O consumo de álcool pode provocar a diminuição da massa cinzenta de algumas partes do cérebro e travar o desenvolvimento da matéria branca. Esta é a conclusão de um estudo produzido pela Universidade de Califórnia. E os efeitos do consumo de bebidas alcoólicas parecem ser ainda mais preocupantes quando se trata de jovens.
Os investigadores escolheram 134 estudantes, entre os 12 e os 14 anos, que nunca tinham consumido bebidas alcoólicas e seguiram-nos durante oito anos. O consumo de álcool pelos jovens foi avaliado por meio de um inquérito realizado a cada três meses. Mais de metade destes adolescentes (75) tornou-se heavy drinkers (consumidores frequentes ou de grandes quantidades) ao longo do período de estudo, enquanto os restantes 59 se mantiveram sem consumir álcool, de acordo com o artigo publicado na revista científica American Journal of Psychiatry.
Através de exames médicos – duas a seis ressonâncias magnéticas, por adolescente, durante o período de estudo -, os cientistas mediram os volumes de várias partes do cérebro e verificaram que o córtex frontal e temporal minguaram nos jovens que começaram a beber. Também o crescimento da matéria branca começou a desacelerar a partir desse momento. De acordo com Susan Tapert, uma das investigadoras, isso deve-se ao facto de o cérebro estar ainda em maturação até pouco depois dos vinte anos. A boa notícia é que os investigadores esperam que a matéria branca possa recuperar o crescimento normal caso os adolescentes deixem de consumir álcool.
Esta não é a única investigação referente a este assunto. Um estudo preliminar publicado no International Journal of Neural Systems também refere que o consumo excessivo de bebidas alcoólicas tem repercussões na configuração cerebral, mas reforça que acontece mesmo que os consumos sejam moderados e aconteçam apenas ocasionalmente.
Magnetoencefalografias realizadas a 73 alunos mostraram que os 35 jovens que tinham comportamento de consumo excessivo de álcool, ainda que ocasional (binge drinking), demonstravam um decréscimo nas conexões funcionais nas regiões frontal e parietal. O grupo controlo, que não apresentava este padrão de consumo de álcool tinha níveis de atenção, velocidade de processamento, memória e impulsividade mais saudáveis. E quanto mais cedo os membros do outro grupo começavam a beber, pior era a sua condição cerebral.
Existem duas implicações importantes no cérebro a partir do momento em que os adolescentes começam a ingerir bebidas alcoólicas, explicou Manuela Grazina, investigadora no Laboratório de Bioquímica Genética da Universidade de Coimbra, ao Observador. “A área da tomada das decisões fica muito afetada porque os jovens não têm capacidade de agir de forma independente“, explica a investigadora. O outro problema diz respeito às interações cerebrais, já que a natureza química dos neuróticos fica desadaptada. “Os jovens começam a agir por impulso”, acrescenta.
A provar essa afirmação está o facto de a maior parte dos jovens continuarem a beber, mesmo após experiências que não lhes agradou: “O cérebro não está desenvolvido e deixa-se afetar muito facilmente pelo álcool que chega até ele”.
Algumas das mudanças geradas pelas bebidas alcoólicas são permanentes, referiu a investigadora. Manuela Grazina dá como exemplo o caso da perda de massa cerebral, algo que está provado por análises animais e por imagiologias e que pode provocar a morte cerebral.
Se tem menos de 18 anos não beba
Em Portugal, a partir do dia 1 do próximo mês, julho, é proibida a disponibilização, venda e consumo de qualquer tipo de bebida alcoólica a todos os menores de 18 anos. Segundo o diploma publicado em Diário da República, que altera a lei do álcool, é eliminada a distinção entre maiores de 18 ou maiores de 16 anos para o consumo de bebidas alcoólicas, sejam elas espirituosas ou não espirituosas.
O que significa que a partir de dia 1, os menores de 18 anos passam a estar proibidos de comprar cerveja e vinho. Na anterior lei, esta faixa etária estava proibida de aceder a bebidas ‘brancas’, mas podia comprar as outras duas bebidas.
Segundo o texto do decreto-lei, escreve a agência Lusa, a evidência científica demonstra a existência de padrões de consumo de alto risco de bebidas alcoólicas, como a embriaguez e o consumo ocasional excessivo (binge drinking), especialmente em adolescentes e jovens adultos.
Da mesma forma, pode ainda ler-se, está demonstrado cientificamente que “a experimentação do álcool é cada vez mais precoce em crianças” e que “a precocidade do início de consumo é responsável por uma maior probabilidade de ocorrência de dependência alcoólica”.
Em termos de consequências para o desenvolvimento das crianças e jovens, a precocidade no consumo de álcool tem “consequências diretas a nível do sistema nervoso central, com défices cognitivos e de memória, limitações a nível da aprendizagem e, bem assim, ao nível do desempenho escolar e profissional”.
A exposição prolongada e continuada ao álcool está também associada a uma probabilidade de desenvolvimento de cancro, acrescenta ainda o diploma.
Questionada sobre se os 18 anos são suficientes para proteger a saúde dos jovens em Portugal quando exposto ao álcool, a cientista Manuela Grazina diz que sim. “Assume-se que, a partir dos 18 anos, o cérebro está maduro e que o metabolismo está apto a processar o cérebro”, afirma. A investigadora deixa claro que é necessário levar os jovens a “compreender a importância da moderação, mas não de uma lógica moralista”. A sensibilização é um caminho necessário, principalmente numa cultura onde o álcool está muito presente.
Estes fatores estiveram na base da proibição de vender bebidas espirituosas a menores de 18 anos e outras bebidas alcoólicas a menores de 16, mas “não ocorreram alterações relevantes no padrão de consumo”, após a entrada em vigor da lei (abril de 2013).
Segundo o diploma agora publicado, verificou-se mesmo a continuação dos “comportamentos de risco e excesso de consumo”, sendo que “foram os jovens de 16 anos, em particular, os que mais mencionaram um aumento da facilidade de acesso a bebidas alcoólicas, com qualquer graduação e álcool”.
O Governo justifica assim a necessidade de “melhores medidas de proteção dos menores no que toca ao acesso a bebidas alcoólicas”, salientando não pretender “sancionar ou penalizar comportamentos”, mas minimizar o consumo por adolescentes de foram progressiva.
A química do álcool no cérebro
O perigo do álcool está no facto de se tratar tanto de um depressor como também um estimulante indireto. A Forbes explica que o álcool afeta a química cerebral, ao alterar os níveis de neurotransmissores (moléculas que fazem a comunicação entre os neurónios). É o mesmo que dizer que o álcool altera o controlo dos processos, dos comportamentos e das emoções, criando excitação ou inibição.
Vamos a exemplos. Um dos neurotransmissores de excitação que o álcool altera é o ácido glutâmico, que determina a atividade cerebral e a energia corporal. Quando se bebe em excesso, a concentração desse neurotransmissor diminui e o corpo desacelera.
Mas o álcool também tem influência na ação do ácido gama-aminobutírico, responsável pela tranquilidade do nosso sistema. A bebida em excesso aumenta a concentração desse químico e tem “um efeito sedativo” indesejável. Ou seja, a fala e os movimentos diminuem de velocidade.
https://www.youtube.com/watch?t=583&v=eM7o2H2lyRc
O site How Stuff Works sublinha que a dopamina também sofre alterações perante a presença de álcool no sangue. Este neurotransmissor é responsável pela sensação prazerosa que recebemos sempre que algo de agradável acontece, incluindo beber álcool. É este composto que oferece a ilusão de que, se continuarmos a beber, iremos continuar a sentir o mesmo prazer: bebemos mais, a dopamina concentra-se cada vez mais, levando-nos a continuar e a alterar o funcionamento natural do cérebro.
É por isso que largar o copo pode ser difícil: como os níveis de dopamina diminuem drasticamente, a sensação de insatisfação é tão grande que procuramos o comportamento que potencie o regresso da euforia. E isso também justifica as reações que diferentes pessoas têm à mesma quantidade de álcool.
Emoções alcoólicas: do abraço ao soco
Se tivermos em conta as alterações químicas enumeradas acima, percebemos o facto de muita gente se sentir mais desinibida depois de consumir álcool. Sob o efeito dessa substância, as pessoas em redor podem parecer até mais atraentes. Esta é a conclusão de um estudo liderado pela American Psychological Association: as emoções são deturpadas pelo efeito do álcool, provocando uma maior abertura das pessoas que acabam por perder a noção dos seus comportamentos.
Com o álcool, muitos tornam-se mais amistosos e menos temerosos. Um risco para os que estão mais vulneráveis e com o discernimento afetado.
Mas se esta é a reação de algumas pessoas, outras tornam-se mais agressivas com a concentração de álcool no sangue. No entanto, esse comportamento é mais comum naqueles cuja tendência já é agressiva, como sugere um estudo da Aggressive Behavior.
Com as alterações cerebrais que o álcool provoca, a capacidade para analisar as intenções alheias enfraquece. Tudo porque as ligações entre o córtex pré-frontal e a junção temporal parietal também se alteram. A capacidade de interpretar a linguagem verbal e não-verbal diminui. Estes efeitos são explicados num estudo publicado no British Journal of Psychology.
Mas todos estes efeitos provocados pelo álcool dependem de diversos fatores, como sublinha o U.S. Department of Health & Human Services. E mesmo a velocidade com que as mudanças fisiológicas e mentais mudam conforme o peso ou idade, por exemplo. Mas existem cinco aspetos fundamentais que levam a mudanças cerebrais importantes:
- Com que frequência bebe e em que quantidades?
- Com que idade começou a consumir álcool e quantos anos passaram desde então?
- Que idade tem, a que género pertence, que herança genética recebeu e se existe um historial de alcoolismo na família?
- Esteve exposto a álcool durante a época pré-natal?
- Como está a sua saúde?