Ao primeiro vislumbre do enorme gigante, o espanto tomou conta de mim enquanto puxei com força as rédeas para parar subitamente o cavalo. O medo teve de ser vencido enquanto corria para os seus pés, tão insignificante que o grande colosso nem reparava em mim. Um golpe certeiro com a espada no tornozelo e o enorme monstro ajoelhou, fazendo estremecer tudo em redor. Saltei para a sua perna e agarrei-me ao imenso e longo pêlo do “monstro”. Foi agarrado ao pêlo que escalei pelo gigante, desferindo aqui e ali golpes certeiros em pontos fracos até chegar finalmente ao topo da sua cabeça. Desferi então um golpe bem no centro do crânio o que fez o gigante tombar lentamente para a morte.

Mas, quando o gigante caiu, não foi vitória o sentimento que me assolou, mas sim uma enorme tristeza. Que culpa tinha aquele calmo colosso? Porque tive eu de o matar? A partir desse gigante, por cada outro gigante que tinha de abater, a vontade de chorar intensificou-se cada vez mais. Mas as lágrimas, essas, nunca chegaram a cair.

“Shadow of the Colossus”, um dos momentos mais nobres e artísticos da criação de videojogos, foi um dos jogos que mais me aproximou do ato de chorar. A narrativa, a música e o dramatismo da realização nas sequências de morte e queda dos gigantes foram trabalhadas para imprimir um enorme sentimento de culpa e injustiça, uma sensação até de vergonha. Porém, curiosamente, não cheguei a chorar. Aliás, apenas chorei até hoje num jogo.

Não se pense contudo que sou um macho estoico com baixos níveis de melancolia, pois quando estou perante um filme choro com a facilidade de uma criança que acabou de perder o seu brinquedo favorito. O caso mais gritante é o de “Papá para Sempre” (Mrs. Doubtfire, no original) com Robin Williams, o qual já apreciei mais do que uma dezena de vezes e no qual, sempre que chega ao momento do tribunal em que Williams clama o seu amor pelos filhos, os meus canais de rega faciais abrem-se num autêntico dilúvio.

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Porque choro então com tremenda facilidade nos filmes e tão pouco nos videojogos? Aliás, porque choro tanto nos filmes?

A maior parte dos investigadores defende que os filmes são locais seguros para treinarmos situações extremas que tendemos a evitar na vida real. Se existe algo que nos caracteriza a todos é a procura do bem-estar. Se nos perguntarem se preferimos uma massagem ou fugir de um leão vamos certamente escolher a primeira. Deixar uma namorada, mudar de emprego, saltar de avião, e outras mudanças drásticas de vida fazem-nos pensar demasiado e muitas vezes bloquear e promover a inação. Nos filmes assistimos sentados e num ambiente seguro a estas mudanças radicais, tão seguro que nos podemos entregar por completo às mesmas. Por essa mesma razão sentimos o que os personagens sentem: raiva, alegria, medo, entusiasmo ou tristeza. Com eles rimos, encolhemos o corpo na cadeira, sustemos a respiração e, mais que tudo, choramos. Depois as luzes acendem-se e tudo volta ao normal. O nosso simulador de situações extremas regressou à segurança do dia-a-dia calculado, e foram simuladas com sucesso as nossas reações.

O problema nos videojogos, no que toca ao verter das lágrimas, é de difícil resolução. Nos videojogos não estamos apenas a assistir. Estamos a jogar e a tomar as decisões. Nós não nos projetamos na personagem; nós somos a personagem. Muito mais próximos da mudança drástica na qual a decisão é nossa. Um corredor escuro, no cinema, é algo por onde somos levados, mesmo que seja com os ouvidos tapados ou a cobrir parcialmente a cara. Um corredor escuro, nos videojogos, é algo onde estamos parados e onde decidimos quando andar.

Existem no entanto muitos videojogos que nos aproximam do ato de chorar, embora a maior parte o faça com as técnicas de forma cinematográfica, através da escolha de planos, da música e da interpretação dos “actores”. O único jogo no qual chorei até hoje, “Bioshock Infinite”, foi num momento cinematográfico e não um momento de jogo. Isto é, os meus dedos não precisavam de estar no comando nesse instante. Com esta técnica de mimetismo ao cinema muitos jogos aproximam-se da capacidade de nos fazerem chorar: “Spec Ops: The Line”, “Valiant Hearts: The Grat War” e “To the Moon” são alguns dos casos que mais se aproximam.

Depois há aqueles jogos que nos secam a garganta e apertam o peito com o próprio ato de jogar. “Journey e Brothers: A Tale of Two Sons” são talvez os melhores casos. E, claro, “Shadow of the Colossus”. Mas estes não fazem chorar. Fazem-nos emocionar, provocam tristeza, mas não conseguem que a lágrima caia. Este é o grande desafio dos grandes jogos do futuro. Não são os gráficos, não são os frames por segundo, não é a dimensão do mundo aberto ou a quantidade de atividades que um jogo nos proporciona. Quando um videojogo nos fizer chorar compulsivamente da forma que um filme consegue, através apenas do ato de jogar, então nesse dia entrámos verdadeiramente na nova geração de videojogos. E eu cá estarei, à espera, com a caixa de Kleenex na mão.

Miguel Tomar Nogueira, Rubber Chicken