Progressivo, prático, austero, trabalhador e muito parecido ao seu irmão. A transição na Arábia Saudita depois da morte do rei Abdullah não deve ter grandes percalços, quando chegou a vez de Salman bin Abdulaziz, vigésimo quinto filho e um dos últimos dos filhos do fundador do reino da Arábia Saudita, assumir as rédeas do país.
Aos 79 anos, o novo rei Salman já tem prática no cargo. Desde 2012, altura em que assumiu o lugar de herdeiro ao trono, que tem assumido também as responsabilidades no que diz respeito a assuntos externos no lugar do seu irmão Abdullah, cuja saúde se estava a deteriorar desde então. Chegou a visitar a China, o Japão, a Índia e o Paquistão e França, e recebeu alguns dos principais aliados do reino, como o primeiro-ministro do Paquistão, Nawaz Sharif e o Presidente do Egito, Abdel Fattah Al-Sisi.
Mas as tarefas de governação de Salman Abdulaziz começaram muito antes. Nascido a 31 de dezembro de 1935, o agora rei é o vigésimo quinto filho do fundador do reino da Arábia Saudita, e um dos principais membros dos chamados sete Sudairi: os sete filhos de Hassa bin Ahmed al-Sudairi, uma das mulheres do fundador do reino.
Salman foi nomeado governador da capital do reino, Riade, quando tinha apenas 20 anos, em 1963. Quando assumiu os destinos da capital, Riade tinha apenas 200 mil habitantes. Hoje tem mais de sete milhões, e a Salman é atribuído o mérito de uma governação sem corrupção. Como a família real vive em Riade, Salman tinha também a responsabilidade de gerir os assuntos internos: todas as transgressões dos membros da família eram resolvidas em privado, sem publicidade e forma dura. Salman tem a fama de ser especialmente duro na gestão das centenas de jovens príncipes da família.
A forma como geria a capital e a família fizeram com que fosse o preferido entre os aliados externos, como é o caso dos Estados Unidos, na linha de sucessão ao trono. A reputação de Salman Abdulaziz é a de um homem honesto, especialmente no que diz respeito ao dinheiro.
Enquanto governador de Riade, o novo rei da Arábia Saudita trabalhou de perto para financiar os guerrilheiros mujahidin (de maioria sunita) na guerra do Afeganistão que durou praticamente toda a década de 80. Estas forças foram apoiadas também pelos Estados Unidos, Reino Unido e China. Do outro lado estavam as tropas do Governo do Afeganistão, apoiadas pela União Soviética. No ponto máximo do conflito, Salman chegou a financiar os mujahidin em mais de 25 milhões de dólares por mês. Salman ajudou também a financiar os muçulmanos na Bósnia, na guerra com a Sérvia.
Os problemas de saúde
Aos 79 anos, uma das grandes preocupações é a saúde do governante. Sofreu um acidente vascular-cerebral e há rumores persistentes de que sofra de demência, o que é desmentido pelo palácio real.
Salman sofrerá ainda de sérios problemas de coluna, tendo sido submetido a várias intervenções cirúrgicas. No entanto os problemas persistem.
Os desafios imediatos
A chegada ao poder não chega na altura mais pacífica na região. O golpe de Estado no Iémen, que faz fronteira a sul com a Arábia Saudita, perpetrado por guerrilheiros xiitas veio ressuscitar fantasmas de instabilidade na região.
O Iémen tem sido um dos maiores focos de instabilidade nos países islâmicos e um dos principais centros de controlo da Al-Qaeda, responsável pelo planeamento, treino e execução dos principais ataques terroristas na Europa, incluindo o recente ataque ao jornal satírico francês Charlie Hebdo, onde foram mortas 12 pessoas.
As relações com os Estados Unidos
A Arábia Saudita e os Estados Unidos são aliados de longa data, desde da altura da Segunda Guerra Mundial, já depois da refundação moderna do reino. A Arábia Saudita, um dos maiores produtores de petróleo do mundo, vende boa parte do seu petróleo aos Estados Unidos e em troca os Estados Unidos servem como garante de proteção do reino, o que serve um propósito de estabilidade na região. Para além disso, EUA e Arábia Saudita partilham interesses na região e lutaram lado a lado na tentativa de conter o comunismo e o nacionalismo árabe, como foi o caso da guerra no Afeganistão na década de 80. Outro dos grandes interesses em comum é a contenção do poder do Irão, desde a revolução islâmica em 1979.
Mas a relação entre os dois países já teve melhores dias. Em primeiro lugar devido ao papel dos EUA no Médio Oriente após os ataques de 11 de setembro de 2011. O facto de 15 dos 19 responsáveis pelos ataques serem sauditas levou a um maior escrutínio em Washington do seu velho aliado, colocando pressão sobre a gestão interna do reino (no que aos direitos humanos diz respeito, por exemplo).
Já a Arábia Saudita vê-se como vítima das más políticas dos EUA no Médio Oriente, como é o caso do apoio a Israel, da recusa do plano saudita para a Palestina e da decisão de remover Saddam Hussein do poder no Iraque — com o regime a antecipar a subida ao poder dos xiitas, com ligação ao Irão. Quando a Primavera Árabe chegou à região, os sauditas responderam com violência, sem falar com os EUA, o que levou a um distanciamento para com os norte-americanos, em especial com a administração Obama.
A tentativa de acordo nuclear com o Irão e de aproximação diplomática foi muito mal recebida em Riade, que antecipa uma mudança no equilíbrio de poder na região, que colocaria a Arábia Saudita em segundo plano.
O petróleo
A Arábia Saudita, como um dos maiores produtores de petróleo do mundo e membro do cartel que tenta gerir os preços a nível mundial – a Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP) -, tem sido um grande opositor de cortes na produção, o que se anteciparia como normal numa altura em que os preços estão em mínimos de vários anos e baixo dos 50 dólares por barril.
No entanto, e à custa de alguns dos seus membros (especialmente a Venezuela, o Irão e a Rússia), os sauditas recusam-se a baixar a produção. Em grande parte porque do outro lado estão os Estados Unidos. A redução do preço nos mercados deve-se em grande parte ao aumento da produção pelos EUA, que têm recorrido à produção em grande escala do chamado shail oil (ou petróleo de xisto), um substituto do crude convencional que tem maiores custos de produção e é mais poluente.
Uma das razões apontadas para a recusa dos sauditas será precisamente o elevado custo da produção nos EUA. Manter a produção atual eliminaria a pequena margem de lucro que estes produtores têm, face aos produtores tradicionais, o que acabaria por retirá-los do negócio e daria o poder estratégico de volta aos sauditas.
A sucessão
Salman Abdulaziz será o penúltimo dos filhos do fundador do reino, Abdelaziz Ibn Saud, a assumir a sua liderança. Ao contrário das monarquias tradicionais, as rédeas do reino são entregues de forma horizontal, aos filhos do rei. Os herdeiros são nomeados por um conselho, que na prática funcionam por decisão do rei. Só depois de fechada a linha de sucessão entre os filhos do rei do fundador é que será aberta a linha para os seus netos.
O novo herdeiro é agora Muqrin bin Abdulaziz, que já tem 69 anos. Depois dele, será altura de, pela primeira vez, a sucessão passar para um dos netos do fundador.