“Sem ele [Jorge Mendes] não teríamos conseguido que o Mónaco ‘arrancasse’ tão depressa. E isso aconteceu porque tínhamos cinco jogadores seus muito importantes: Falcao, James, João Moutinho, Ricardo Carvalho e Fabinho. A ajuda de Mendes foi essencial.” A declaração é de Vadim Vasilyev, o vice-presidente do Mónaco, aqui citado no livro “Jorge Mendes, o Agente Especial – Todos os Segredos do Maior Empresário do Futebol”. Entretanto, chegaram Wallace, Bernardo Silva, Ivan Cavaleiro e Hélder Costa ao clube, todos com o “cunho” da Gestifute.
Jorge Mendes é próximo de Dmitry Rybolovlev, o magnata russo que “comprou” o Mónaco em 2013. Na altura, os monegascos, que até foram finalistas vencidos da Liga dos Campeões, em 2004, perdendo em Gelsenkirchen contra o Futebol Clube do Porto, estavam caídos em desgraça, na II Divisão francesa desde 2011, uma queda da qual só recuperariam, em 2013, com Rybolovlev na presidência, quando o russo “trouxe” o clube de volta à Ligue 1.
A riqueza de Rybolovlev está estimada em perto de 9 mil milhões de dólares, segundo a revista Forbes, uma riqueza que se adensou desde que Rybolovlev investiu na Uralkali, uma empresa que faz exploração de potássio na Rússia. Rybolovlev tinha um sonho, o de fazer do Mónaco um clube vencedor, e foi através de Mendes que adquiriu Radamel Falcao, James Rodríguez, João Moutinho ou Ricardo Carvalho.
Falcao e James não vivem hoje no principado. O Mónaco “despachou-os” (no caso de Falcao, em dois empréstimos: ao Manchester United, na última temporada, e ao Chelsea, em 2015/2016) por muitos, muitos milhões de euros. Rybolovlev, a contas com um divórcio que lhe subtraiu metade da fortuna, não abandonou o sonho, mas resolveu começar a apostar em jovens, talentosos mas mais “em conta” no salário e no custo da transferência. Muitos deles, como Bernardo Silva, Ivan Cavaleiro ou Hélder Costa, todos portugueses, todos ex-Benfica, chegaram ao Mónaco intermediados por Jorge Mendes.
Outra curiosidade na relação de Jorge Mendes com o Mónaco de Dmitry Rybolovlev diz respeito a dois futebolistas, ambos brasileiros, Wallace e Fabinho, que estão no principado por empréstimo de Sporting de Braga e Rio Ave, respetivamente. Um empréstimo que dura, no caso de Fabinho, há três épocas, e no caso de Wallace, há duas.
A situação, tendo em conta a realidade financeira dos clubes portugueses em questão, mas sobretudo os rublos que Rybolovlev tem para investir, seria, em si mesmo, estranha. Mais estranho, ou não, só o facto de os jogadores, um deles, Fabinho, internacional pelo Brasil, e outro, Wallace, internacional olímpico pela canarinha, nunca terem, sequer, feito uma partida oficial por Braga e Rio Ave. Os dois foram adquiridos – Wallace ao Cruzeiro e Fabinho ao Fluminense – pelos milhões de Jorge Mendes, que os pagou do seu próprio bolso, os trouxe para o velho continente via Portugal, mas logo tratou de os valorizar no Mónaco.
Mas falemos de um outro clube e de um outro “cliente” de Jorge Mendes: Peter Lim e o Valência. O magnata de Singapura tem a sua fortuna estimada em 2 mil milhões de dólares. Lim é um investidor: investiu na FJ Benjamin, empresa que detém ações de marcas de vestuário como a GAP, a Guess ou a Givenchy; fez o mesmo na Thomson Medical, empresa que tem clínicas de saúde espalhadas um pouco por toda a Ásia; e detém ações na McLaren, equipa que compete na Fórmula 1, sendo proprietário de 70% do capital da FASTrack Iskandar, um consórcio que investiu quase 755 milhões de euros na construção de um circuito automobilístico, na Malásia, que deverá estar concluído em meados de 2016.
O Valência, que adquiriu em 2014, foi mais um. Mas, por enquanto, não é um investimento lucrativo, mas “despesista” — o melhor que conseguiu foi um 4º lugar na La Liga da temporada transata. A entrada na Liga dos Campeões, pela primeira vez desde se fez proprietário do clube Che, e a ida longe na prova, poderá ser a oportunidade para que o investimento de Lim comece a dar lucro.
Mendes e Lim: amigos, amigos sem os negócios à parte
Para falar de Jorge Mendes e de Peter Lim, é preciso falar de Peter Kenyon, ex-diretor do Manchester United, e, depois, do “novo” Chelsea de Roman Abramovich. Foi ele, Kenyon, quem os apresentou. Mendes conheceu-o quando Cristiano Ronaldo se transferiu de Alcochete para Manchester, em 2003. Depois, quando Kenyon foi para o Chelsea, Mendes “deu-lhe”, em 2005, José Mourinho, Paulo Ferreira ou Ricardo Carvalho, campeões europeus pelo Futebol Clube do Porto, a troco de muitas libras. Hoje, Mendes é um “braço-direito” da Meriton Capital Limited, a empresa de Lim a quem aconselhou, por exemplo, a compra dos passes de André Gomes e Rodrigo Moreno ao Benfica em 2013/2014. Lim pagou 30 milhões de euros por Rodrigo e 15 milhões por André Gomes (mais 25% de uma futura venda).
O Valência, campeão espanhol em 2001/2002 e 2003/2004, finalista vencido da Liga dos Campeões em 2000 e 2001, o Valência que era de Santiago Cañizares, de Roberto Ayala, de Gaizka Mendieta ou de Pablo Aimar, esse Valência “desapareceu”, e, mesmo hoje, com Lim, não “dá luta” ao Real, ao Barça ou ao Atlético de Madrid. Mas, com a ida à Champions, pode reerguer-se, ter de novo o brio de outrora, ganhar euros e ganhar estofo, para, quem sabe, de volta “a casa”, intrometer-se na luta pelo título na La Liga. O Valência não vai à Liga dos Campeões, nem de propósito, desde 2012/2013, tendo perdido, na altura, com outro “novo rico” do futebol europeu: o Paris Saint-Germain.
Amadeo Salvo, que até há bem pouco tempo foi o presidente do conselho executivo do clube Ché – saiu há poucos meses, em rota de colisão com Lim por causa, alegadamente, do poder que considerava “excessivo” de Jorge Mendes e Nuno Espírito Santo no Valência — , negociou, ele próprio, a vinda de Hugo Viana do Newcastle para o Mestalla, via Mendes, num tempo em que Lim não pensava, tão pouco, em comprar o clube.
Disse Salvo sobre Jorge Mendes, no livro biográfico deste: “Quando o Jorge se vira para nós e nos diz que compremos um jogador porque vai ser um craque e vai ser vendido por 40, 50, 60 milhões de euros, isso concretiza-se na maior parte dos casos. E talvez esteja aí o sucesso do Jorge”. O Valência ainda não negociou a venda de nenhum futebolista de Mendes, mas este verão, quando Otamendi (que nem é futebolista da Gestifute) “embirrou” que queria sair de Espanha, Lim deu “carta branca” ao empresário: leva-o para Manchester, vende-o ao City ou ao United, traz os milhões e traz-me um defesa melhor do que ele (falou-se no ex-benfiquista Garay) para o lugar. Otamendi ainda não saiu, retratou-se, os milhões não entraram nos cofres do Valência, mas, quando entrarem, Mendes vai ser o homem do cheque.
Quanto ao jogo desta quarta-feira à noite, nunca será um jogo de “win win” para Jorge Mendes. Dificilmente um jogador “seu” se valorizará na Liga Europa como se valorizaria na Liga dos Campeões. E, para os dois clubes, que são quem lhe compra os futebolistas, as receitas também são diferentes numa e noutra competição. O derrotado no playoff leva para casa 3 milhões de euros, enquanto o vencedor recebe 2 milhões. A isso, acrescem, no caso do vencedor, os 12 milhões de euros pela entrada na fase de grupos – mais os prémios de jogo, quer avance, quer não avance para os oitavos-de-final: 1,5 milhões de euros por vitoria e 500 mil euros por empate.
Quanto está em jogo (para Jorge Mendes) no jogo do playoff?
É importante que se lembre e relembre que o Mónaco e o Valência não são os primeiros dois clubes em que Jorge Mendes é “useiro e vezeiro” nas transferências, em que, quase só pela entrada no plantel de jogadores por si agenciados ou por si intermediados, torna um clube mediano num clube vencedor. O primeiro terá sido o Dynamo de Moscovo.
Em 2004, Alexei Fedorychev comprou 51% do clube moscovita, e Jorge Mendes “montou-lhe” um plantel capaz de rivalizar na liga russa com o Spartak e o CSKA, também de Moscovo, e com o Zenit, de São Petersburgo. Mas não rivalizou. A “desventura” de Fedorychev pelo futebol – talvez impulsionado pelo sucesso do compatriota Roman Abramovich (outro que é “cliente” de Mendes) no Chelsea – foi breve, mas não o foi por ausência de muitos e bons reforços. Jorge Mendes garantiu-lhe duas mãos-cheias deles: Frechaut, Danny, Cícero, Jorge Ribeiro, Thiago Silva, Derlei, Costinha, Seitaridis, Enakarhire e Maniche. Este último custou 16 milhões de euros a Fedorychev, e foi, por anos a fio, a transferência mais cara da história do Dynamo.
Hoje, a “teia” de Jorge Mendes e da Gestifute estende-se por várias geografias, vários campeonatos e vários clubes. Em Portugal, o Futebol Clube do Porto e o Benfica, mas também o Sporting de Braga, o Paços de Ferreira e o Rio Ave, são os cinco onde Mendes mais se movimenta e faz por movimentar os seus futebolistas. Lá fora, hoje em dia, o Deportivo – que já não é o Depor de Lendoiro e foi “por um triz” que não desceu de divisão em 2014/2015 –, o Atlético ou o Real de Madrid, em Espanha, o Manchester United e o Chelsea, em Inglaterra, o Zenit e o Besiktas, em ligas periféricas mas abastadas de rublos e de liras, como a russa e a turca, são os “clientes”, por excelência e todas as temporadas, de Jorge Mendes.
E depois há, claro, o Mónaco e o Valência, que se defrontam, esta quarta-feira, às 19h45, no Mestalla, em Espanha, para, no “tira-teimas” do playoff de acesso à Liga dos Campeões, tirá-las todas e ver qual dos dois clubes “Made in Mendes” é o mais forte. O segundo jogo é uma semana mais tarde, a 25 de agosto, no Stade Louis II.
Os dois clubes valem muitos, muitos milhões de euros. Segundo os dados do Transfermarkt, o plantel do Valência, somado o valor de mercado de todos os futebolistas, vale perto de 270 milhões de euros, enquanto o Mónaco, menos “despesista” que num passado recente, vale cerca de 136 milhões. Os futebolistas agenciados pela Gestifute e aqueles que, não sendo de Jorge Mendes, foram transferências em que o “super agente” foi intermediário, quando subirem ao relvado do Mestalla, valem qualquer coisa como 149,5 milhões de euros — sendo que 48,9 “vêm” de Espanha e 106 milhões de euros de França.
Um Nuno que foi o “Espírito Santo” de Jorge Mendes
O primeiro futebolista que Jorge Mendes agenciou foi Nuno Espírito Santo, hoje treinador do Valência. Na altura, em 1996, Mendes deixou a discoteca da qual era proprietário (e onde conheceu Nuno) em Caminha, no distrito de Viana do Castelo, criou a Gestifute e vendeu o guarda-redes, um suplente do Vitória de Guimarães, aos galegos do Deportivo, presididos, então, pelo carismático Augusto César Lendoiro.
Nuno disputou oito jogos em seis épocas de ligação ao clube da Corunha. Na época de 1999/2000, quando o Deportivo fez história e se sagrou, pela primeira vez desde a sua fundação, campeão de La Liga, Nuno encontrava-se emprestado, no Mérida, clube onde só realizaria um jogo. Nuno Espírito Santo haveria de regressar a Portugal, e haveria de se sagrar vencedor da Taça UEFA e da Liga dos Campeões pelo Futebol Clube do Porto. Com ele, no Porto de Mourinho, jogava Costinha, ex-internacional português.
Em 1997/1998, Costinha “saltou” do Nacional da Madeira para o Mónaco. O médio-defensivo, um desconhecido por cá, trocou a II Divisão portuguesa pelo principado, passou a ter “Francisco da Costa”, ou só “Da Costa”, na camisola encarnada e branca dos monegascos, e foi partilhar o balneário, por exemplo, com Fabian Barthez, Thierry Henry ou David Trezeguet – os três sagrar-se-iam campeões do Mundo pela França no final da temporada.
No começo, Costinha, agenciado por Jorge Mendes, esteve com “pé e meio” no Valência, mas a transferência abortou, e o Mónaco foi a alternativa que o agente “sacou” da manga. Nesta altura, Jorge Mendes era tudo menos o empresário que é hoje, menos mediático, menos influente, o mercado, em Portugal, era “domínio” de José Veiga, Paulo Barbosa ou do brasileiro Jorge Baidek, mas a sua ascensão, nacional e internacional, começou aqui, com Nuno Espírito Santo e Costinha.
Costinha, hoje treinador, é novamente, como nos idos de futebolista, agenciado pela Gestifute. No livro “Jorge Mendes, o Agente Especial – Todos os Segredos do Maior Empresário do Futebol”, de Miguel Cuesta e Jonathan Sánchez, e editado no começo de 2015, refere-se assim à influência de Mendes no futebol: “O Jorge pode colocar o jogador num clube e, se não resulta, tira-o de lá sem que ninguém fique prejudicado. Nem o jogador, nem o clube. É por isso que tem tanta facilidade em negociar. Não pega num camião e descarrega lá jogadores dele. Se os leva, é porque lhe pedem.”