Os meninos a brincar na areia, de cabelo molhado, acabados de sair da água, ou a subir às arvores, sorridentes e armados em exploradores… “Quando comecei a publicar fotografias deles [no Facebook], a única coisa que fiz foi escolher os meus amigos. E eliminei aquelas pessoas com quem, por uma razão ou outra, já não falava muito”, diz Vanessa Ribeiro, mãe de dois meninos, ao Observador. Desde cedo que Vanessa se habituou a partilhar nas redes sociais imagens do par de rapazes que tem em casa. Houve até uma altura em que publicava conteúdos familiares todos os dias. Hoje, fá-lo uma a duas vezes por semana e o registo é sempre o mesmo — os meninos a brincar.
Emídio Ferreira pensa de maneira ligeiramente diferente. Nascido e criado na Madeira, trocou a ilha pela capital há 11 anos e por cá resolveu educar a filha de cinco. A distância entre a menina e os avós paternos é tão grande que, volta e meia, Emídio não resiste em publicar uma ou outra foto. “Não gosto de o fazer, mas como a minha família está na Madeira e eu e a minha filha em Lisboa, às vezes publico uma fotografia”. Massagista de profissão, diz que a falta de gozo em divulgar as imagens da pequena prende-se, sobretudo, com questões de segurança — “Tenho medo que lhe façam mal e que as fotos sirvam para a identificar”.
Fotografias dos filhos nas redes: é ou não perigoso?
Vanessa Ribeiro diz que a sua única preocupação, quando publica uma imagem, é não colocar a respetiva localização. Porque não lhe agrada que as pessoas saibam onde anda e onde costuma levar as crianças. “Quando publico tenho o cuidado de cortar partes das fotos para serem só eles a aparecer e, se for na rua, tenho o cuidado de não publicar nomes ou placas”, esclarece.
Seja uma fotografia ou um vídeo, qualquer conteúdo tornado acessível a olhos alheios na internet pode ser descontextualizado. Quem o diz é Tito de Morais, o fundador do site Miúdos Seguros na Net. Tito garante que, na maior parte dos casos, os pais não têm noção dos riscos em que colocam os filhos — “Posso remover uma fotografia da minha conta, mas ela já pode ter sido copiada e colocada noutros locais, em contas que não controlo”. E dá o exemplo de redes de pornografia ou de sites de leilões.
“Nós nunca conseguimos eliminar o risco, mas podemos reduzir a sua probabilidade”, defende. “É natural um pai ou uma mãe gostarem de partilhar fotos do filho que nasceu há pouco tempo, mas se eu o fizer de uma forma pública no Facebook, a probabilidade de essa imagem ser usada de maneira incorreta é maior”, esclarece. Por esse motivo, relembra que tais perigos podem ser minimizados com simples medidas, como divulgar o conteúdo em causa para uma lista de amigos ou em grupos secretos.
A Tito de Morais o que mais lhe preocupa é a ideia de que, na maior parte das vezes, as pessoas só comecem a questionar os perigos associados às redes sociais quando algo corre mal. “A segurança e a privacidade vêm sempre em segundo plano. É a velha história, ‘Casa arrombada, trancas à porta’”.
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Já Simão Melo de Sousa, professor auxiliar de informática na Universidade da Beira Interior, explica que existe uma falsa ideia de privacidade, uma vez que, em absoluto, nada é privado nas redes sociais. “A partir do momento em que se publica uma informação, essa pessoa tem de assumir que todos a podem ver”, diz, falando na possível perda de controlo sobre a informação publicada e sobre o analfabetismo tecnológico, o qual pode levar a comportamentos potencialmente perigosos, até porque o “próprio utilizador é a fonte privilegiada de informação”.
Simão Melo de Sousa questiona-se sobre quem conhece, na íntegra, as regras de publicação/privacidade das redes sociais e diz que o utilizador não tem, na maior parte das vezes, ideia do que acontece “por trás” do ato da publicação — quando uma pessoa publica um conteúdo pode estar, também, a publicar informação que à partida não era intencional (como a data, a hora e o local de uma dada imagem). Argumenta ainda que cada rede social tem as suas regras, tais como os muitos softwares que instalamos e que raramente lemos.
“A informação publicada nunca mais se perde. É muito difícil apagar conteúdos na rede internet”, confirma o professor auxiliar. “Os conteúdos são copiados/duplicados, ficam em cache (dos browsers, por exemplo), são indexados pelos motores de pesquisa.” Assim, “tudo o que é publicado é imutável e público, pelo que a probabilidade de essa informação ser usada contra quem a divulgou não é tão remota como, à partida, pode parecer. Esta é a reflexão que todos deveriam ter quando publicam informação nas redes sociais”, acrescenta.
Esta não é apenas uma questão de segurança
A ideia da pegada digital também é importante, acrescenta Tito de Morais: “As pessoas não têm noção que ao publicar fotos de um filho desde que ele é bebé que estão a definir a sua pegada digital. Quando o miúdo tiver 13 anos, ele não vai gostar de ver imagens suas a fazer cocó no pote, e pode mesmo vir a ser gozado pelos colegas. Os jovens adolescentes são muito ciosos da sua aparência”. Tito de Morais coloca, então, em cima da mesa o conceito de cyberbullying.
Já a psicóloga Inês Afonso Marques diz, desde logo, que há duas linhas de pensamento muito importantes: a questão da segurança e dos perigos que existem quando se partilham determinados tipos de conteúdos e o facto dos filhos fotografados não terem direito à privacidade nem poder de decisão. “Chegamos à adolescência e vemos o que os nossos pais partilharam. Podem ser situações ridículas que, na altura, ninguém lhes perguntou se podiam ou não publicar”.
Inês Afonso Marques revela que ao consultório já chegaram casos de quem foi gozado porque o pai, em tempos, publicou fotografias suas menos próprias (pelo menos aos olhos de um adolescente). Mas, para a psicóloga, estas não são situações que possam integrar o leque do cyberbullying: “Não será bullying na verdadeira aceção da palavra por ser um ato isolado. O cyberbullying é quando usamos as novas tecnologias de forma repetida e intencional para ameaçar ou ridicularizar a outra pessoa”. A psicóloga afirma ainda que existe uma fronteira muito ténue entre aquilo que é aceitável e o que é perigoso, e que os pais devem, acima de tudo, pensar se estão a respeitar o direito à privacidade dos seus filhos e se vão ou não criar situações futuramente embaraçosas para eles.
Keeping kids safe on social media #socialmedia http://t.co/qHOmypybPL pic.twitter.com/iSJzn6VO7E
— EDK + Company (@EDKLosAngeles) June 15, 2015
A propósito disso, Vanessa Ribeiro, mãe de dois, comenta que nunca ponderou sobre a eventualidade de os filhos sofrerem, no futuro, de bullying — ao Observador, diz que considera isso uma preocupação de maior, pelo que admite apagar as fotografias do último carnaval, quando mascarou um dos filhos de menina. E quanto aos restantes perigos indicados? “Este não é um tema sobre o qual tenha lido muito. Acho que se alguém lhes quiser fazer alguma coisa, não importa se ponho fotos ou não”.
Ainda por falar em pegada digital, Tito de Morais conta que há pais que criam páginas de Facebook para os filhos. “Por questões jurídicas, o Facebook só permite a adesão de crianças com idade igual ou superior a 13 anos”, esclarece. Mas, hoje em dia, o Facebook é tema de conversa entre família e amigos, motivo pelo qual as crianças com menos de 13 anos sentem-se excluídas, o que faz com que, mais cedo ou mais tarde, os pais sejam confrontados com uma problemática: ou mentem e ajudam os filhos a mentir, ao criar um perfil para eles, ou são rígidos e dizem que não, correndo o risco de os filhos criarem a conta à revelia.
“É uma decisão que cada pai tem de tomar. Ambas as situações são aceitáveis”, diz Tito de Morais, não sem antes deixar ficar o aviso de que, caso o Facebook descubra que um perfil é falso, o mais provável é este ser eliminado. No meio disto tudo, argumenta ainda que não considera que esta seja uma boa rede social para crianças com oito ou nove anos, uma vez que não tem ferramentas de controlo parental. Um exemplo? “Não consigo subordinar a conta do meu filho à minha.”
“Efetivamente, vejo crianças cada vez mais novas com o seu perfil criado. Mais uma vez perguntamos qual é o objetivo. Qual é o partido que a criança vai tirar e será que ela vai ser responsabilizada por gerir a sua própria página? Saberá ela o que é permitido e seguro?”, questiona Inês Afonso Marques.
Mas porque é que os pais publicam fotografias dos filhos?
São muitos os motivos que levam os pais a partilhar conteúdos relacionados com os filhos. Desde a partilha genuína da felicidade, a qual gera feedback do outro lado, ao colocar de dúvidas sobre a parentalidade. E há quem o faça — à semelhança do que acontece com Emídio Ferreira, que tem os avós da filha para lá do oceano Atlântico — para quebrar barreiras e distâncias físicas. E não é esse um dos pontos positivos das redes sociais?
A ideia de usar as redes em questão para tirar dúvidas ou pedir opiniões sobre os desafios de parentalidade pode significar inseguranças da parte dos pais e, nesse sentido, a opinião do outro pode ser valiosa, esclarece a psicóloga Inês Afonso Marques. No entanto, há situações em que existe uma certa vaidade em “mostrar este documentar público do crescimento de um filho; o que está por detrás nunca deixa de ser o orgulho, mas é preciso existir um equilíbrio”. A psicóloga convida, então, os pais a analisar o motivo porque o fazem: se é uma questão de aceitação por parte dos outros, se é um ato egoísta, se têm dúvidas e receios e se estão a preservar a segurança dos filhos.
Guia para utilizar o Facebook com mais segurança
É o professor académico Simão Melo de Sousa quem define as regras:
- Não aceite qualquer amizade e, uma vez aceitando amizades virtuais vastas, estabeleça grupos, tal como acontece com os “círculos” do Google Plus. Isso permite publicar informação tendo em conta determinados grupos;
- Pense antes de publicar. Não se exponha desnecessariamente. Questiona-se “isto pode ser usado ao meu desfavor”? — em caso de dúvida, não publique;
- Nas definições do seu perfil, reflita sobre a informação que coloca. Não é por ter campos por preencher que tem de os preencher todos;
- Não se esqueça que qualquer dado colocado no Facebook pode ser usado pelo Facebook e terças partes associadas;
- Em qualquer informação introduzida, ou publicação, tenha em atenção na opção edit. Esta permite escolher a visibilidade para a informação introduzida.
Nota: O artigo foi atualizado às 13h14 com a definição de cyberbullying.