Não é o valor da liberdade que está em causa. O que está em transformação desde que as novas tecnologias embrenharam nas nossas vida é o conceito de liberdade. A provar isto mesmo está o caso de Myrna Arias, uma norte-americana que foi despedida após ter eliminado uma aplicação que permitia ao seu empregador localizá-la 24 horas por dia. Mesmo fora do horário laboral.

A Intermex é uma das empresas que utiliza a aplicação Xora para controlar os movimentos dos funcionários através de um smartphone. Começou por ser uma ferramenta útil para gerir a produtividade da empresa, mas Myrna Arias pôs um ponto final ao seu posto de trabalho quando considerou que esta aplicação representava uma intromissão à intimidade.

Quando foi despedida, a norte-americana correu para os tribunais. Defendeu-se dizendo que aquela aplicação permitia até descobrir a velocidade de condução em horário não laboral, exigindo por isso uma indemnização de 489 mil euros. A empresa alegou que o despedimento foi motivado pelo facto de se ter descoberto que Aria trabalhava simultaneamente noutra companhia, o que em nada se relaciona com a aplicação Xora.

Este não é o primeiro caso onde as noções de liberdade e intimidade precisam de ser revistos. Ainda esta semana, uma canadiana processou a empresa onde estava depois de ter sido despedida por recusar-se a utilizar mecanismos de geolocalização em tempo inteiro.

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Em 2013, por exemplo, três diretores do IKEA francês foram acusados de espiar os funcionários através de uma base de dados chamada Stic.

Estas aplicações são o resultado de uma tecnologia que se tem tornado mais acessível em todos os aspetos. Há empresas que fazem capturas de ecrãs automáticas e intervaladas aos computadores dos funcionários, outras que medem o tempo que os empregados usam o telefone ou aplicações com serviço GPS que localiza os utilizadores.

Algumas vozes equiparam estas decisões empresariais à vigilância em massa associados aos Estados Unidos da América, designado popularmente de “Big Brother”: alguém que nos observa de olhos sempre abertos para os nossos movimentos. Ainda em março deste ano, a Amnistia Internacional informou que “71% das pessoas são fortes opositoras ao facto dos Estados Unidos monitorarem a sua utilização da Internet”.

Em alguns países, como no Canadá, este controlo em ambiente de trabalho é legal até certo ponto. Kirsten Thompson, diretora de uma companhia de segurança nacional online que lida com questões de privacidade e proteção de dados, explica que “nem todas a vigilância e tecnologia de monitoração são maliciosas”. Pode ser útil para manter a segurança dos funcionários quando estes concordam com esse funcionamento. As questões apenas são colocadas quando essa vigilância perde as estribeiras.

Mas, muitas vezes, mostramos a nossa localização gratuita e voluntariamente, umas vezes em consciência e outras sem noção. As redes sociais mais utilizadas – como Facebook, Twitter ou Instagram, por exemplo – oferecem a opção de discriminar a localização do utilizador. Existe mesmo uma aplicação chamada Foursquare que serve precisamente para informar os “amigos na rede” de onde estamos.

No que toca ao ambiente de trabalho não somos tão voluntários em deixar o livro aberto: de acordo com a Associação Americana de Gestão, dos 28% de empregados que foram dispensados por utilização deficiente do endereço eletrónico, a maior parte acredita que o despedimento ocorreu por “violação de uma política da companhia”. Dos 30% de empregadores que quebraram o contrato com um trabalhador por motivos relacionados com utilização deficiente da Internet, a esmagadora maioria indica que o funcionário havia “visto, descarregado ou carregado conteúdos inapropriados e ofensivos”.

Nancy Flynn, diretora do Instituto de e-Política, explica que a preocupação com o litígio e com a importância do material eletrónico em eventuais investigações e ações judiciais “têm estimulado mais empregadores a monitorar a atividade online“.

Uma coisa parece certa, pelo menos para Ben Waber, diretor de uma start-up que investiga o presente e o futuro das novas tecnologias: as políticas de privacidade vão ter de lidar também com o local de trabalho, não apenas com as questões de consumo.