A Associação dos Indignados e Enganados do Papel Comercial (AIEPC) exigiu nesta quarta-feira que os clientes lesados sejam reconhecidos como credores privilegiados do Novo Banco, segundo um comunicado emitido pela entidade. “Num país membro da eurozona, o respeito pelas normas gerais de Direito, pela separação de poderes, dando a primazia à expressão dos órgãos democraticamente eleitos, respeitando garantias jurídico-institucionais modeladas e estabelecidas pelo regulador e supervisor, Banco de Portugal, leva milhares de cidadãos a exigir a imediata reposição da nossa posição como credor privilegiados do Novo Banco”, lê-se no documento.

De acordo com a AIEPC, esta reivindicação tem por base uma série de permissas, desde logo, o relatório da comissão parlamentar de inquérito ao caso Banco Espírito Santo (BES)/Grupo Espírito Santo (GES) e o parecer jurídico da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) sobre a matéria.

“Coloca-nos no primeiro lugar da hierarquia de credores do Novo Banco. Apenas o Banco de Portugal agora desconsidera essa posição, ao ter condicionado as suas deliberações anteriores à resolução, e posteriores, de 03 de agosto e comunicado de dia 14 de agosto de 2014, por novas deliberações lesivas de direitos e com vícios materiais, em fevereiro e maio de 2015”, realçou a AIEPC. A entidade acusou mesmo o Banco de Portugal de ser o “único Banco Central na eurozona a deliberar em sentido contrário às suas prévias deliberações e comunicados”.

Outra questão apontada prende-se com a “violação das regras fiduciárias e estatutárias do Banco Central”, já que a AIEPC disse que o “Banco de Portugal determinou, ‘ab initio’ [desde o início] uma provisão jurídico-contabilística para pagamento do papel comercial aos clientes de retalho que adquiriram papel comercial na instituição de direito português BES (até 15 de fevereiro de 2015)”. E acrescentou: “Essa foi a garantia que levou a que comprassemos papel comercial na derradeira fase de comercialização do mesmo”.

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Mas os argumentos não se esgotam aqui, já que a AIEPC assegurou que os clientes apenas compraram papel comercial do GES “porque o Banco de Portugal a isso obrigou o BES ao eliminar o [fundo de investimento] ES Liquidez – produto 100% BES (formato que sempre congregou a liquidez para as sociedades GES até ao ‘ring fencing’ [blindagem]” entre a área financeira e não financeira do grupo.

A entidade que representa os clientes salientou que “o Banco de Portugal forçou essa venda por saber do estado calamitoso das contas das sociedades GES” e que “obrigou o BES a contituir uma conta ‘escrow’ com 700 milhões de euros que apenas podia ser utilizada” para pagar aos clientes do papel comercial, mediante o consentimento tácito ou expresso do Banco de Portugal. “O Banco de Portugal é assim o único responsável legal pelo uso indevido do mesmo na capitalização do Novo Banco e em pagamentos indevidos ao Montepio e Millennium BCP”, destacou.

Segundo a AIEPC, em causa estão questões como a “quebra de contrato, quebra de promessa e abuso de confiança”, quer por parte da entidade liderada por Carlos Costa, quer por parte da administração do Novo Banco, comandada por Eduardo Stock da Cunha.

A entidade acrescentou que o Banco de Portugal “não deve destruir tautologicamente [uma expressão que traduz a repetição inútil de uma mesma ideia em termos diferentes] direitos comerciais, direitos constitucionais e instrumentos garantísticos dos clientes lesados, que também foram triplamente protegidos, previamente, por si (provisão, penhor e conta ‘escrow’), e exigidos por todos os demais reguladores institucionais, porque não é um órgão para-democrático ou para-jurídico”.

A 3 de agosto de 2014, o Banco de Portugal tomou o controlo do BES, após a apresentação de prejuízos semestrais de 3,6 mil milhões de euros, separando a instituição em duas entidades: o chamado ‘banco mau’ (um veículo que mantém o nome BES e que concentra os ativos e passivos tóxicos do BES, assim como os acionistas), e o banco de transição que foi designado Novo Banco.