Entre outubro de 1999 e setembro de 2004, Passos Coelho tinha a obrigação de pagar uma quotização mensal equivalente a 25,40% do salário mínimo nacional à Segurança Social, mas nem o valor acumulado nem os juros de mora foram pagos antes da prescrição dos mesmo em 2009. O primeiro-ministro diz que nunca foi notificado da dívida, mas agora decidiu pagar voluntariamente cerca de quatro mil euros – depois de ter sido questionado pelo Público acerca dessa falta.
Num comunicado emitido esta manhã pelo seu gabinete, Passos contesta a notícia:
“Em 2012, confrontado por jornalistas com dúvidas sobre a regularidade da sua situação contributiva, o primeiro-ministro questionou o Centro Distrital de Segurança Social de Lisboa sobre a existência de qualquer dívida, mesmo que prescrita, referente ao período em que exerceu atividade como trabalhador independente. Obteve então esclarecimento por escrito do Centro Distrital de Segurança Social de Lisboa de que a sua situação contributiva estava regularizada. Isto mesmo foi confirmado pelo próprio primeiro-ministro através de consulta ao site Segurança Social Direta. Foi-lhe igualmente respondido que estava registada a quantia de 2.880,26 euros (acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor), já prescrita em 2009, a qual poderia ser paga a título voluntário e a qualquer momento para efeito de constituição de direitos futuros, desde que o contribuinte não optasse por invocar a sua prescrição.”
O que conta o Público
Todos aqueles que exerçam uma atividade como trabalhadores independentes estão obrigados a fazer uma contribuição para a Segurança Social, exceção feita para aqueles que também tenham uma atividade por conta de outrem e que já façam os respetivos descontos. Assim aconteceu com Passos Coelho. A Assembleia da República tinha sido responsável pelos descontos à Segurança Social enquanto foi deputado, mas o mandato terminou em outubro de 1999 – e o grupo Fomentivest só começou a fazer descontos em setembro de 2004, refere o Público.
Mas o que fez Passos Coelho nestes cinco anos em que não teve descontos? Foi responsável pela área de formação das autarquias – onde ganhava 2.500 euros por mês –, trabalhava na empresa LDN e na associação URBE, todas elas a recibos verdes, mas sem nunca ter descontado um único cêntimo para a Segurança Social. Além disso, também foi consultor da Tecnoforma, uma empresa de formação profissional e consultoria técnica que no ano passado já se tinha visto no centro de uma controvérsia também relacionada com a atividade de Passos Coelho. Foi divulgado que o agora primeiro-ministro teria praticado fraude fiscal por ter recebido dinheiro da empresa sem o declarar, mas Passos Coelho alega só ter recebido despesas de representação.
Em cerca de cinco anos, diz agora o Público, Passos Coelho ficou a dever mais de cinco mil euros em contribuições que não chegou a pagar, aos quais acresciam mais de 2.400 euros em juros de mora, em meados de 2013. Mas o primeiro-ministro defende-se. Por um lado, garante que nunca recebeu notificação da Segurança Social, nem mesmo quando todos os demais contribuintes começaram a receber notificações em 2007. Por outro, como confirmou ao Público, a dívida não chegaria aos quatro mil euros – os dados fornecidos a Passos Coelho pela Segurança Social em 2012, e confirmados em janeiro de 2015, indicavam uma dívida de 2.880,26 euros até ao final de 2004, mais 1034,48 euros de juros de mora. O Público diz que este montante é equivalente ao que tinha em dívida em agosto de 2002.
As dívidas à Segurança Social que não são alvo de notificação ao contribuinte prescrevem ao fim de cinco anos. Foi o que aconteceu com o montante em dívida por Passos Coelho. Ainda assim “decidiu proceder desde já ao pagamento daquele montante, pretendendo assim pôr termo às acusações infundadas sobre a sua situação contributiva”, conforme respondeu ao Público. Todos os contribuintes podem pagar voluntariamente a dívida que têm à Segurança Social mesmo que esta já tenha prescrito.
Quando em 2012 o primeiro-ministro se tentou informar sobre a respetiva situação contributiva foi-lhe dito pela Segurança Social que a situação “não era diferente da de mais de 107 mil portugueses, igualmente trabalhadores independentes, os quais terão sido alegadamente notificados por carta simples em junho de 2007 para proceder ao pagamento de contribuições em falta” e que “atendendo ao elevado número de reclamações, em grande parte suscitadas pelo modo de notificação adotado, a Segurança Social entendeu à época não participar os pagamentos em falta para efeito de cobrança coerciva, facto que não foi comunicado aos referidos contribuintes”, conforme respondeu ao Público.
Passos “perplexo” com “manipulação eleitoral”
No comunicado deste sábado, Passos garante que a sua situação “era semelhante à de mais de 107 mil contribuintes portugueses. Atendendo ao elevado número de reclamações suscitadas por aquela notificação, a Segurança Social entendeu à época não participar os pagamentos em falta para efeitos de cobrança coerciva, facto que não foi comunicado aos referidos contribuintes.”
E acrescenta que “nunca teve conhecimento de qualquer notificação que lhe tenha sido dirigida dando conta de uma dívida à Segurança Social referente ao período em que exerceu a atividade de trabalhador independente, pelo que desconhecia a sua eventual existência”.
Passos diz-se “perplexo” pela “circunstância de terceiros estarem alegadamente na posse de dados pessoais e sigilosos relativos à sua carreira contributiva, os quais nunca lhe foram oportunamente transmitidos pelas vias oficiais, e para o facto destes serem agora manipulados e objeto de divulgação pública em ano eleitoral”. E deixa garantias de “decidiu entretanto exercer o direito, que a lei lhe reconhece, de contribuir voluntariamente para a sua carreira contributiva, liquidando o valor de 2.880,26 euros (acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor), apesar de a obrigação atrás referida se encontrar prescrita, logo, de não ser legalmente exigível a qualquer contribuinte nas mesmas circunstâncias.”
“Embora pretendesse exercer este direito apenas em momento posterior ao do exercício do atual mandato, o Primeiro-Ministro decidiu proceder desde já ao pagamento daquele montante, pretendendo assim por termo às acusações infundadas sobre a sua situação contributiva”, finaliza o primeiro-ministro.