Talento não faltava. Muitas pepitas da geração de ouro estavam nessa seleção e, portanto, seria difícil para qualquer um entrar no comboio. Para Rui Jorge, até nem o era. O lateral de olho azul jogava, costumava emprestar a canhota à equipa e estaria no Europeu dos miúdos se tudo corresse bem. Mas não correu. “Fui expulso e levei três jogos de castigo. Apanhava os dois do play-off e o primeiro da fase final. Por isso não fui convocado”, diz, avivando o canto da memória onde guarda o cartão vermelho que lhe mostraram na última partida da fase de grupos da qualificação. O tal que, em 1994, teve peso suficiente para não o deixar ir ao Campeonato da Europa de sub-21.

Portugal só parou na final, travado por um golo marcado pela Itália no prolongamento. Já lá vão mais de 20 anos e desde aí que Portugal não faz melhor em Europeus. Rui não esteve lá e isso serviu-lhe para aprender que, às vezes, uma coisa boa se pode mascarar de coisa má. “Foi algo amarga a opção de não ter sido eu a ir à fase final, mas dentro dessa infelicidade fui convocado para a seleção principal e acabei por me estrear”, lembra, rasgando um tímido sorriso. É aqui, por momentos, que baixa as guardas que filtram cada palavra que lhe sai da boca. Não é difícil perceber que o homem que teve de escolher os 23 melhores de uma geração das boas é calmo e cauteloso.

E sim, esta geração é mesmo boa — chegou a ganhar 14 partidas seguidas, entre amigáveis e jogos a sério, de 2013 a 2014, além de ter vencido todos os encontros da fase de qualificação. Talvez até seja melhor que a de 1994, a tal que jogava à bola que se fartava e tinha Luís Figo, Rui Costa, João Vieira Pinto e companhia. Rui Jorge não diz que sim ou que não. Só admite que teve “uma dor de cabeça positiva” com “tanta qualidade e quantidade” que tinha à mão para escolher os 23 jogadores que, entre 17 e 30 de junho, estarão no Europeu da República Checa.

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Há alturas, na conversa com o Observador, em que respira fundo para soltar um suspiro, e esta foi uma delas. Porque o selecionador sabe bem o quanto penou quando teve de deixar uns tristes para outros ficarem contentes. “Há jogadores que me custou deixar de fora, mas são decisões que o treinador tem de tomar”, lamenta, ao pensar nos muitos a quem o telefone não tocou, nem para ouvirem uma justificação. “Teríamos que estar a ligar a muita gente. Tivemos 33 jogadores a participarem ativamente na qualificação, 66 ou 67 convocados para todos os jogos, penso eu. Seria uma tarefa complicada. O treinador está cá para tomar decisões e não tenho propriamente de me justificar”, explica.

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Para os que não foram convocados, nem ai, nem ui. Rui Jorge apenas falou com os 23 jogadores que, “de certeza, farão um grupo forte”, porque falar com os restantes seria uma trabalheira. Mas houve quem não gostasse. Disso e do facto de o treinador ter decidido que Bruma verá a prova pela televisão. O empresário do extremo disse que a decisão foi como “não convocar Cristiano Ronaldo para a seleção principal” e que tudo se devia a uma suposta má relação entre Rui Jorge e Bruma. O treinador torce o nariz a esta hipótese e reage sem problemas. “É um rapaz que me parece um bom miúdo. Sempre teve um bom comportamento com os seus companheiros e não faço distinções. Mesmo que houvesse alguma coisa, teria no imediato transmitido, como faço com toda a gente. Não fico a guardar ou deixo para depois. Foi uma escolha perfeitamente normal”, garante o selecionador.

Como normal foi Rui falar com Fernando Santos, selecionador nacional, para quase lhe pedir autorização para saber se podia convocar William Carvalho e Bernardo Silva, dois miúdos que costumam estar no meio dos graúdos. “Claro que sim, há sempre conversa. A própria convocatória para a seleção A pode ter tomado em conta o facto de os sub-21 terem uma competição importante. Neste escalão temos 12 jogadores que já foram à seleção principal, como o Ivan [Cavaleiro] e o Rafa, que até foi ao Mundial”, diz, ao indicar dois exemplos.

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Outro é Raphäel Guerreiro, o luso-francês com um trema (¨) no nome, que até já marcou um golo na seleção principal (contra a Argentina, em novembro) e que, na altura, ainda só arranhava o português. “Quanto mais contacto tem connosco, mais à vontade se vai sentido. Agora não há problema nenhum de comunicação, como nunca houve no passado”, assegura Rui Jorge, que passou anos e anos a ser o lateral esquerdo do Sporting e de Portugal (45 internacionalizações).

O treinador, mesmo sabendo muito do que o (único) lateral esquerdo da equipa tem de fazer, não lhe vai dar uma palavrinha especial. “Não, não. Os conselhos que temos que dar são abrangentes a todas as posições e não especificamente à de lateral esquerdo”, diz, apenas. Nem a Gonçalo Paciência, único ponta de lança na convocatória que “terá de trabalhar bem” se quiser atingir, e ultrapassar, o nível alcançado por Domingos, o pai que hoje é treinador e que, no seu tempo, também foi avançado. “São jogadores bem diferentes, não só morfologicamente como nas características de jogo. Para ser melhor há que o demonstrar e o Domingos foi alguém que conseguiu uma carreira muito interessante, com vários pontos altos e alguma duração”, avalia.

Rio Maior , 05/06/2015 - A Selecção Nacional Sub 21 treinou esta tarde no Estádio Municipal de Rio Maior, continuando a preparação para o Campeonato da Europa República Checa 2015. Rui Jorge; Fernando Santos ( Pedro Rocha / Global Imagens )

Antes de ambos mandarem em seleções nacionais, Fernando Santos treinou Rui Jorge no Sporting, em 2003/2004. Foto: Pedro Rocha / Global Imagens

Pontas de lança. Os sub-21 só têm um, na seleção principal nem um se tem visto e pede-se a Cristiano Ronaldo que apareça na área para fazer o que faz melhor. Esta conversa já tem barbas, mas a verdade é que não se têm colhido muitos homens que marquem golos e que o façam bem o suficiente para serem chamados a representar o país.

E Rui Jorge acha que isto acontece porque os clubes também não fazem muito para os semear. “É uma reflexão que tem de ser feita mais de base, no próprio sistema em que os clubes jogam. Por norma, os clubes têm pelo menos dois pontas de lança. Um tem muito tempo de jogo, o outro nem por isso. Depois, para nós, temos a agravante de essa posição ser normalmente ocupada por um estrangeiro“, argumenta. O selecionador reconhece que este é um problema que já se arrasta há algum tempo e que nem uma geração carregada de jeito para jogar à bola consegue contrariar.

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Nem as equipas B, que Rui Jorge elogia pelo “bom salto” que deram aos jogadores na “quantidade de jogos que passaram a ter” e na “assiduidade” com que passaram a competir na Segunda Liga. Foi bom, mas não chega, porque o selecionador compara-nos “ao topo europeu” — “que é aquilo que pretendemos” — e, por isso, a “qualidade de competição convém que seja mais forte”.

É por isso que Rui Jorge ainda vê demasiados sub-21 a jogarem na Segunda Liga e poucos a aparecerem na primeira. “Uma Liga de Honra não é muitas vezes o palco ideal para estes jogadores, alguns dos quais terminaram a sua quarta época de sénior. Se nesta altura ainda lá estão, esse não é o processo de nível top que nós pretendemos. O que tem de começar a acontecer é eles afirmarem-se em equipas da Primeira Liga, de topo, para a competição ser mais forte e começarem a disputar provas internacionais, como a Liga dos Campeões”, defende. Mas isto é algo que depende dos clubes e, aí, Rui Jorge não pode tocar.

Tão pouco o quer fazer. “Não me quero imiscuir no trabalho dos clubes”, salvaguarda, pouco antes de pegar num exemplo recente, nas palavras de Luís Filipe Vieira, presidente do Benfica que vai puxar cinco ou seis jovens da formação para a equipa principal, como algo de bem bom para a seleção sub-21. “Claro que é tremendo em termos de mais-valia que poderão trazer. Competir com jogadores de alto nível e a serem bem treinados, como o são quase sempre, competindo contra adversários igualmente fortes, contribui para um crescimento muito maior”, resume quem, além de saber do que fala, gosta muito do que faz. Até hoje, em nove anos que leva a treinar (desde 2006/2007 ), Rui Jorge só fez dois jogos a mandar numa equipa sénior — aconteceu em 2008/2009, quando lhe pediram para apagar uns fogos no Belenenses.

Antes e depois tomou conta dos juniores do clube do Restelo, até que a Federação Portuguesa de Futebol o chamou, em 2010, para começar a tratar dos sub-21. Nunca mais de lá saiu. “Acredito que esta é uma altura em que os jogadores ainda absorvem muita coisa e vão a tempo de se corrigirem, embora se aprenda durante toda a vida de jogador”, justifica. Mais do que treinar, Rui Jorge fala em “ajudar” os jogadores nestas idades. É isso, garante, que o satisfaz e que o “tem preenchido”. Se os ajudar a jogar bem, a darem nas vistas e a inflacionarem as expectativas que um país volta a ter numa seleção de sub-21, como o tem feito, ainda melhor.