Morreu José Girão Pereira. Esta quinta-feira, Aveiro assistiu à partida de um “autarca de excelência” e “uma pessoa que ficará sem dúvida na história da cidade de Aveiro”, nas palavras do companheiro de partido, o CDS, Raúl de Almeida. Era um “profundo humanista” e possuía um “caráter cristão da escola mais tradicional”, lembra o democrata-cristão.

“A memória do Sr. Dr. Girão Pereira nos aveirenses é excelente. Autarca de uma probidade absoluta, deputado fiel à democracia-cristã, herdeiro e continuador da tolerância política em Aveiro, político extremamente próximo das pessoas e dos com problemas. Não cedia à demagogia e realizou uma obra notável.”
Paulo Portas, líder do CDS

Nascido a 1 de março de 1938 em Cambra, Vouzela, morreu em Aveiro. Tinha 77 anos e já não mantinha nenhum cargo político oficial, mas “continuava bem informado sobre o que se passava na cidade [de Aveiro] e no distrito”, conta ao Observador Raúl de Almeida, deputado na Assembleia da República. “Comunicava-me regularmente o que se passava na cidade.” Paulo Portas, em nota escrita, reforça que Girão Pereira “foi, em grande medida, o fundador da Aveiro moderna, ordenada, sustentável e solidária”.

O democrata-cristão lembra que num almoço há cerca de duas semanas falaram dos problemas de desemprego e da inclusão das crianças desfavorecidas no distrito. “Era um bom conselheiro e uma boa ajuda.” Paulo Portas lembra ainda que Girão Pereira “ajudou sempre o CDS e ainda mais nos momentos difíceis do partido”. Mas também ajudou as pessoas do partido. “Não posso esquecer a apresentação e a amizade que devo ao Dr. Girão Pereira no momento em que, optando pela política, me candidatei por Aveiro”, refere Paulo Portas.

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Girão Pereira foi o primeiro presidente da Câmara Municipal de Aveiro eleito democraticamente e ganhou sucessivas eleições autárquicas pelo CDS de 1976 a 1994. Ganhou-as, explica Raúl de Almeida, porque sempre “governou ao lado de quem mais precisava”. Desenvolveu a economia e a cidade, sem nunca esquecer o lado social. Segundo Raúl de Almeida, seguia fielmente a “doutrina social da igreja”. “Foi um dos melhores presidentes de câmara que o Portugal democrático elegeu e reconheceu”, nota Paulo Portas.

Em 1994 interrompeu o mandato na câmara para ocupar o lugar de deputado pelo CDS na Assembleia da República na VI legislatura (1991-1995). Neste período curto, Raúl de Almeida refere que se bateu sobretudo pela descentralização. Procurava o equilíbrio e equidade entre os conselhos, sem nunca perder a noção de que cada região está integrada em um todo nacional. “Soube sempre defender os interesses de Aveiro, mas nunca o vimos em contenda com outros municípios”, refere o deputado.

De novembro de 1994 a janeiro de 1999 foi deputado pelo CDS no Parlamento Europeu. Enquanto eurodeputado destacou-se por “defender muito os interesses de Portugal, sobretudo na área das pescas e agricultura”, refere Raúl de Almeida. Nesta altura, durante o mandato de Manuel Monteiro, foi vice-presidente do partido.

Em 2010, no final da primeira Jornada do Roteiro das Comunidades Locais Inovadoras, que decorreu na região Entre Douro e Vouga, recebeu do Presidente da República, Cavaco Silva, a distinção Ordem de Mérito, grau de Grande-Oficial.

Aveiro depois do 25 de abril

As primeiras eleições autárquicas no país depois do 25 de abril tiveram lugar a 12 de dezembro de 1976. Nesse dia, em Aveiro, José Girão Pereira, candidato pelo CDS, venceu uma eleição que teve 31,8% de abstenções – votaram 25.797 pessoas das 37.838 possíveis para aquele município. Derrotou o candidato do Partido Socialista, Justino Soares Pinheiro, descrito por Carlos Candal, também socialista, como “um anti­fascista da velha praça, conhecido, respeitado e com prestígio”.

30 anos depois, Girão Pereira disse ao Diário de Aveiro que: “Foi uma surpresa ganhar, nunca pensei correr o risco de vencer.” Mas Carlos Candal não se surpreendeu, Girão Pereira tinha um forte apoio do cunhado e antigo presidente do Município, Mário Gaioso Henriques.

Girão Pereira recordou, no Diário de Aveiro, que nessa época as eleições foram “muito participadas” e “com muitas sessões de esclarecimento”. “Vivia-­se um período novo em termos políticos. As pessoas estavam ávidas de participar.”

O autarca, eleito aos 37 anos, esteve 18 anos à frente da Câmara Municipal de Aveiro, mas lembra que nesse tempo “não se ia para a política para fazer carreira”. A própria vida profissional tinha começado de uma forma bem diferente. Primeiro tinha sido professor do ensino básico e secundário e, depois de completar o curso de Direito, delegado do Ministério Público no Tribunal de Aveiro.

Ser presidente da Câmara foi “uma dificuldade e ao mesmo tempo um aliciante e um desafio” – era preciso “construir tudo”, planear a “expansão da cidade”, erradicar as “ilhas de pobreza”, citou o Diário de Aveiro.

Em entrevista à Associação dos Antigos Alunos da Universidade de Aveiro, Girão Pereira contou que o problema dos terrenos de Santiago, onde se implantaria a universidade, foi um dos primeiros grandes desafios enquanto autarca, pouco tempo depois de ter assumido o cargo. “Tinha-se a perspetiva de que ninguém conseguiria resolver esta questão, e se não acontecesse não haveria Universidade em Aveiro. Eu como jovem político autarca estaria acabado se não conseguisse resolver esta questão”, respondeu o autarca. E conseguiu. Em setembro do mesmo ano os terrenos estavam expropriados e a universidade podia ser construída.

Atualizado às 13h00