As 55 medidas de António Costa dividem os vários setores de governação em que tocam. O Observador pediu a vários especialistas e associações de empresários que apreciassem as propostas de António Costa e enquanto algumas valeram ao socialista o apoio dos setores, outras foram criticadas por serem “genéricas” e por poderem agravar os custos orçamentais de um possível Governo socialista.

Se por um lado especialistas na Saúde afirmam que o documento “parece ainda provisório e incipiente para se conhecer a política” do PS, por outro há setores como o da restauração, que saúdam os esforços do líder socialista – por causa da proposta de redução do IVA em cima da mesa.

Justiça

Nuno Garoupa, professor Catedrático de Direito na Universidade de Illinois, considerou que António Costa propõe na prática “a alteração do mapa judiciário”. O académico foi “muito crítico do atual mapa judiciário” por considerar que “não trouxe ganhos qualitativos e de eficiência”, mas diz que as alterações propostas por António Costa não são significativas. “Alterá-lo nos termos em que o doutor António Costa o propõe seria apenas uma questão cosmética, que vai ter necessariamente custos orçamentais”, disse o investigador.

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1.1) Garantir que os serviços púbicos essenciais mantêm a relação adequada de proximidade com os seus utilizadores. Por exemplo, a realização de julgamentos deve alargar-se a todas as sedes de concelho ou agrupamentos de concelhos, ainda que em espaços públicos pré-existentes adaptados para o efeito.

Nuno Garoupa criticou ainda a falta de definição das propostas apresentadas por António Costa, designadamente por não ponderar os custos envolvidos numa eventual alteração do mapa judiciário. “Relembro que até o programa do Syriza tinha os custos e o peso das reformas propostas em matéria orçamental estimados. Este documento nem isso”, afirmou Nuno Garoupa, garantindo que “não é possível alterar o mapa judiciário sem custos orçamentais”.

Economia

  • Empresas

António Saraiva, presidente da CIP (Confederação Empresarial de Portugal), disse que todos os incentivos para as empresas, especialmente em associação com unidades do sistema cientifico e tecnológico são “positivos”, especialmente quando servem para a promoção de emprego nos territórios de baixa densidade, tal como pretende António Costa.

3.1) Criar incentivos fiscais a empresas, para que, em associação com unidades do sistema científico e tecnológico, potenciem o crescimento dos setores mais dinâmicos, em particular os associados ao empreendedorismo qualificado.

3.2) Lançar um programa integrado de certificação e promoção de produtos regionais, designadamente aqueles que conjuguem técnicas artesanais com fatores de inovação, evidenciando os seus fatores diferenciadores aumentando a sua competitividade nos mercados externos aos territórios de origem.

3.3) Remover as dificuldades de cobertura de comunicações móveis e internet nos territórios rurais e de fronteira.

3.4) Lançar um Programa de Wi-Fi gratuita em espaços públicos centrais nos territórios de baixa densidade.

3.5) Aplicação dos Fundos Europeus em Portugal, para o período 2014-2020, garantindo uma primeira vaga de intervenções especificamente dirigidas para a promoção da competitividade e do emprego em territórios de baixa densidade (Estratégias Provere).

4.3) Apoiar a implementação de plataformas logísticas transfronteiriças que permitam concentrar de forma eficiente infraestruturas de logística (bancos, abastecimentos, serviços de reparações, etc.), armazenagem e transporte de mercadorias (industriais ou de distribuidoras).

No entanto, o líder das entidades patronais disse que “os incentivos fiscais precisam de folgas orçamentais e aí as coisas ficam complicadas”. O problema é que sem se encontrar uma folga na despesa receio que não encontraremos medidas fiscalmente mais atrativas” afirmou Saraiva, garantindo que até agora e com o atual Governo, “se tem assistido ao contrário”, com dificuldade de cortes na despesa.

Em relação às plataformas logísticas, António Saraiva reconheceu a sua importância, mas afirmou que a aposta deve recair no transporte ferroviário de modo a que as empresas portuguesas tenham o mesmo acesso que as restantes empresas europeias a este tipo de acessos. “É importante que Portugal fique interligado a Espanha e depois a França e depois ao resto da Europa. Já estamos bem servidos pela rede rodoviária, agora é importante investir na rede ferroviárias”, concluiu António Saraiva.

  • Restauração

Uma das medidas mais faladas entre as 55 apresentadas pelo líder socialista foi a promessa da redução do IVA no setor da restauração. A Associação de Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) afirmou ao Observador afirmou que “saúda toda a atenção que o Partido Socialista tem tido para a temática do IVA dos Serviços de Alimentação e Bebidas”.

9.1) Garantir a competitividade fiscal do destino Portugal, nomeadamente com a reposição da taxa intermédia do IVA na restauração.

“Como é do conhecimento publico há anos que apresentamos um conjunto de propostas que permitem repor a Taxa do IVA sem colocar em causa as receitas fiscais do estado, prevenindo a concorrência desleal gerada pela excessiva carga fiscal, promotora da economia paralela e da evasão fiscal, bem como garantindo a manutenção e criação de postos de trabalho, essenciais a qualidade da nossa oferta turística”, assinalou fonte oficial da AHRESP.

A associação lembrou ainda que, segundo informações oficiais do INE, o setor da Restauração e a Hotelaria perdeu 43.000 postos de trabalho, entre 2008 e 2014 e 12.700 no ano de 2014, coincidindo estes números com o aumento da carga fiscal sobre o setor.

Saúde

Para comentar as propostas de António Costa que dizem respeito à área da Saúde, o Observador contactou Carlos Costa, Professor Auxiliar da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa (UNL), que quis deixar uma nota aos leitores, explicando que comentou as propostas socialistas como se “estivesse a analisar uma publicação científica”.

1.4) Incluir medidas de adaptação às alterações climáticas nos vários instrumentos de planeamento e gestão (urbanismo, saúde, transportes, etc.).
4. Cooperação Transfronteiriça:
4.2) Apoiar a implementação de programas que assegurem o acesso integrado das populações nas áreas da educação e da saúde nas regiões transfronteiriças, designadamente através de:
4.2.2) Articulação da rede de oferta de serviços de saúde para pessoas residentes em regiões transfronteiriças.
12. Descentralização de atribuições e competências: Reforço de competências das autarquias locais
12.5) Saúde, ao nível da rede de cuidados continuados, elaboração da Carta de Equipamentos dos Cuidados de Saúde Primários, em articulação com as Administrações Regionais de Saúde e criação de Planos Municipais de Saúde.

Segundo Carlos Costa, o documento com as propostas anunciadas pelo líder do PS durante o encontro nacional de autarcas socialistas “não é substantivo acerca do Sistema Nacional de Saúde, do Serviço Nacional de Saúde, das prioridades em Saúde e da criação de valor e da implementação de boas práticas na Gestão do setor da Saúde.” Para Carlos Costa, “embora com boas ideias”, o programa “parece ainda um documento provisório e incipiente para se conhecer a política de Saúde de um programa de Governo do Partido Socialista”.

Quanto à primeira proposta concreta para a saúde, incluída no ponto 1.4 do programa de António Costa sobre “variações climáticas e planeamento e gestão em saúde”, Carlos Costa disse ao Observador que “em termos operacionais, nenhum Governo, incluindo o presente, tem adotado medidas efetivas, tendo em vista a antecipação dos problemas e a reorganização das organizações prestadoras de cuidados de saúde”.

Relativamente ao ponto “cooperação transfronteiriça em saúde”, Carlos Costa explicou ao Observador que esse assunto, apesar de estar presente na agenda da União Europeia, “não foi suficientemente estudado em Portugal”. O professor auxiliar na UNL disse que esta “parece ser uma medida que tem de estar forçosamente na linha da frente da política de saúde”. Para que esta medida seja implementada, continuou, “devem ser avaliados modelos organizacionais e realizar experiências piloto distintas em diversos locais do país”.

No que diz respeito à “descentralização e reforço das competências das autarquias na saúde”, Carlos Costa disse que “existem muitas dúvidas sobre os modelos mais efetivos”. Para Carlos Costa, as medidas apresentadas “podem ser conservadoras, redutoras e geradoras de entropia ou de conflitos de poder”, uma vez que, em Portugal, “o modelo de cooperação entre o Governo central e as autarquias tem passado muito mais pela ‘exportação de custos’” e não por “políticas indutoras de comportamentos saudáveis, de envelhecimento ativo e da procura de soluções de cooperação entre prestadores públicos e privados, incluindo o setor social”.

Carlos Costa explicou as suas reservas com o facto de não haver referências à “criação de Centros de Dia em parcerias com as autarquias” e à “intensificação de cuidados domiciliários e à descentralização de consultas para as doenças mais prevalentes em cada região”. Além disso, disse o investigador, “a criação de Planos Municipais pode entrar em conflito com os Agrupamentos de Centros de Saúde, os quais nas zonas rurais envolvem mais do que um concelho.” Carlos Costa disse ainda que “não parece existir uma vontade expressa de alterar o atual paradigma dos cuidados continuados”, comentando que estes mais parecem “cuidados descontinuados”.

Educação

Em termos de educação, o Observador ouviu o professor Paulo Guinote, autor do blogue “A Educação do Meu Umbigo”, que disse que, no que diz respeito a esta área, o documento de António Costa “corresponde a um quase total zero de propostas e muito menos de ‘alternativas’”.

4.2) Apoiar a implementação de programas que assegurem o acesso integrado das populações nas áreas da educação e da saúde nas regiões transfronteiriças, designadamente através de:

4.2.1) Regulamentação e harmonização de titulações académicas em âmbitos de formação especializada, tais como Educação Musical, Turística, etc., que permitam partilhar recursos pouco utilizados, como Conservatórios e Escolas de Hotelaria bem como entre as Universidades das áreas de fronteira (programas de estudos conjuntos, duplos graus);

12. Descentralização de atribuições e competências: Reforço de competências das autarquias locais
Seguindo estes princípios, e no quadro de um amplo processo de auscultação das autarquias e avaliação das experiências-piloto em curso, passarão a ser exercidas pelos municípios competências nos seguintes domínios:

12.4) Educação, ao nível da gestão dos equipamentos, ação social escolar, transportes escolares, pessoal não docente e articulação com agrupamentos de escolas de todo o ensino básico e secundário, garantindo a igualdade de oportunidades entre diferentes territórios;

Sobre a proposta de “cooperação transfronteiriça em educação”, Paulo Guinote disse que “é uma ideia interessante”, mas que “terá pouco impacto”, uma vez que “o problema mais grave das zonas fronteiriças é o seu despovoamento”. Perante este cenário, disse, “não há cooperação que sirva de muito”, uma vez que “em algumas destas áreas se privilegia mais o turismo do que a fixação das populações”. Paulo Guinote resumiu assim esta proposta: “de certo modo, é mesmo uma espécie de ‘rendição’ ao despovoamento e à retirada dos serviços públicos dessas zonas do país”.

No que diz respeito à proposta de “descentralização de atribuições e competências em Educação”, Paulo Guinote disse que se trata “da continuidade das medidas que estão a procurar ser implementadas” pelo ministro Poiares Maduro, não trazendo “absolutamente nada de novo”, destinando-se, “debaixo da capa de ‘descentralização’, criar centralismos locais que retiram competências às escolas e agrupamentos, limitando-lhes gravemente a autonomia e a possibilidade de oferecerem propostas claramente diferenciadas”.