Não confundir o “z” com o “s”, já diziam as aulas de gramática e prova esta história. Susana Gomes e Raquel Graça juntavam-se todos os dias na mesa da cozinha para coser com linha e agulha, não com panelas e água a ferver. Não coziam para comer, mas também não cosiam para vestir: com um fio, juntavam folhas e capas cortadas à medida, segundo um velho método de encadernação tradicional.

As noites na cozinha tinham um objetivo: “Fazer qualquer coisa ao final do dia sem ser ao computador, que fosse nossa e fosse manual, não condicionada pelo cliente ou o chefe do gabinete de design onde trabalhávamos”, recorda Susana. Foram cadernos — podia ter sido outra coisa –, ficaram com nome de pássaro — só porque soava bem –, mas a verdade é que voaram até se tornarem numa marca, a Beija-flor, com coleções próprias, encomendas personalizadas e até workshops de formação.

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Antes do carimbo dizer “feito à mão em papel reciclado”, entram em cena uma tesoura, fio e agulhas. © Beija-flor

“Foi uma coisa natural, sem achar que iríamos vender muito”, diz Susana, que não descobriu petróleo mas conseguiu pôr de pé um projeto com força suficiente para se despedir do gabinete de design, em agosto do ano passado, e ficar a viver apenas da marca. Tal como foi natural olhar para os azulejos nas paredes — primeiro em Aveiro, depois no Porto, mais tarde em Lisboa — e ver padrões tão bonitos que só podiam ser capas. “Tínhamos feito um trabalho relacionado com azulejaria e era um material tão rico que fazia sentido pegar nele e trabalhá-lo de outra forma.” Isto em 2011, “antes do boom e da moda que há agora”.

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Azulejo atrás de azulejo, a Beija-flor atingiu a maioridade sem sair do ninho: recentemente, a coleção chegou ao padrão número 18, sendo que continua a ser Susana — Raquel entretanto saiu para se dedicar a 100% a outro negócio — a garantir todas as partes do processo.

“Independentemente do aumento das encomendas, é tudo manual”, diz a designer de 28 anos, que no Instagram desvenda um pouco desse processo onde as aparas de papel cortado lhe chegam a tapar os pés. “Dá trabalho mas também gozo. E acho que é mais especial assim.”

Os “azulejos de bolso” são a melhor montra do conceito da marca, assente no “gosto pelo simples, o português e o manual”, mas do catálogo fazem parte outras coleções de capas: uma de ilustração portuguesa, uma de fotografia analógica e uma terceira de tecidos africanos, “onde foram as capulanas e não os azulejos a passar para o papel”. Todas resultam em objetos de coleção, que dá pena estragar com palavras — o maior elogio que se pode fazer a um caderno, por mais contraditório que pareça.

Com o tempo, os próprios cadernos engordaram. Para além de estarem disponíveis em três tamanhos — A7, A6 e A5 — os produtos Beija-Flor existem também agora na opção de capa dura, um processo de encadernação mais demorado e, por isso, mais caro (16€ cada A5, em vez dos 5€ habituais). “Faço por pedido. E ainda estou a aprender”, diz Susana, que alguma coisa há-de saber porque também se senta na cadeira de professora para dirigir os workshops “Cria o teu caderno”, na Oficina CC, no Porto.

“Adoro tudo o que é ‘estacionário’ [material de escritório], e era isso que gostava de fazer no futuro”, diz a designer: “não sair do suporte papel mas aumentar os produtos da marca”. No Natal de 2014 foram feitas as primeiras experiências com etiquetas, um sortido cor de bolas de azevinho, logo a seguir chegou o primeiro calendário de parede Beija-flor. Foi o primeiro Natal exclusivamente dedicado à marca e as folhas ainda vão a meio, com junho pintado de azulejos amarelos e brancos, portanto quem sabe o que reserva a outra metade.

Nome: Beija-flor
Data: 2011
Pontos de venda: A Vida Portuguesa, Pois Selection e vários pontos espalhados pelo país (lista completa aqui)
Preços: 1,50€ (caderno de azulejos A7) a 16€ (caderno A5 de capa dura)

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