António Costa quer mais “margem de manobra” nas contas do Estado para poder investir e pôr a economia a crescer. Em entrevista à RTP esta quinta-feira à noite, o líder do PS deixou claro qual é o modelo económico que quer para o país. E não passa pela tentativa de renegociar a dívida – “achar isso foi um dos principais erros da Grécia”. Passa sim, disse, por “reforçar os recursos que temos à nossa disposição”. Isto é, por reforçar o capital. Só assim Portugal conseguirá “dar o salto em frente” e voltar ao investimento e ao crescimento económico.

O secretário-geral socialista explicou que essa foi a estratégia económica que ficou patente no documento ‘Um novo impulso para a convergência em Portugal e Espanha’, acordado entre os socialistas ibéricos, e que será essa a estratégia com que se apresentará ao resto da Europa.

“Temos de ter mais margem de manobra, e para isso há três opções: ou pode ser pela diminuição dos custos com a dívida [renegociação], ou pela redução do capital em dívida, ou pelo aumento dos recursos que são postos à nossa disposição”, disse, escolhendo logo a terceira opção, por ser a única que levará aos “investimentos necessários para darmos o salto em frente”. A renegociação da dívida não é, por isso, a chave para o problema, defendeu. Costa quer efeitos mais rápidos. “Recuso-me a esperar 20 anos”, disse, referindo-se a uma previsão do FMI sobre a recuperação de emprego para níveis equivalentes aos de 2007.

Procurando demarcar-se do caminho seguido pela Grécia, Costa enumerou aqueles que acredita terem sido os “erros” de Atenas na negociação com a Europa. “Primeiro, achou que o problema se resolvia com uma confrontação unilateral com a Europa. E não, a solução passa por uma negociação no quadro europeu e na construção de alianças junto daqueles que também querem essa mudança”, começou por dizer. Depois, a colocação da sílaba tónica no debate sobre a dívida, em vez de, como defendeu, terem procurado um “novo equilíbrio” entre os recursos afetos à dívida.

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Pelo camnho, a entrevista ficou igualmente marcada pela reação de Costa às perguntas que o entrevistador ia fazendo. Irritou-se várias vezes, chegando a acusar Vítor Gonçalves de servir” de porta voz do dr. Passos Coelho”. E acabou a oferecer-lhe uma versão resumida do programa do PS “para não repetir as perguntas “ilegítimas” que, diz, a coligação tem feito – ilegítimas por não ter contas feitas ao programa. As perguntas que mais incomodaram o líder socialista tinham a ver com a situação na Grécia, sobre como romper a lógica na austeridade em Portugal, sobre o posicionamento dos partidos socialistas europeus e sobre, claro, a comparação com o PS de José Sócrates.

PS de Sócrates igual ao PS de Costa?

Questionado sobre quais eram as diferenças entre o PS de 2015 e o PS de 2011, Costa escolheu as obras públicas – as “obras faraónicas” de Sócrates, do TGV ao aeroporto -, mas apontou a culpa à Europa. “Em 2011, a estratégia definida pela UE perante a crise de 2008 foi reforçar o investimento público, e isso viu-se nas obras públicas. Hoje não é isso que temos no nosso programa, pelo contrário”, disse, lembrando a promessa de aliar as obras futuras ao próximo ciclo de programação dos fundos comunitários e de submeter as propostas à aprovação na AR por maioria de dois terços, ou seja, com amplo consenso.

As principais diferenças, no entanto, são em relação ao programa da coligação e não ao anterior programa do PS, disse. Devolver os rendimentos às famílias “criando condições para investir”, apostar no conhecimento, cultura, formação e inovação para aumentar a competitividade, foram alguns dos pontos que sublinhou. Para além do Estado social – com o reforço do SNS, da escola pública e da segurança social – ou da Europa.

Afirmando que o atual primeiro-ministro está “prisioneiro do passado” por não ter um programa sem a troika, Costa recusou a ideia de que faz parte do “lote das pessoas que acha que estar na oposição é dizer mal de tudo”, e lembrou mesmo que até ficou célebre pelo seu discurso aos chineses.  A questão, diz, é que os números (do desemprego, do défice, da dívida) têm de ser interpretados. “Não posso é deixar-me iludir pelos números”, disse.

“Estamos melhor que há um ano? Sim, estamos. Mas estamos melhor que há quatro? Não. Vamos ficar com um PIB, no final do ano, que será idêntico ao de 2001/2002. Andámos 13 anos para trás”, disse.

Sublinhando várias vezes que o PS “foi o único partido que fez contas” e que Costa “não chegou à política ontem”, o líder socialista garantiu que não está na corrida eleitoral disponível para “perder a credibilidade” que tem vindo a acumular ao longo da sua vida política, nem para ganhar “mais meia dúzia de votos” a todo o custo. Por isso, disse, o programa do PS tem contas feitas e é pensado com base num quadro “prudente” e “conservador”. E também por isso Costa garante que não irá prometer nada que não possa vir a cumprir – como acusa Passos Coelho de ter feito em 2011.

O secretário-geral socialista falou ainda sobre o estado da justiça, o problema da corrupção – “uma chaga” para o país -, e sobre a crise dos refugiados que assola a Europa. Classificando o comportamento da Europa como “inaceitável”, Costa defendeu que o “essencial” é concentrar o trabalho na origem, isto é, nos países em guerra como a Síria, o Líbano e o Afeganistão. Apesar de admitir ser um “pacifista”, não recusou a hipótese de uma intervenção militar, como França e o Reino Unido já defenderam.

“Não tenho a ilusão de que por vezes a intervenção militar tenha de ser necessária para proteger e garantir os direitos e liberdades dos cidadãos”, disse.