O contabilista da Espírito Santo Internacional (ESI) confirmou esta quinta-feira no Parlamento que Ricardo Salgado sabia da ocultação de dívida na holding do Grupo Espírito Santo (GES) desde 2008. Diz que escondeu passivo por lealdade ao GES, em particular, a Ricardo Salgado. E que foi mesmo por ordem do ex-presidente do BES que escondeu a dívida.
A ocultação começou com 180 milhões de euros e continuou durante os três anos seguintes e foi feita “porque o grupo estava sofrer com perdas”. A ideia terá partido de Ricardo Salgado em resposta à crise do subprime (crédito à habitação de má qualidade nos Estados Unidos). Machado da Cruz, que está a ser ouvido à porta fechada na comissão parlamentar de inquérito aos atos de gestão no Banco Espírito Santo (BES) e GES, acrescenta: “Foi-me pedido pelo Dr. Ricardo Salgado”. O contabilista testemunha que foram “anos de muita angústia” e que está “muito arrependido”, de acordo com informação que está a sair da sala onde decorre a audição à porta fechada.
O comissaire aux comptes da ESI entregou ainda uma carta que enviou há um ano, por intermédio de José Castella, ao conselho superior do Grupo Espírito Santo. Na mensagem de 7 de janeiro de 2014, dirigida em particular a Ricardo Salgado e a José Manuel Espírito Santo, lembra que foi forçado a assumir a responsabilidade pelos erros nas contas da ESI, no quadro da auditoria pedida pelo Banco de Portugal, o que fez “por absoluta lealdade aos meus superiores hierárquicos no grupo”.
Assinalando as consequência profissionais, pessoais e judiciais desta assunção de culpa, Machado da Cruz pede que estas questões sejam acauteladas de forma a serem conciliadas com os interesses do grupo. Na carta, o contabilista diz que não pode continuar a exercer funções, mas admite que teria trabalho para realizar até abril de 2014. Aguarda que lhe forneçam instruções e conclui: “o que foi feito, foi feito por uma razão“. Machado da Cruz, que era contabilista da holding do GES, a ESI, desde 2003, saiu em meados do ano passado sem receber indemnização, assegura.
As contas falsificadas da Espírito Santo Internacional, onde foi detetado uma dívida oculta de 1300 milhões de euros nas contas de 2013, estão na origem do início do colapso do GES e do BES.
Machado da Cruz: Salgado deu indicação para dizer que era um erro
O contabilista revela ainda que foi Ricardo Salgado quem lhe deu instruções para dizer que a ocultação do passivo tinha sido um erro, na conversa com advogados do Luxemburgo. “Você sabe o que vai dizer não sabe? Vai dizer que foi um erro!”, terá afirmado o ex-presidente do BES, quando Machado da Cruz defendeu que a verdade deveria ser dada.
Esta versão, que corresponde às respostas, já públicas, que deu aos advogados do Luxemburgo, contraria a história contada por Ricardo Salgado há um mês nesta comissão. O ex-presidente do BES remeteu todas as responsabilidades pela falsificação de contas para o contabilista, garantindo que nunca deu ordens para ocultar passivo.
Segundo Machado da Cruz, quando a primeira operação foi feita, em 2008, não achou que fosse um problema de maior importância porque a ESI tinha obrigações de longo prazo, o que dava margem de manobra para recuperar. Depois da primeira ocultação de 180 milhões de euros, seguiram-se outras da mesma dimensão em 2009, 2010 e 2011, e a partir de uma altura deixou de haver racionalidade, houve obrigações do GES que ficaram por pagar. Era para esconder prejuízos.
Machado da Cruz diz que alertou Salgado, José Manuel Espírito Santo e José Castella para o problema. Mas deixa a garantia: ninguém roubou um euro.
O contabilista revelou ainda que fazia a consolidação das contas da ESI todos os anos, mas que não se podia entregar o resultado desse exercício, apesar de ter sido pedida pela auditora, PricewaterHouseCoopers. As contas consolidadas eram apresentadas a Ricardo Salgado. A PwC na Suíça pediu também as contas de empresas que não foram dadas por ordem do conselho superior. A auditora decidido afastar-se do grupo. A ausência de consolidação das empresas ao nível da holding Espírito Santo Internacional, foi muitas vezes apontada como causa para o descontrolo da dívida.
Instruções para investir na Eurofin terão vindo de Castella e Isabel de Almeida
Francisco Machado da Cruz, que foi administrador da Eurofin, esclarece que o Banco de Portugal percebeu ao contrário: não foi a Eurofin que financiou a GES, foi o grupo que financiou a sociedade financeira suíça.
Entre janeiro e setembro de 2013, o GES aplicou 390 milhões de euros na Eurofin e quando Machado da Cruz questionou a operação, terá recebido a explicação de que foi por instruções de José Castella e de Isabel Almeida (ex-diretora financeira do Banco Espírito Santo), e por ordem do patrão (presume-se que Salgado). Sabe-se que a Espírito Santo Resources chegou a aplicar 800 milhões de euros na Eurofin. Uma parte da dívida oculta da ESI seria o financiamento concedido à Resources que depois foi aplicado na sociedade financeira.
O presidente da Eurofin, Alexandre Cadosh já foi chamado à comissão de inquérito e agora o PSD quer ouvir mais responsáveis da sociedade suíça, incluindo o maior acionista, Nicolo di San Germano. O GES chegou a ser acionista minoritário desta sociedade.
“O GES funcionava na base da palavra da honra das pessoas”
Machado da Cruz confirma que teve responsabilidades em várias sociedades offshore, que descreve como um modelo jurídico muito normal na Suíça, mas não fazia nada em muitas delas. O que fazia? Zero, não fazia nada e nunca viu o balanço de algumas destas empresas. Quanto à ES Enterprises, empresa que tem sido apontada como um saco azul usado para pagar despesas não registadas, disseram-lhe que tinha sido fechada. “O GES funcionava na base da palavra e honra das pessoas. E eu acreditava”.
A audição do contabilista é a mais reveladora das 25 reuniões já realizadas na comissão de inquérito ao BES, e em contraste com a cautela das respostas dadas na quarta-feira por José Castella, numa sessão também à porta fechada. Machado da Cruz refere várias vezes o nome do tesoureiro, a propósito de muitas das operações.
Machado da Cruz chegou a interromper a audição quando informação sobre o que dizia começou a sair da sala, tendo entretanto retomado as respostas, que já não estão a ser divulgadas. A audição terá terminado depois da meia noite.