar explicações e justificações.
Foram dois meses que culminaram com a gestão (e separação) com pinças do terramoto que é o caso José Sócrates. Costa foi encostado às cordas em temas sensíveis, mas algumas das posições que tomou acabaram por lhe dar espaço de manobra para futuro.
1 – A “assombração” do caso José Sócrates. Costa separa as águas
Frase feita: José Sócrates será o ausente mais presente. A detenção e posterior prisão preventiva do ex-primeiro-ministro é o caso mais complicado para o PS. E mais para António Costa que sofrerá as consequências políticas do caso. A detenção de José Sócrates na sexta-feira 21 de novembro – dia em que Costa era eleito líder do PS – fez virar os holofotes também para o António Costa. Número dois no partido quando Sócrates era secretário-geral e recém eleito secretário-geral, Costa teve reação rápida e sacudiu de imediato a pressão ao enviar uma mensagem escrita aos militantes. Mas estava, mais uma vez, na posição de defesa. E continua.
Deu ordens aos socialistas para separarem os “sentimentos de amizade” da “ação política” e fez garrote na teoria da cabala que poderia explodir a qualquer momento. Costa quis afastar-se do caso, não negando o passado das políticas, e será essa a versão que irá repetir. Mas também neste ponto é mais fácil à maioria PSD/CDS partir para o ataque e, por mais que consiga gerir o caso, Costa terá a “assombração”, como lhe chamou Portas, a ensombrar-lhe o caminho rumo à maioria absoluta que pede.
2 – Reestruturar, não, debater
Tudo começou na segunda-feira seguinte às eleições primárias (que foram a 28 de setembro). O PCP diz que não, que não foi de propósito, mas apresentou uma proposta na Assembleia da República a defender a reestruturação da dívida pública. Ferro Rodrigues tinha sido escolhido nesse mesmo dia como líder parlamentar do PS e trazia na bagagem para o grupo parlamentar a assinatura do Manifesto dos 74 economistas que defendia uma reestruturação da dívida pública. A proposta do PCP acabaria por ficar pelo caminho, mas uma semana depois o cerco apertaria. É que estava agendada uma proposta do BE sobre o tema, que dava letra de projeto-lei à petição pública do manifesto assinado por Ferro. Costa estava assim confrontado com o dossiê complicado para o partido.
E como resolveu o imbróglio? O i noticiava no dia 15 de outubro (dia da discussão da proposta do PCP) que o PS iria apresentar um projeto para debater em conjunto com o do BE. E Costa deu ordens para que o partido apresentasse um projeto que defendesse… o debate. Ferro, agora líder parlamentar, recua. Mas não foi o único. O Manifesto dos 74 tinha a assinatura de outros deputados como Eduardo Cabrita, João Galamba e Pedro Delgado Alves. Todos desceram um degrau na defesa da reestruturação da dívida para não entalar Costa numa proposta futura. O projeto do PS, a propor um debate alargado sobre o tema acabaria por ser aprovado e a Assembleia da República vai debater num seminário sobre o assunto. Quem lá estará ainda não se sabe, mas a maioria fez aprovar um modelo que não agradou ao PS: debate compacto em dois dias.
Não tinha sido no entanto a primeira vez que a questão da dívida se transformava numa pedra no sapato de Costa. Já quando apresentou o programa às primárias foi questionado sobre o tema. Remeteu o tema para mais tarde. Chegaria na moção, num texto que remete para a Europa uma solução de longo prazo. Assim, diz que o país tem de tomar iniciativas tanto ao nível da “redução sustentada do impacto do endividamento, seja na construção de instrumentos que estimulem a procura e o investimento europeu em paralelo à promoção da coesão interna da UE”. Uma posição não muito diferente da assumida por António José Seguro. Nos documentos que o levaram a ser eleito secretário-geral do partido, Costa defendia a “criação de mecanismos de monitorização e gestão da parcela da dívida pública dos Estados que exceda os limites de Maastricht” (ou seja a partir de 60% do PIB).
Com esta posição aberta, Costa não se compromete com a reestruturação pedida pelos setores mais à esquerda e deixa a porta aberta para o programa das legislativas, que será apresentado na primavera.
3 – Afinal há “taxa e taxinha”. Costa defende
Como presidente da Câmara, António Costa viu os holofotes virarem-se para o orçamento da capital… e para as “taxas e taxinhas.” Pires de Lima tinha lançado a expressão que acabaria por perseguir Costa durante semanas. No Orçamento da autarquia para o próximo ano, António Costa colocou uma taxa turística, que na prática se divide em duas (para chegadas ao aeroporto de Lisboa e Porto de Lisboa, aplicada em 2015 e para dormidas, a aplicar em 2016) e conheceu uma atenção ao tema a que não estava habituado. Na justificação para aplicar a taxa, Costa disse que os turistas atualmente não contribuem nem para a manutenção dos espaços, nem para o desenvolvimento de atividades turísticas, pelo que aplicar um euro à chegada e por noite dormida em Lisboa num hotel ou semelhante, lhe parece justo. Disse ainda que o dinheiro serviria, por exemplo, para aplicar na construção de um novo centro de congressos de grande capacidade a construir no Parque Eduardo VII.
E neste caso o assunto ainda lhe pode trazer mais necessidade de justificações. Se a margem de manobra para o futuro em algumas questões (como a dívida) foi dada por não se prender a uma proposta, Costa amarrou-se à defesa da taxa e poderá ser ela a trazer-lhe dissabores. A ANA, a gestora do aeroporto que estava prevista aplicar a taxa aos turistas, diz que não tem condições para o fazer. Contudo, apesar de num primeiro momento ter sido Costa a apresentar o Orçamento, num segundo momento, foi Fernando Medina a responder a todas as críticas.
4 – Lisboa enche, Costa responde
A chuva não tem dado descanso à cidade e enquanto for presidente da Câmara, Costa é o primeiro alvo da oposição na câmara, que é a maioria no Governo. O autarca foi questionado sobre o plano de drenagem que tem na gaveta e resguardou-se. Na linha da frente neste assunto da câmara, acabaram por estar os vereadores. No próximo inverno, já não estará à frente do município. A margem de manobra neste ponto é-lhe dada exatamente pela saída dos Paços do Concelho, mas também pela linha da frente de explicações dadas pelos vereadores.
O único remate… e ao lado
O único ataque de António Costa nestes dois meses foi na guerra que se meteu com o Governo sobre os fundos estruturais. E viu o Governo responder-lhe a cada réplica e a acusá-lo de fazer mal as contas.
Tudo começou em outubro com uma acusação do autarca de Lisboa quando disse que Portugal não ia aproveitar fundos “por opção”, o que irritou o ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional. E, por isso, Poiares Maduro respondeu, acusando-o de má fé. A troca de galhardetes prosseguiu durante o fim de semana. Costa marcou de propósito uma conferência de imprensa para responder ao ministro e não ficou sem nova resposta. Resumindo: entre acusações e respostas, Costa saiu do caso acusado de não saber ler quadros do orçamento e de cometer “gaffes”. E se continuou com a acusação ao Governo, não esclareceu onde tinha tirado os dados.