Três séculos antes do nascimento de Cristo, Aristóteles afirmava: “A felicidade é o sentido e o  propósito da vida, o único objetivo e finalidade da existência humana”. De facto, se refletirmos sobre o propósito de tudo o que fazemos aqui que melhor alternativa encontramos do que  procurarmos todos sermos felizes no espaço e tempo em que existimos neste planeta? Tendo  como certo que a felicidade não se consegue atingir se não for também coletiva, a realidade  em que nos encontramos está muito desfasada deste propósito. Temos como propósito o alcançar do “sucesso” na vida sem termos como certo o que representa esse “sucesso” e o que ele nos traz. Vivemos apenas num paradigma de procura incessante de algo e assente na  convicção de que o nosso sucesso é na maioria das vezes à custa do insucesso dos outros.  Vivemos num paradigma de competitividade que na prática tem originado que alcancemos tudo menos a felicidade, seja individual seja coletiva. E assim fomos desenhando, concebendo  e implementando os nossos sistemas educativos. Sermos os melhores, ficarmos à frente em rankings comparativos, procurar aquisição de educação e formação que nos permita dar respostas competitivas e responder às necessidades de um chamado mercado de trabalho que se pretende o mais competitivo possível.

Mas onde estamos hoje? Em notícia recente, o Barómetro Europeu sobre Pobreza e Precaridade informa-nos que o salário de um em cada dois portugueses não chega ao fim do  mês. Um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos informa-nos que apenas jovens  de “muito sucesso” podem comprar casa nas grandes cidades. Quantificando esse “muito  sucesso” como sendo necessário ter rendimentos acima de 60% da população dessas grandes cidades. Noutra vertente, um estudo de 2022, da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, concluiu que 42% dos adolescentes sofrem de depressão. Segundo a OCDE, os jovens  apresentam sintomas de depressão 50% acima da generalidade da população. Por outro lado, segundo um estudo da Fundação José Neves, 30% dos jovens graduados com idades entre os 25 e os 34 anos são considerados sobrequalificados para a profissão que exercem. Em resumo, os nossos jovens estão mentalmente doentes e infelizes e a esmagadora maioria não consegue ter expectativas de chegar a ter uma vida com as condições mínimas de existência (casa e bens de primeira necessidade) apesar de terem qualificações acima do necessário. Se  não considerarmos isto como sinais de falência do nosso sistema educativo fico  extremamente preocupado com o cenário que será necessário alcançar para que se comece  a mudar o paradigma em que funcionamos.

Após a pandemia de COVID19 as escolas perceberam que a saúde mental e o bem-estar dos  seus alunos era uma prioridade em termos da sua intervenção. Por todo o lado começaram a surgir iniciativas de promoção do bem-estar mental que, além dos alunos, abrangiam também os professores e funcionários das escolas. Sendo positivo pela consciencialização do tema, e por procurarem olhar com preocupação para o cenário que estamos a viver, estas iniciativas têm, na sua base, a seguinte premissa: precisamos que os nossos alunos e professores estejam felizes para aprenderem e ensinarem melhor. Esta premissa não é a correta. Se a nossa preocupação for que os alunos estejam felizes para assim conseguirem aprender no mesmo paradigma que nos trouxe até aqui, a consequência será falharmos no tal propósito de vida. A  premissa deve ser mudar a forma e o conteúdo do que aprendemos e ensinamos, no sentido de ajudarmos os nossos alunos e jovens a conseguirem ser felizes. Trata-se de construir de raiz um paradigma de educação que eduque para a felicidade individual e coletiva.

Tenho a consciência de que o que escrevo se apresenta como aparentemente utópico. Estamos demasiado envolvidos na forma de funcionamento e de organização da nossa sociedade e, consequentemente do nosso sistema educativo, para ser imediato vermos que existem alternativas. Construímos uma lógica de funcionamento da sociedade assente em competitividade, onde o propósito da vida é sermos melhores que os outros. Todos os nossos  indicadores de monitorização social assentam neste propósito competitivo. Incluindo a forma como acompanhamos e monitorizamos o desempenho escolar onde tudo está desenhado para culminar nos exames de acesso ao ensino superior, com o paradigma da competitividade a encontrar uma das suas expressões maiores. Há apenas um nível de escolaridade onde tudo  funciona sem a preocupação da existência de exames de acesso ao ensino superior na idade de 18 anos. Esse nível de escolaridade é paradoxalmente o pré-escolar. A partir do primeiro ano de escolaridade tudo se concentra no desafio de realizar os referidos exames que ditarão o futuro de cada aluno em termos da desejada porta de acesso ao ensino superior. Na  esperança de que a partir daí eles se encontrem no caminho da felicidade. O que não é  verdade, como a realidade nos tem vindo a demonstrar.

A única competitividade deveria ser exclusiva de cada indivíduo para consigo mesmo. Com  cada um procurando a cada dia ser cada vez melhor no alcançar da felicidade individual e coletiva. Fica aqui o desafio de repensarmos a organização de tudo isto. Construirmos todo o edifício numa lógica de colaboração. Onde o meu sucesso e felicidade só são alcançados se todos os que me rodeiam também tiverem sucesso e forem felizes. Utopia? Talvez. Mas o  caminho atual está a levar-nos para um abismo coletivo. E não é por acaso que a OCDE lançou um instrumento de reconstrução da estrutura dos sistemas educativos dos vários países de modo que permitam aos alunos adquirir as competências necessárias para procurarem alcançar o “Bem-estar individual e coletivo”. No caso português o primeiro passo concreto deveria ser terminar com um sistema de acesso ao ensino superior baseado quase exclusivamente nos resultados dos exames de término do ensino secundário. Redesenhar um novo sistema de acesso onde as Instituições de Ensino Superior assumam a responsabilidade de escolherem os seus alunos é um passo fundamental. O libertar do grilhão dos exames como  porta única de acesso iria permitir que todas as outras iniciativas nos ensinos básico e secundário pudessem ser restruturadas e ganhassem eficácia no desenvolvimento adequado dos seus alunos.

Está na hora de mudarmos definitivamente a cultura do nosso Sistema Educativo de competitiva para colaborativa. Mas, como em tudo, tal mudança só será possível se cada um e todos em conjunto quisermos efetivamente mudar. Temo que se não o fizermos com tempo iremos ser obrigados a fazê-lo com dor.

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