José Sócrates, ex-primeiro-ministro e atual recluso número 44 do Estabelecimento Prisional de Évora, terá sido apanhado a pedir ao empresário e amigo Carlos Santos Silva para “trazer um bocadinho daquela coisa que gosto [gosta] muito”, revelou o Correio da Manhã, que teve acesso às escutas telefónicas realizadas no âmbito da Operação Marquês.
A expressão “bocadinho daquela coisa que gosto muito” é, ao que tudo indica, apenas um dos muitos códigos utilizados entre José Sócrates e Carlos Santos Silva no esquema de circulação de dinheiro criado para fugir aos radares das autoridades e para fazer chegar dinheiro ao ex-primeiro-ministro e ao seu círculo mais próximo. Pelo menos, são essas as suspeitas dos investigadores.
Alguns dos códigos utilizados já foram sendo conhecidos, desde logo as “fotocópias”, os “documentos” e “os dossiers”, mas também os “livros do Duda”. Expressões que, para o Ministério Público, deixam pouca margem de dúvidas: o tom e os códigos que utilizam, quer Santos Silva, quer José Sócrates, fazem crer que os fundos movimentados entre as várias contas bancárias e, muitas vezes, devolvidos em mão, pertenciam, mesmo, ao ex-primeiro-ministro.
No despacho que serviu para fundamentar a detenção dos suspeitos para interrogatório, citado pelo CM, o MP é claro: “Os pedidos de fundos realizados pelo arguido José [Sócrates] Pinto Sousa a Carlos Santos Silva não se apresentam como uma solicitação de benesse, até porque nunca questionam a existência de fundos, mas são feitos como o afirmar de uma vontade, com exigência, hora, local e pessoa para receber os fundos”.
O CM transcreve, aliás, várias dessas conversas, envolvendo, ora José Sócrates, ora Carlos Santos Silva. A certa altura, ouve-se Sócrates a dizer a Santos Silva que podia “ir buscar um bocadinho daquilo e [deixar] alguma coisa à Inês [companheira de Carlos Santos Silva]”. Noutra ocasião, ouve-se o empresário a dizer: “João Perna ficou encarregado de ir buscar guito”. Ou então José Sócrates a dizer para Santos Silva: “Podes entregar metade das fotocópias daquela vez”.
O que as escutas agora reveladas parecem esclarecer é que o esquema de autofinanciamento não envolvia apenas o antigo primeiro-ministro e o seu amigo de infância. Já se sabe que o MP suspeita que o advogado Gonçalo Trindade e o motorista João Perna tenham desempenhado um papel no esquema de fraude e branqueamento de capitais. Além deles, também o deputado socialista e antigo chefe de gabinete de Sócrates, André Figueiredo, a mulher de Santos Silva e o companheiro de Sofia Fava terão participado no esquema, garante o CM, com base em escutas telefónicas e documentação bancária na posse das autoridades, que terão, ainda, realizado várias operações de vigilância que incriminam José Sócrates e o seu círculo de amigos mais próximo.
Um círculo muito restrito do qual não faria parte, de resto, Fernanda Câncio, jornalista e ex-companheira de Sócrates. Numa das escutas telefónicas realizadas, é possível ouvir o ex-primeiro-ministro a repreender o motorista João Perna por este ter mencionado uma entrega de “documentos” num telefonema a Fernanda Câncio, quando o casal estava de férias no Algarve.