O Código de Conduta do Banco Espírito Santo (BES) estabelecia regras claras que limitavam a atribuição de prendas a colaboradores do banco e proibiam compensações relacionadas com o desempenho de funções no banco,

Quando estava em causa o desempenho da sua atividade profissional, os trabalhadores estavam “proibidos de aceitar qualquer tipo de remuneração ou comissão por operações efetuadas em nome do grupo, bem como obter de outro modo proveito da posição hierárquica ocupada”.

Aliás, o código definia mesmo que “nenhum colaborador pode aceitar presentes, convites, favores ou benefícios semelhantes (as ofertas), desde que tais ofertas se relacionem com a sua atividade profissional no grupo”. Estavam previstas exceções para ofertas festiva (de Natal) desde que não prestadas em numerário (dinheiro) e cujo valor fosse “razoável”.

Relações pessoais e de amizade

Apesar de o construtor José Guilherme Moreira ser cliente do BES, o ex-presidente do banco sempre afastou o pagamento de comissões ou liberalidades das funções que desempenhava no banco e no grupo. Foi com base no argumento de “relações pessoais e de amizade” que Ricardo Salgado argumentou perante o Banco de Portugal que a prenda do amigo de mais de 40 anos não comprometia a sua idoneidade para se manter no cargo.

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Ricardo Salgado terá recebido 14 milhões de euros, segundo o livro o “Último Banqueiro” de Maria João Gago e Maria João Babo, valor que nunca foi contestado. Um dos pareceres pedidos por Salgado faz alusão aos 8,5 milhões de euros que o banqueiro teria recebido de comissão, segundo divulgado pela imprensa.

Segundo o código de conduta do banco presidido por Ricardo Salgado, ofertas recebidas no valor superior a 250 euros teriam de ser reportadas ao departamento de compliance. O documento não especifica se a regra se aplica a prendas de natureza pessoal ou decorrentes da atividade profissional. A obrigação de reporte inclui qualquer compensação que possa ter sido devida “a uma vontade de afetar a sua imparcialidade”.

Nos pareceres entregues ao Banco de Portugal, e na carta do próprio Ricardo Salgado, não é feita referência a qualquer reporte ao compliance (órgão que fiscaliza o cumprimento das regras e leis) do pagamento de José Guilherme. O ex-presidente do BES sublinha, contudo, que consultou dois juristas externos ao BES (Luís Branco e Rui Patrício) que lhe asseguraram que, sendo o “tema de foro pessoal, não colidia com quaisquer regras legais ou éticas, designadamente do Regime Geral das Instituições Financeiras e do Código de Conduta do BES”. Só depois desta consulta e “após reiterada insistência” do empresário de construção, Salgado “acabou por aceitar a oferta do Senhor José Guilherme”.

Conselho desinteressado

Nos pareceres entregues ao Banco de Portugal, os juristas argumentam que os princípios do código de conduta do BES não se aplicavam a esta oferta ou liberalidade “justamente por ser totalmente alheia à atividade profissional do administrador do grupo”.

Para João Calvão da Silva, “a oferta não se relaciona com a atividade profissional do grupo nem é produto ou efeito de qualquer ato praticado como administrador: foi feita em atenção aos resultados lucrativos do exercício da atividade imobiliária em Angola, na sequência do conselho ou sugestão dado desinteressadamente pelo amigo – amigo que o dissuadiu de ir para a Bulgária – fora do exercício e por causa do exercício das suas funções de administrador”.

Doação

Pedro Maia defende, por seu turno, que”não se vislumbra na relação de caráter pessoal que Ricardo Salgado tem com José Guilherme e no âmbito do qual este doou àquele determinada quantia em dinheiro a existência de um conflito de interesses”, tal como está previsto no código de conduta, que no seu entendimento, não “impede a atuação livre da esfera pessoal dos colaboradores do grupo”.

Em resposta ao Banco de Portugal, que quando apreciou idoneidade se Salgado em novembro de 2013 questionou as regras de conduta do banco, Pedro Maia alega ainda que uma violação do código de conduta, que diz não ter existido, não afeta diretamente a idoneidade para o exercício de cargo de administrador. Este foi jurista que contestou as declarações feitas pelo governador na comissão de inquérito ao BES quando Carlos Costa argumentou que o Banco de Portugal não tinha poderes legais para afastar Salgado sem uma condenação.

Ricardo Salgado é ouvido esta terça-feira no Parlamento.

 

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