É um dos cenários mais loucos que se podem seguir às legislativas: o PS perde para a coligação, mas esta fica longe da maioria absoluta – e a esquerda tem mais deputados na Assembleia; PCP e Bloco chumbam o Governo logo no início, censurando o programa da direita; e Cavaco ficaria na mão de um governo proposto pelos socialistas, que o PCP e Bloco deixariam passar. Possível?

O Expresso diz este sábado que sim – e que o líder do PS acredita que pode acontecer. “António Costa pensa que é o seu partido que tem mais capacidade de diálogo e de gerar consensos, à esquerda e à direita”. Ontem, no programa Bloco Central, da TSF, Pedro Adão e Silva – comentador e ex-dirigente do PS – apresentou precisamente este cenário como provável: “Vai ser o tema da última semana de campanha”, explicou.

Mas nem todos juntos do líder socialista acreditam que tal seja possível: “Só é admissível chumbar um governo se houver uma proposta alternativa. Não vejo como fazer um entendimento com o PCP, que quer a saída do euro, e com o BE que quer a nacionalização dos setores estratégicos… Mas, enfim, o Jesus foi para o Sporting”, diz um dos membros do círculo político de Costa ao Observador – benfiquista, para que se perceba a ironia.

A verdade é que, no sábado à noite, o líder comunista Jerónimo de Sousa abriu uma linha de discurso que permite antever este cenário. “A coligação de direita”, disse, “vai perder e vai perder por muitos. Há 4 anos tiveram mais de 50% dos votos e agora já nem consegue maioria absoluta. A maioria dos portugueses estará contra este Governo. Há sempre quem afirme que o PS vai precisar de nós. Mas nós não abdicaremos de uma solução alternativa, de uma solução patriótica e de esquerda”, afirmou Jerónimo de Sousa.

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Antevendo esta possibilidade, Paulo Portas alertou – em Santa  Maria da Feira, na noite de sábado – contra uma “maioria negativa”, ou seja, um governo do PS com o apoio da esquerda (mas não uma coligação), que toma o comando mesmo que a direita vença as eleições (sem maioria):

“Há dois tipos de maioria: a positiva, que dá garantias de que Portugal terá um governo estável, e isso quer dizer mais confiança, mais investimento e mais criação de emprego. E o risco de termos maioria negativa, porque o PS o PCP e o BE nunca serão capazes de formar um governo estável porque são contraditórios entre si desde logo sobre o euro e a pertença de Portugal à União Europeia”.

O que diz a Constituição?

Chegados aqui, convém explicar: seguindo a tendência das sondagens que têm sido publicadas, o cenário mais provável do pós-legislativas é, nesta altura, o da vitória da coligação sem maioria. E é verdade que a esquerda ficará, toda junta, com mais deputados na AR. O elemento central deve ser, mesmo assim, o PCP de Jerónimo de Sousa – que pode eleger à volta de 20 deputados, sendo suficiente com o PS para derrubar o governo de direita. A questão central é saber se os comunistas aceitam o ónus político de inviabilizar uma coligação que recebeu mais votos, dando apoio ao segundo partido mais votado (o PS).

A Constituição da República é clara quanto a este ponto: a rejeição do programa de Governo (que tem de ser proposta formalmente por um dos partidos à esquerda) “exige maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções” (ou seja, 116 deputados); e “implica a demissão do Governo” – como diz o artigo 192 da CRP.

Passos agita fantasma do 1º Orçamento para pedir maioria

Mas mesmo que a esquerda deixe passar um governo minoritário de PSD e CDS, logo depois virá um novo obstáculo: aprovar um Orçamento do Estado para 2016, sem se perceber quem à esquerda o poderá viabilizar. Passos Coelho falou deste outro problema, também na noite de sábado: lembrou que António Costa já disse que não viabilizará um orçamento da direita e anteviu uma crise política prolongada (tudo, claro, para apelar a uma maioria da direita):

Ou há maioria no Parlamento para governar ou não haverá Governo. Não haverá Governo porque não haverá Orçamento. E sem Orçamento, haverá novamente eleições.

No seu discurso da última noite, António Costa reforçou a linha de que só o PS terá capacidade de diálogo suficiente para garantir a estabilidade. Mas noutra passagem do discurso, o apelo ao voto que fez não alinhou nesta tese de que poderá governar se não vencer as eleições. Ora veja-se: “Todos já perceberam que não há muitas variantes para um novo governo com nova política. Só há uma solução para a direita perder, é preciso o PS ganhar e para o PS ganhar é preciso ter uma maioria clara”. E disse-o de outra forma ainda: “Para mudar é música é preciso virar o disco e para virar o disco é preciso que o PS ganhe”.

Será assim preciso esperar até 4 de outubro, provavelmente até depois disso, para percebermos até onde podem ir os cenários eleitorais.