A mais de 384 mil quilómetros acima das nossas cabeças, a Lua orbita em redor do nosso planeta. Todos os dia a vemos, mas muito poucos ainda a alcançaram, depois do enorme passo lunar dado por Neil Armstrong, a 20 de julho de 1969. Mas, mesmo assim, o único satélite natural da Terra tem sido muito fértil a gerar mitos.
Desde tempos ancestrais que se crê que a Lua tem influência na condição física e mental dos seres humanos, principalmente durante a Lua Cheia. Quando a face visível do satélite se ilumina por completo, diz a sabedoria popular que o número de partos aumenta, os acidentes tornam-se mais comuns, a criminalidade cresce e até o ciclo menstrual feminino se altera.
Verdade? Nem por isso, estes são mitos. Não passam disso mesmo, é a ciência que o prova.
Três mitos iluminados pela Lua Cheia
São incontáveis os mitos que se desenvolveram em redor da influência da Lua Cheia na vida humana. Estes são três deles.
1 – A Lua Cheia provoca mais partos e influencia o ciclo menstrual
A influência da Lua Cheia na mulher está relacionada com a duração do ciclo menstrual e do ciclo lunar, que são semelhantes: um ciclo menstrual dura, em média, 28 dias. A Lua termina o seu ciclo a cada 29 dias. Ora, tudo indicava que se desenrolavam a par um do outro.
A lenda ia mais longe: os partos ocorreriam em maior número nas noites e Lua Cheia ou de Lua Nova, sendo que no primeiro as mulheres dariam à luz rapazes e no segundo raparigas.
2 – A Lua Cheia influencia a sanidade mental
Esta é uma crença antiga e tão forte que durante o século XVIII as pessoas que cometessem crimes em noites de Lua Cheia podiam mesmo ser ilibadas. É daqui que vem o termo “lunático”, com origem no nome da deusa Luna: Hipócrates, o pai da medicina moderna, chegou mesmo a dizer que “aquele que é levado pelo terror, pelo medo e pela loucura durante a noite é visitado pela deusa da Lua”.
O efeito da Lua Cheia seria de tal forma expressiva que o número de crimes aumentaria e os doentes psiquiátricos se relevariam por essa altura. Além disso, havia mais dificuldades para adormecer em noites dessas, principalmente em doentes bipolares e esquizofrénicos.
3 – A Lua Cheia também influencia os animais
Diz-se que os animais têm mais problemas de saúde e acidentes em noites de Lua Cheia. Mas os bichos não são apenas vítimas da Lua Cheia: alguns estudos dizem que eles se tornam mais ferozes e mordem duas vezes mais do que nas restantes noites. Daí o mito dos Lobisomens.
A origem dos mitos
De onde saíram estas teorias? O Homem apercebeu-se cedo do efeito que as fases lunares tinham na dinâmica das marés. E depressa transpuseram esses efeitos para o corpo humano: para Aristóteles e Plínio, a influência lunar no comportamento humano tinha a ver com o facto de o cérebro ser o órgão mais suscetível ao efeito do astro, por ser a parte do corpo mais húmida.
Os argumentos daqueles que persistem na teoria da influência da Lua baseiam-se no facto de que o corpo humano ser composto por 75% de água. Sendo assim, o astro deverá funcionar no organismo da mesma forma que opera sobre os oceanos e lagos. O psiquiatra Arnold Lieber, por exemplo, acredita que o alinhamento das moléculas de água no sistema nervoso é alterado em dias de Lua Cheia.
Uma ideia ancestral, mas que ainda hoje desperta curiosos e recruta crentes: 45% dos estudantes continua a acreditar que os comportamentos são influenciados pela Lua e um estudo provou que os profissionais da área da saúde são os mais convictos sobre o efeito do satélite terrestre. Ainda em 2007, alguns departamentos da polícia britânica decidiram reforçar o corpo policial em noites de Lua cheia, por considerar que essas eram as noites de maior criminalidade.
A culpa não é da Lua
No entanto, existem pelo menos três argumentos científicos que refutam estas crenças. Todos relacionados com a força gravitacional da Lua:
1 – Efeito gravitacional demasiado pequeno
O efeito gravitacional que a Lua exerce no ser humano é tão baixo que não pode ter uma repercussão visível na atividade cerebral do homem.
2 – Só dinamiza massas de água abertas
O efeito gravitacional da Lua apenas afeta massas de água ao ar livre, como é o caso dos oceanos e dos lagos. Até porque a força da gravidade depende de dois valores, massa e corpo. Em teoria, todos os corpos do Universo exercem atração entre eles: até Plutão ou a estrela mais isolada do espaço teria assim influência no ser humano.
Mas como a força gravitacional depende da massa (o “peso” dos corpos) e da distância desses mesmos corpos, ela só é significativa entre corpos grandes e a distâncias curtas, numa escala astronómica.
3 – A força gravitacional sobre o mesmo corpo é constante
Ao longo de todo o ciclo lunar, independentemente das variações de distância entre a Terra e a Lua, a força gravitacional que a Lua exerce no nosso planeta e vice-versa é constante. Sendo assim, o efeito da Lua Cheia seria precisamente o mesmo que é sentido durante a Lua Nova, por exemplo.
O estudo dos mitos
Existem muitos estudos que sublinham não haver relação entre a fase da Lua e os acontecimentos corporais e incomuns que se desenrolam na Terra. Jean-Luc Margot, professor da Universidade da Califórnia, foi um dos investigadores que procurou perceber a teoria da influência lunar.
Ao analisar a literatura científica sobre o assunto percebeu que ela não podia existir, mas ainda assim encontrou um estudo desenvolvido em 2004 no Hospital de Barcelona que concluía que havia mais entradas por hemorragias gastrointestinais nas noites de Lua Cheia.
Apesar dos autores continuarem a insistir na veracidade dos resultados, Margot considera que os cientistas interpretaram mal os resultados por não conhecerem bem os ciclos lunares e por terem ignorado algumas variáveis.
Em 1985, dois psicólogos e um astrónomo americanos juntaram-se para fazer uma meta-análise de grande dimensão sobre os dados da Lua Cheia e dos acontecimentos associados a ela. E concluíram que não existe qualquer relação entre ambos.
Insistir na mentira
Então, porque é que tantos continuam a acreditar nas respostas dúbias? Dam Simon, psicólogo e advogado que leciona na Universidade do Colorado do Sul, explica que se trata de um fenómeno chamado “tendência da confirmação”. É uma inclinação natural para aceitar a informação que confirma as crenças mais antigas e que nos leva a ignorar os dados que as contrariem.
Essa tendência existe também nos cientistas mais isentos: quando há ambiguidade na interpretação que se faz de uma informação, um cientista pode seguir aquela que mais favorece a teoria em que acredita intrinsecamente.