Esta terça-feira, 10 anos e três meses depois, o Sporting volta a ter o CSKA por adversário, também num jogo a eliminar, onde se decide, não um título europeu, como em 2005, mas o acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões. Pedro Barbosa foi um dos jogadores, um dos capitães do Sporting em 2004/2005, a sua última época de futebolista e de leão ao peito, e recorda, custosamente, aquela tarde feliz de maio, que se fez uma noite triste de maio. “Naquela noite, estavam eles [adeptos] entusiasmados, e estávamos nós. Ainda hoje não consigo explicar o que se passou. Aliás, eu nunca mais revi o jogo. Já lá vão 10 anos, e nunca mais o revi. Foi uma noite muito, muito complicada. A vontade de vencer, ainda por cima uma final europeia, ainda por cima em casa, era tremenda, mas não conseguimos.”
18 de maio de 2015, Estádio José Alvalade. O Sporting chega à final da Taça UEFA, trazido por um cabeceamento bendito de Miguel Garcia em Alkmaar, no derradeiro minuto do prolongamento. 120 minutos de sofrimento, que um canto tenso de Tello, ao primeiro poste, e desviado por um herói improvável, Garcia, se transformaram em 120 minutos de história, frente ao AZ. A derrota contra o Benfica, no fim-de-semana anterior, e que tirou o Sporting da luta pelo título – ainda hoje os adeptos leoninos “reclamam” que Luisão carregou Ricardo em falta –, nem isso vinha à memória dos futebolistas do Sporting quando, ali, em Alvalade, em casa, diante dos seus adeptos, tinham a hipótese de vencer, de novo, uma final europeia pelo clube. O Cantinho do Morais, na final da Taça das Taças, tinha sido na distante temporada de 1963/1964.
E começou tão bem o Sporting, com um golo de Rógerio — que nesse jogo subiu de posição no relvado, de lateral-direito para médio-interior, também à direita — logo aos 28′. E que golo! Rogério cruza a área do CSKA, da esquerda para a dentro, mira a baliza, acredita, e remata, em arco, com a bola a desviar-se dos defesas e de Akinfeev, para júbilo dos sportinguistas.
O pior veio depois. E o pior foi Daniel Carvalho, o brasileiro, camisola “10” e canhoto, que era craque dos russos. O primeiro golo, às três tabelas de Alexei Berezutski, meio com a cabeça, meio com o ombro, nasce de um livre, desde a direita, batido por ele. O segundo golo, com um passe de Carvalho a “rasgar” a defesa leonina, e marcado por Yuri Zhirkov, abalou o Sporting, que antes, instantes antes, tinha acertado nos dois postes da baliza russa, e falhou o 2-0 por capricho do destino.
Um destino que quis que Daniel Carvalho fosse o herói dessa final. Daniel, que anos mais tarde, já no Brasil, admitiu (algo que nunca se chegou a provar na Rússia) que se dopou, nesta final e noutros jogos mais pelo CSKA, arrancou pela esquerda no 3-0. Joseph Enakarhire, nigeriano que até era veloz, não teve pernas para ele, falhou no corte, e permitiu que Carvalho centrasse para o outro brasileiro do CSKA, Vágner Love, que pôs fim ao jogo e ao sonho do Sporting.
A memória dos capitães e das noites mal dormidas
Pedro Barbosa sempre foi um jogador sereno, um líder, com uma técnica de receção, de passe e de drible acima dos demais, nem sempre veloz, é certo, mas um virtuoso. Nessa noite, quebrou. “Eu imagino que para todos os que disputaram essa final, tal como a mim, tenha sido uma noite complicada. Isto foi numa quarta-feira, creio, e no domingo seguinte tínhamos um jogo, em casa, com o Nacional, que tínhamos que vencer. O campeonato já nós o tínhamos perdido, contra o Benfica, na jornada anterior, mas era preciso esquecer tudo isso, mudar o foco, e vencer. Os dias seguintes não foram fáceis. Estava tudo muito fresco na memória. Foi a semana mais difícil da minha carreira.”
Beto, outro dos líderes do balneário, que nesse jogo, como durante épocas a fio, foi o capitão do Sporting, também suportou mal a derrota. “O que correu mal foi principalmente a segunda parte, onde eles conseguiram virar o jogo quando nós o tínhamos controlado. Não fomos bons o suficiente para aguentar o resultado até ao fim. Perder uma final, ainda por cima uma final europeia, no nosso estádio, perante os nosso adeptos, marcou-me, marcou-nos a todos pela negativa. Ficamos algumas noites sem dormir. Não foi fácil digerir aquelas duas derrotas, com o Benfica e o CSKA”, recorda.
Desse plantel do Sporting, do onze inicial, são poucos os que ainda andam pelos relvados. João Moutinho é o único que ainda está no topo da carreira (com idade de júnior, era o caçula em 2005) e é um dos líderes, hoje, de um Mónaco “novo rico”; Rodrigo Tello, o chileno que “sentou” Rui Jorge em 2005, voltou ao seu país para terminar os dias de futebolista e Miguel Garcia faz o mesmo na Índia, a nova “reforma dourada” dos jogadores. Outros, como Barbosa e Beto, foram dirigentes, por algum tempo, ambos no Sporting, e outro dos capitães de então, Ricardo Sá Pinto, depois de ter sido tudo no Sporting, futebolista, dirigente e treinador, é hoje quem comanda a nau do Belenenses.
“O plantel tinha jogadores com muita maturidade, e a realidade é que muitos deles continuaram ligados ao futebol. Eu próprio, hoje sou treinador, nos juvenis do Oeiras, mas comecei por ser dirigente no Sporting. Mas, mais importante do que o que eles hoje são, o importante foi que, na altura, a experiência levou-nos longe, e levou-nos a uma final europeia”, lembra Beto.
No CSKA, Vágner Love e Daniel Carvalho — este último, com muitos, muitos quilos a mais — regressaram ao Brasil. Olic e Zhirkov ainda dão à perna, mas o mais curioso é que os irmãos Berezutski, Aleksey e Vasili, Ignashevich, o capitão, e Akinfeev, na baliza, ainda continuam no CSKA — e ainda continuam a ser titulares. Mas hoje, os craques são outros: Alan Dzagoev, o “10” dos russos, que, com 25 anos, não cumpriu ainda o que prometeu no começo, mas é um desequilibrador, capaz de resolver um jogo; Tosic, o sérvio que andou “perdido” pelo Manchester United de Ferguson, uma canhota dos Balcãs que encanta Moscovo; mas sobretudo Seydou Doumbia, o costa-marfinense, goleador, um portento de força, que depois de uma temporada fraca na Roma, regressou a Moscovo nas últimas semanas com a baliza do Sporting em mira.
“O CSKA tem uma vantagem, hoje, que é a de já ter cinco jornadas disputadas na Rússia, e ter cinco vitórias. E a equipa deles já joga há muitos anos junta. Aliás, há quatro ou cinco jogadores que já jogavam na altura, em 2005, e que continuam a ser titulares hoje. Esse é outro fator a ter em conta. O ritmo competitivo que eles já têm, a confiança pelas vitórias, são o que pode fazer a diferença do lado deles. Mas o Sporting, pelo que fez nas últimas semanas, com a conquista de um título, por ter entrado a vencer na Liga, por jogar em casa primeiro, por ter a confiança do público, se jogar concentrado – e nisso a experiência de alguns jogadores é fundamental –, pode eliminar o CSKA”, explica Pedro Barbosa.
Beto, por outro lado, avisa que o jogo não termina esta quarta-feira, que há a segunda mão na próxima semana, em Moscovo, e que a ida à Rússia é tudo menos fácil: “Vai ser uma eliminatória extremamente dificil para o Sporting. O CSKA tem muitos jogos nas pernas, está num pico de forma melhor, mas acredito que o Sporting, com concentração, a crescer como tem vindo a crescer, pode vencer. O jogo não termina em Alvalade. Eu já joguei na Rússia algumas vezes e eles têm os estádios sempre cheios, com adeptos fervorosos, e é difícil vencer lá. E atenção: há sempre o problema dos relvados, que são sintéticos. É verdade que são relvados que já evoluíram bastante, mas não deixam de ser sintéticos, e há sempre uma diferença. O jogo torna-se mais rápido, a bola salta mais, e aumenta o risco de lesões.”
Do lado do Sporting, nenhum futebolista resistiu de 2005 até hoje no plantel. Nélson Pereira, que foi suplente de Ricardo nessa final, é hoje o treinador de guarda-redes de Jorge Jesus. Rui Patrício, Ricardo Esgaio, João Mário, André Martins ou Carlos Mané, não pertenciam ao grupo, mas já se treinavam, em miúdos, por Alcochete. Mas era Adrien Silva, no entanto, a “estrela” da Academia nessa altura (Fábio Paim, no seu último ano de juvenil, em 2005, já tinha mais fama que futebol) e chegou mesmo, nessa temporada, a receber um convite do Chelsea de José Mourinho para se mudar para Londres. Adrien não aceitou (o Sporting de Dias da Cunha teve que abrir os cordões à bolsa como nunca antes para “segurar” um juvenil), seguiram para o Chelsea outras duas promessas do clube, Fábio Ferreira e Ricardo Fernandes, hoje desaparecidos do radar futebolístico, enquanto Adrien será, esta terça-feira à noite, o capitão do Sporting.