Os historiadores e cientistas políticos brasileiros costumam referir-se a agosto como o mês mais sombrio para os presidentes do país. Foi neste mês que aconteceu o suicídio de Getúlio Vargas em 1954, a renúncia de Jânio Quadros em 1961, a morte de Juscelino Kubitschek em 1976, as manifestações para o impeachment de Fernando Collor que culminaram com a sua renúncia em 1991, e a morte, num acidente aéreo, de Eduardo Campos, candidato à presidência do Brasil em 2014.
Para Dilma Rousseff, este será o quinto mês de agosto como presidente do Brasil e certamente será o mais desafiante no cargo de líder do país. Em entrevista à rubrica “Painel”, do jornal Folha de São Paulo, um ministro não identificado do seu governo declarou que era preciso “combater o mês do cachorro louco”. Exagero?
O Observador enumera alguns dos principais desafios que vão marcar a agenda de Dilma Rousseff.
CPI
O Presidente da Câmara dos Deputados brasileira, Eduardo Cunha, dará início a quatro Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) para investigar suspeitas de irregularidades em contratos públicos. A primeira será sobre o Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social, o BNDES, empresa pública responsável pela realização de investimentos em diversos setores da economia. Serão investigados os empréstimos realizados entre 2003 e 2015, período no qual o Partido dos Trabalhadores esteve à frente do governo.
Estão previstas ainda CPI sobre os investimentos dos fundos de pensão de empresas estatais, como a Petrobras e Correios.
“Pautas-bomba”
São chamadas de “pautas-bombas” as matérias passíveis de votação pelo Congresso brasileiro, que têm potencial de dano aos cofres públicos, sobretudo no contexto das diversas medidas de ajuste fiscal que o governo tem adotado para equilibrar as contas públicas.
Um exemplo de “pauta-bomba” é o aumento de 3% para 6% ao ano no índice de correção dos depósitos no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), fundo criado para dar apoio aos trabalhadores em alguns casos de encerramento de contrato, como em situações de doenças graves e até em momentos de catástrofes naturais.
Outra medida que pode pesar no bolso do governo é o reajuste salarial dos servidores do poder judiciário, que implicaria num gasto de cerca de 390 milhões de euros somente este ano.
Confronto com Eduardo Cunha
Por falar em votações na Câmara de Deputados, Eduardo Cunha anunciou em julho o seu rompimento com o Governo de Dilma. Apesar de pertencer ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), principal aliado do Partido dos Trabalhadores na coligação governamental, Cunha diz que vai recomendar ao seu partido que passe também para a oposição e que cumprirá com neutralidade o seu papel como presidente da casa.
A ofensiva de Eduardo Cunha contra Dilma Rousseff em agosto começa com as votações de todas as prestações de contas de ex-presidentes da República que estavam pendentes desde o governo de Fernando Collor de Mello, em 1990, o que significa analisar com maior profundidade os gastos da equipa de Dilma.
O jornal Estadão cita que Cunha vai admitir, a partir deste mês, os eventuais pedidos de impeachment contra Dilma no Congresso, mesmo que já tenha rejeitado algumas propostas em abril deste ano. “Os [pedidos] que tiverem fundamento terão acolhimento”, afirmou o deputado.
Dilma Rousseff depende ainda de Cunha para acelerar a aprovação das medidas provisórias do ajuste fiscal do governo – como presidente Câmara de Deputados, Cunha decide a ordem e a prioridade das votações.
“Pedaladas fiscais”
O Tribunal de Contas da União (TCU), órgão responsável pela fiscalização financeira e orçamental do Governo brasileiro, vai examinar neste mês as contas de Dilma em 2014, com o objetivo de investigar as “pedaladas fiscais”. Trata-se de uma alegada manobra do governo brasileiro de atrasar o repasse de recursos aos bancos públicos para manter as contas com superávit primário, o que é proibido por lei.
O TCU já havia declarado em abril que “o governo Dilma Rousseff incorreu em crime de responsabilidade fiscal ao usar recursos de bancos públicos para inflar os resultados das contas da União”, mas a investigação vai começar apenas em agosto. O governo já reconheceu que houve atrasos nos repasses nos últimos anos, mas argumentou que se trata de uma “prática antiga”, registada também no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), e defendeu que as “pedaladas fiscais” não são operações de crédito, pois “têm origem em contratos de prestação de serviços, como se houvesse atraso de um aluguel, por exemplo”.
A equipa de Dilma está a preparar um documento com a sua defesa oficial. Caso o TCU aponte irregularidades, não há consequências para as contas públicas. Caberá ao Congresso, no entanto, fazer o julgamento político da atuação do governo, que poderá resultar no fundamento necessário para abrir o processo de impeachment contra a presidente do Brasil.
Operação “Lava Jato”
Em agosto continuam as investigações da “Operação Lava Jato”, investigação realizada pela Polícia Federal do Brasil com o objetivo de identificar um esquema de lavagem de dinheiro suspeito de movimentar mil milhões de euros em contratos “arranjados” por órgãos públicos com determinadas empresas.
O primeiro nome a cair foi o de José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil entre 2003 e 2005 e braço direito de Lula da Silva durante o seu primeiro mandato. Dirceu foi detido esta segunda-feira e já cumpria prisão domiciliária por causa de outro processo de corrupção, o Mensalão. Dilma Rousseff foi a sua sucessora na pasta, antes de candidatar-se às eleições presidenciais de 2008.
Os próximos alvos da “Operação Lava Jato” são a senadora Gleisi Hoffmann, ex-ministra da Casa Civil entre 2011 e 2014, e Edison Lobão, ex-ministro de Minas e Energia, ambos durante o primeiro mandato de Dilma. Outros nomes destacados envolvidos na operação são o presidente do Senado brasileiro, Renan Calheiros, e o próprio Eduardo Cunha. Políticos dos partidos da oposição também estão a ser investigados, no entanto é o governo quem sofre o maior desgaste de imagem.
Eleição no Ministério Público
Dilma Rousseff terá de escolher esta semana um dos candidatos para ocupar o cargo de procurador-geral da República a partir de uma lista de três nomes, conforme explica o jornal Estadão. O favorito ao cargo é Rodrigo Janot, atual ocupante da cadeira. Caso confirmado, deverá passar por uma sessão de perguntas pela Comissão de Constituição e Justiça e pela aprovação em plenário do Senado. O problema é que Janot é o responsável por incluir Renan Calheiros na lista de políticos investigados pela “Operação Lava Jato”, segundo conta a publicação.
Manifestações a favor do impeachment
Está previsto, para a próxima quarta-feira, um “panelaço”, durante um breve pronunciamento de Dilma Rousseff, a ser exibido simultaneamente em quase todos os canais de televisão e rádio do Brasil, com o objetivo de defender o governo e o Partido dos Trabalhadores.
Trata-se de um movimento organizado pelas redes sociais no qual as pessoas literalmente batem panelas e fazem barulho, geralmente na janela das suas casas, como forma de protesto durante o discurso de algum político. O primeiro “panelaço” no governo Dilma aconteceu durante o seu pronunciamento televisivo no Dia das Mulheres deste ano e a sua repercussão obrigou a equipa da presidente a transmitir exclusivamente pelas redes sociais o seu discurso no Dia do Trabalho, conta o diário Brasil Post.
Já a 16 de agosto será realizada uma manifestação nas principais cidades do Brasil contra Dilma Rousseff. Alguns dos principais organizadores dos protestos são os grupos Movimento Brasil Livre (MBL), Revoltados On-Line e grupo Vem Pra Rua, responsáveis pelos protestos contra o governo dos dias 15 de março e 12 de abril deste ano.
Segundo o senador Aécio Neves, líder do PSDB e segundo colocado nas eleições presidencias de 2014, o PSDB vai utilizar o seu espaço televisivo para convocar as pessoas para irem às ruas nas manifestações. Esta é a primeira vez que o partido se manifesta de maneira ostensiva a favor dos protestos, conforme lembra o Estadão.
O contra-ataque
E o que fará Dilma Rousseff para combater o “agosto negro”? A Folha de São Paulo escutou fontes próximas da presidente, que garantiram que ela intensificará viagens pelo Brasil para reforçar marcas populares do seu primeiro mandato, com o programa “Minha Casa Minha Vida”, responsável pelo financiamento de construção de unidades habitacionais para famílias com rendimento bruto mensal de até 423 euros, e o Pronatec, programa de expansão de oferta de cursos técnicos e profissionalizantes.
A presidente também fará o lançamento do programa “Jovem Aprendiz”, que concederá bolsas para estudantes realizarem estágios em empresas, e anunciará a marca de 60 milhões de pacientes atendidos pelo programa “Mais Médicos”, responsável por levar profissionais da saúde a áreas com carências na área, sobretudo no interior do Brasil e nas periferias das grandes cidades.
Outras medidas incluem reuniões com líderes de movimentos sociais próximos ao PT e um fórum do governo com empresários, de modo a estreitar as relações com a iniciativa privada.
Como preparação para este mês, Dilma reuniu os governadores dos 26 estados brasileiros e do Distrito Federal na última semana para solicitar um compromisso político no contexto da retração económica do país e a cooperação na articulação política a favor da agenda positiva do governo.