O homem com quem foi obrigada a casar saiu e Miriam ficou sozinha em casa. Não pensou duas vezes. O insucesso da primeira tentativa de fuga não a demoveu e a miúda de 17 anos correu sem olhar para trás, sem parar, até regressar à sua aldeia. Grávida, depois de ser violada repetidamente, chega a casa onde cresceu e onde já só vive a sua mãe.
Há um ano, Boko Haram massacrou a vila, matou todos os homens da sua família. Miriam esteve em cativeiro num pequeno quarto com mais 40 mulheres raptadas, antes de ser obrigada a casar com um dos guerrilheiros. Enfrentou os homens e recusou-se a ser mulher de alguém. Um dia disseram-lhe: “Isto é o que acontece a qualquer rapariga que se recusa a casar”. À sua frente, cortaram a garganta a quatro homens. Miriam casou-se. Foi violada constantemente e espera um filho desse homem.
Agora, porque está grávida, é rejeitada pelos locais da sua aldeia. Pede que seja uma menina: “Um rapaz será sempre conhecido como o filho do Boko Haram”, conta à BBC.
Miriam não queria apenas escapar e conseguiu roubar o cartão do telemóvel do seu marido. Há vídeos de ataques a aldeias, cadáveres, corpos desmembrados, jovens militares que festejam o massacre: “Se o meu marido alguma vez me encontrar, mata-me”, diz Miriam. Mas não se resigna.
“Isto é o que acontece a qualquer rapariga que se recusa a casar”, disseram-lhe, enquanto decapitaram quatro homens à sua frente.
Uma semana de ataques
Nos últimos dias, o Boko Haram tem massacrado várias aldeias na Nigéria. Mais de 200 pessoas já morreram desde terça-feira. No primeiro ataque, 48 homens foram mortos a tiro depois das orações em duas aldeias próximas de Monguno. Na quarta, 97 vítimas mortais depois de cerca de 50 homens, de mota, invadirem Kukawa, uma aldeia perto do Lago Chade. Na quinta, duas mulheres-bomba atacaram outra aldeia no estado de Borno e na sexta, outros tantos bombistas suicidas mataram várias pessoas em Zabarmari.
A polícia e militares especialistas em explosivos continuam a investigação, procuram novas bombas que ainda não tenham explodido. Chris Olukolade, um dos responsáveis pela operação, disse à CNN que as ofensivas contra o grupo islamita vão “continuar em várias frentes”.
De acordo com a Amnistia Internacional, já morreram pelo menos 17 mil pessoas desde 2009. O grupo ainda tem, sob seu controlo, centenas de mulheres e crianças, incluindo 219 meninas em idade escolar que foram raptadas numa escola em Chibok em abril de 2014.
A entrevista
Miriam teve de fazer várias horas de estrada para chegar ao local combinado com a jornalista da BBC. Tulip Mazumdar, conta que a adolescente chegou ao hotel escoltada por um jovem conhecido da sua família. Miriam quis ficar no quarto de Tulip por não ser adequado passar a noite com o jovem.
Mazumdar explicou-lhe como usar o duche, preparou-lhe as roupas. Quando Miriam saiu do banho, Tulip percebeu o quanto a sua barriga já tinha crescido, apesar de ter um ar de criança. “Estava ciente do quão vulnerável ela estava. Tinha noção, também, que muitas mulheres jovens como a Miriam tinham sido forçadas, depois de meses de tortura e abusos, a juntar-se ao Boko Haram e até a matar às suas ordens. Estava com medo do que Miriam tivesse visto e como poderia comportar-se neste tempo comigo, uma completa estranha”, escreve a jornalista.
No dia seguinte, às 5h, Miriam já estava acordada. Pediu a Tulip que a maquilhasse: pó compacto, batom e sombra de olhos: “Ela pestanejou para mim. Estava a rir e a tocar no meu cabelo [muito liso] para confirmar que era verdadeiro”, conta. “Talvez nos tenhamos ambas esquecido da situação desesperante de Miriam. Por um breve momento, ela era uma adolescente de 17 anos querendo maquilhar-se. Mas foram só uns breves momentos”, desabafa Tulip Mazumdar. O texto acaba com as palavras de Miriam: “Deus vai vingar-me. Não há mais nada que possa dizer”. Esperemos que sim, não há mais nada que possamos dizer.