O primeiro-ministro interino após as mortes de Sá Carneiro e Amaro da Costa na tragédia de Camarate afirmou esta quinta-feira ter-se enganado e duvidado muito ao longo da vida, durante o inquérito parlamentar sobre o sucedido há 35 anos.

Freitas do Amaral, cofundador do CDS, foi esta quinta-feira ouvido na X Comissão de Inquérito sobre o tema e admirou-se com a insistência do deputado social-democrata Miguel Santos, que estranhou a falta de ação daquele membro de sucessivos governos face à pista do suposto atentado para travar investigações sobre tráfico de armas e recurso indevido a fundos militares portugueses.

“Eu cometi erros, tive falhas, enganei-me. Eu engano-me e, muitas vezes, tenho dúvidas, ao contrário daqueles que nunca se enganam e raramente têm dúvidas”, disse Freitas do Amaral, numa clara referência a palavras do antigo primeiro-ministro do PSD, Cavaco Silva, atual Presidente da República.

O também ex-presidente da Assembleia-Geral da ONU e ministro dos Negócios Estrangeiros do primeiro governo do socialista José Sócrates descreveu os primeiros tempos depois da queda do avião Cessna 421 nos arredores de Lisboa como de “profundo estado de choque”, “grande sofrimento” e “total desorientação”.

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“No meio de tudo aquilo, se calhar, ficou por fazer muita coisa”, assumiu, esclarecendo que não teve acesso a quaisquer documentos que estivessem à data a ser tratados pelo ministro da Defesa, Amaro da Costa. Segundo Freitas do Amaral, a primeira hipótese de atentado colocada até dava como alvo o fundador do PPD, Sá Carneiro, líder da Aliança Democrática (PPD/PSD, CDS e PPM).

O também ministro da Defesa e vice-primeiro-ministro de outros executivos garantiu que “só muito mais tarde é que se começou a focar atenções num atentado contra Amaro da Costa e se fez a ligação com as investigações que ele andava a fazer sobre Fundo de Defesa Militar do Ultramar e suas irregularidades”.

Peritos da Inspeção-Geral de Finanças, que testemunharam nesta X Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate, precisaram que em 1982 o Fundo de Defesa começou com 510 milhões de escudos (2,5 milhões de euros), mas apenas transitaram para o Orçamento do Estado, em 1993, 29 milhões de escudos (145 mil euros).

“Não se sabia nada de exportação ou importação de armas para o Irão ou para Iraque, nem desse fundo do Ultramar. Não se sabia nada, ainda se andava a apalpar o terreno. Só muito mais tarde se veio a saber alguma coisa, através do relatório da VII Comissão Parlamentar de Inquérito a Camarate, que deu conta que a contabilidade oficial tinha dezenas de milhar de contos, enquanto na contabilidade paralela passavam milhões e milhões de contos”, afirmou Freitas do Amaral, adiantando ter feito diligências junto de vários primeiros-ministros para se “levar até ao fim o programa de investigação deixado por aquela comissão”, contra a falta de cooperação do Estado-Maior General das Forças Armadas, entre outras entidades.

Freitas do Amaral notou ainda a “contradição insanável entre os relatórios da Polícia Judiciária e Ministério Público e o da comissão de inquérito nomeada no âmbito da aeronáutica civil”, pois “os técnicos de engenharia diziam que era crime e os técnicos judiciais diziam que era avaria técnica”, anos mais tarde.

“Perante tal contradição, resolveu-se solicitar ao Procurador-Geral da República uma resposta e a decisão dele foi abrir um inquérito público sobre caso de Camarate”, contou ainda, lamentando ter-se esquecido, devido aos acontecimentos dramáticos, de uma máxima aprendida durante o serviço militar na Armada: “Quem está no posto de comando não deve cair no erro de passar sempre à frente aquilo que é urgente em vez daquilo que é importante”.