Deve ser tramado, porque dizem que é bom. O momento em que a bola aparece, bem-disposta, a pôr-se a jeito de um pé que lhe bata, numa palmada que só é carinhosa por ter a intenção de a fazer aninhar numas redes. Dizem mesmo que é do melhor que há. Até “melhor do que um orgasmo”, chegou a dizer Fernando Gomes, homem sábio quando a conversa é sobre marcar golos. A sensação será sempre boa e Teófilo Gutiérrez sentiu-a quando fez o que a bola pedia e lhe encostou o pé direito. Lá foi ela, rápida, para dentro da baliza. Braços no ar, gritos no estádio, festejos, sorriso a rasgar a cara. Tudo assim, de uma vez, mas só durante o segundo que o árbitro demorou a pegar no apito, levá-lo à boca e a soprá-lo. Do êxtase à tristeza, num ápice.
E Teófilo bem tivera tempo para acumular euforia. O colombiano, homem a quem pedem para marcar golos, ia com 23 minutos jogados de Supertaça quando rematou a bola para a baliza e o árbitro lhe anulou o golo. Fora-de-jogo, disse o fiscal de linha. Nada feito. A vida continua e o jogo também. Aos leões convinha regressarem à maneira como tinham arrancado a final: acelerados, com todos a pressionarem como loucos quanto não tinham a bola e a mexerem-se como coelhos irrequietos quando alguém leonino estava com ela. Apertavam os jogadores encarnados, obrigavam-nos a apostar nos centrais para começarem a construir coisas.
Isso durou e resultou até pouco depois do quarto de hora, até o Benfica começar a levantar a cabeça e encontrar a cabeça de Jonas. Ao brasileiro, craque nos pés, faltou uns centímetros de testa aos 17’ para chegar a um cruzamento de Ola John e umas afinadelas na mira aos 23’, quando cabeceou uma bola vinda de um canto de Gaitán ao lado do poste esquerdo da baliza de Rui Patrício. A intensidade podia ser um bem produzido na fábrica dos leões, mas as oportunidades para um golo aparecer vinham da indústria cautelosa dos encarnados — que até ao intervalo sempre foram esperando pelo que o Sporting lhes queria fazer. Só depois de saberem o que era é que decidiam o que fazer depois. Ou seja, contra-atacar.
Porque Jonas andava muito sozinho, sem a companhia de Talisca. A bola não queria nada com Nico Gaitán, quem melhor a trata, e Samaris e Fejsa tinham tanta coisa para fazer a defender que já chegavam tarde à frente quando lhes pediam para atacar. Rui Vitória deve ter reparado nisto e, findo o descanso, pediu a Gaitán para dar uma sombra a Jonas e a Talisca para se fazer de extremo. Não resultou, já que o Sporting arrancou a segunda parte mais frenético do que começara a primeira. E quando o treinador do Benfica já tinha Pizzi a aquecer os músculos para ir remediar coisas, um colombiano já tocava no êxtase sem que o árbitro lhe pregasse uma partida.
Lá estava Téfilo Gutiérrez, na área, parado, à espera de algo, quando André Carrillo, o irrequieto a quem Jorge Jesus está a dar pausa e tempo para pensar no que faz, decidiu rematar à entrada da área. A bola bateu no colombiano, que ali estava parado, e encontrou o atalho que a fez desviar do braço esticado de Júlio César. O golo que Téo queria ter marcado era compensado por outro que marcava sem querer. O 1-0 aparecia com sorte e os leões festejaram, com pulos e correrias vindos do banco de suplentes, empurrados pelo frenesim que, agora sim, podiam deixar explodir. Era a hora para o Benfica despertar.
O acordar foi rude, brusco como um despertador que toca com a música que mais odiamos. Os encarnados tinham que reagir e fizeram-no. Talisca foi embora e Pizzi entrou para a bola circular mais rápido. Aconteceu, só que ela andou muito pelas laterais. Jonas continuava incontactável, com as botas desligadas da bola — os médios leoninos, João Mário e, sobretudo, Adrien Silva, cortavam-lhe a rede — e a solução era obrigar os laterais, Sílvio e Nélson Semedo, a arriscarem no ataque para darem uma ajuda aos extremos.
O Benfica passou a cruzar muito, a encostar o Sporting à área, a obrigá-lo a encolher-se. Os muitos cruzamentos nunca encontraram uma cabeça ou pé encarnados. Nada saía que criasse perigo, portanto, Nico Gaitán tentou inventá-lo sozinho. O argentino teve umas quantas jogadas de eu-contra-o-mundo e quase sempre resultou em algo — fintas, faltas sofridas, metros de relva ganhos. E podia ter dado um penálti, quando foi derrubado aos 60’ na área, por Carrillo, mas o árbitro não apitou. Os encarnados atacavam com um ritmo desenfreado, mas faziam-no sem um volante que controlasse bem a direção a que seguiam. Melhorou um pouco quando Mitroglou se estreou e os pés de Jonas recuaram uns metros para dar ordem à bola. Mas por pouco.
Quando, aos 78′, o avançado brasileiro usou a canhota para colocar a bola no fundo da baliza e o árbitro lhe anulou o golo pela falta de vários corpos a chocarem contra Rui Patrício, o Benfica já tinham abrandado o ímpeto. Os leões, passados quase 20 minutos desde o golo, lá conseguiram acalmar e voltar a dizer olá à bola. Jorge Jesus berrava, gesticulava para refilar com os jogadores e colocá-los nas posições para conseguirem trocar a redonda e fazê-la rodar de um lado ao outro do campo. Abusavam de Carrillo para o peruano colar a bola ao pé e passear com ela, confiavam em Adrien Silva para tapar buracos, pediam Slimani para não parar de chatear os defesas encarnados. Também isso resultou. Quando o árbitro apitou não houve quem pregasse truques a Teófilo com a quem quer que vestisse de verde e branco — a Supertaça era do Sporting.
Os jogadores, todos, inundaram o relvado e aí viu-se de tudo: Jorge Jesus, rindo-se, a dar uma palmada meia no peito, meia no pescoço de Jonas; um sururu a vir daí, com tudo a pegar-se; um Rui Patrício aos berros, a chamar pelos leões para que fossem festejar para a bancada onde estavam os seus; Rui Costa, igual, irritado e aos gritos, a pedir para que os encarnados fizessem o mesmo. O êxtase de uns e a tristeza de outras, quando misturada, pode dar nisto. No final, JJ lá voltou a atiçar a fogueira quando ainda estava no relvado — “Acho que o Benfica teve medo do Sporting”, disse, à RTP — e, minutos depois, os leões erguiam o troféu no qual não tocavam desde 2008. E depois, Teófilo, feliz da vida, foi o primeiro a passear com o caneco pelo relvado.
Só faltava a Federação Portuguesa de Futebol decidir atribuir o golo a André Carrillo e pregar mais outra partida, ou desgosto, ao colombiano. E não é que o fez mesmo?