Há reclusos que escondem debaixo da língua comprimidos que lhes são dados nas enfermarias das prisões e que, depois, os vendem a outros reclusos. Além da medicação, os guardas prisionais sabem que há outros tipos de droga que entram no meio prisional e que não estão refletidos no Relatório Anual de Segurança Interna, que dá conta da apreensão de cocaína, heroína e haxixe. Por isso pedem que a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) faça um retrato do que se está a passar nas cadeias portuguesas.

“A Direção Geral não conhece os seus reclusos. Sendo um sistema que privilegia a reinserção das pessoas devia saber que tipo de drogas consomem”, diz ao Observador Jorge Alves, presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional.

Segundo o responsável, há reclusos que são medicados nas enfermarias das cadeias com “serenal”, um relaxante, e que depois escondem o comprimido debaixo da língua para o venderem a um euro a outros reclusos. “Tem um efeito calmante menos depressivo do que a heroína”, diz Jorge Alves. Atualmente só os reclusos que aceitem tratar-se e ser sujeitos a um tratamento com metadona são submetidos a testes de controlo, “e é um número reduzido”. Todos os outros reclusos escapam aos testes de controlo de droga, não se conseguindo perceber os hábitos de consumo da cadeia – tornando assim difícil prevenir e combater a droga dentro das cadeias.

A queixa do sindicato surge na sequência do caso dos oito reclusos da cadeia de Coimbra que foram hospitalizados porque terão consumido “ketamina” – uma droga que provoca alucinações e que é, normalmente, usada para efeitos veterinários. Jorge Alves diz que ele e os colegas ainda não tinham ouvido falar deste tipo de droga no meio prisional, mas recentemente houve um caso na cadeia de Castelo Branco de um recluso que teve sintomas estranhos numa aula e que poderá ter usado esta droga.

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“O recluso começou a rir e parecia estar a alucinar. Não se aguentava em pé e teve que ser levado para a enfermaria”, conta. Não era nenhum dos oito que foram hospitalizados. “Se soubéssemos o que estes reclusos tomam eram mais fácil tratá-los”, diz.

O último relatório do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências, relativo a 2013, só faz uma referência a este tipo de droga, quando se refere aos dados do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses. Segundo este instituto, das autópsias feitas na qual se concluiu a morte por overdose, em 91% dos casos foi concluído o consumo de mais de uma substância. E em três casos foi mesmo verificado o uso de “ketamina”.

O Relatório Anual de Segurança Interna, referente a 2014, tem apenas registo de três tipo de drogas que entraram nas prisões: cocaína, heroína e haxixe. No ano passado foram apreendidos mais de seis quilos de haxixe (o que representa mais 35% que em 2013) – a droga mais apreendida. Foram também apreendidos mais de 360 gramas de heroína e 216 de cocaína. O relatório fala ainda na apreensão de 62 seringas e 72 agulhas, normalmente associadas ao uso de esteróides anabolizantes.

Mas como é que estas substâncias entram na cadeia?

Apesar das revistas dos guardas, grande parte da droga chega às cadeias através das visitas que a escondem junto ao corpo ou no interior do corpo. Terá sido assim que a “ketamina” entrou na cadeia de Castelo de Branco, mas Jorge Alves alerta para o facto de, por vezes, não serem os familiares diretos dos reclusos que a vendem a levá-la.

“Por vezes estes reclusos utilizam os familiares de outros reclusos mais fragilizados, seja pela ameaça, pelo pagamento ou pela promessa de, por exemplo, proteção”, diz.

Jorge Alves recorda-se do dia em que, na cadeia de Custoias, viu dois reclusos a esconderem, durante uma visita, “uma substância no ânus”. Mesmo ali, no espaço das visitas. Os reclusos foram obrigados a defecar o que tinham escondido. Era haxixe.

Mas há mais formas de a droga chegar às cadeias. Recentemente, na cadeia de Vale de Judeus, um recluso que recebia tratamento médico no exterior da cadeia foi apanhado com uma cinta com mais de um quilo de haxixe. E não era a primeira vez que o fazia. Antes de estar nesta cadeia, o recluso em causa tinha estado preso em Coimbra e foi transferido depois de ter sido apanhado a entrar com droga e telemóveis. Como? Tinha-os escondido numa prótese que tinha na perna e os telemóveis começaram a tocar no momento em que entrava na cadeia.

Também foi assim que na cadeia do Montijo foi detetado um saco com telemóveis em cima do telhado. “Começaram a tocar”, conta Jorge Alves. Esta é, aliás, outra das técnicas para fazer entrar material ilícito nas cadeias: arremesso de objetos pelos muros. Há material que é detetado a tempo. Outro não. O Observador tentou contactar a Direção Geral da Reinserção e Serviços Prisionais para perceber se existe ou não uma análise a estes comportamentos nas cadeias, mas até ao momento não foi possível chegar à fala com um responsável.