Ver a bola em casa ou no estádio? A discussão já tem barbas e há coisas boas que cada uma das hipóteses pode disparar. Na opção do lar está o conforto, o sofá virado para a televisão, o comando na mão e a tecnologia que ele ordena e deixa até rebobinar a ação caso perca algo. No estádio há o cheiro a relva, os cânticos, as emoções a dar pele de galinha. Numa palavra, o ambiente. Muito de vez em quando há os casos em que não interessa patavina onde se escolhe ver um jogo de futebol. E esta questão serve de analogia para o União da Madeira-Benfica, que é uma dessas raridades em que se calhar até mais valia ficar em casa.

A culpa é do nevoeiro. Tanto faz se é pelas câmaras de televisão ou através dos olhos que vêem desde a bancada, não se vê nada à frente no Estádio da Choupana, que está lá no alto (630 metros de altitude) no Funchal, ilha da Madeira. O União pede a casa emprestada ao Nacional para receber mais gente e mais dinheiro de bilheteira, mas o clima prega uma partida. Desde a hora de almoço que o nevoeiro cobre o recinto e até às 16h parece piorar. À hora de a bola começar a rolar não há um jogador no relvado. Estão todos nos bancos de suplentes, à espera, com cara de seca. Cosme Machado, o árbitro, tem os treinadores perto e fica à entrada do túnel de acesso ao relvado, com cara de caso, sempre a olhar para o relvado.

Luis Norton de Matos (D), treinador da União da Madeira, antes do jogo da Primeira Liga de Futebol com o Benfica, Funchal, 4 de outubro de 2015. O jogo entre União da Madeira e Benfica foi hoje adiado devido ao nevoeiro. GREGORIO CUNHA/LUSA

Luís Norton de Matos e a cara de chateado que o nevoeiro lhe deu. Foto: GREGORIO CUNHA/LUSA

Mas o tempo passa e não facilita. O vento, que sopra forte e se farta de atirar rajadas, podia ajudar a levantar o nevoeiro, mas não. Desde uma baliza não se vê a outra e de uma linha lateral não se avista a contrária. Quando falta cerca de meia hora para as 17h, o speaker do estádio já vai avisando: “Quem tem bilhete convém conservá-lo, pois eventualmente o jogo será adiado.” Umas quantas pessoas assobiam, um sibilo para o desagrado. Luís Norton de Matos, o treinador dos madeirenses, anda a passear pelo relvado e, quando um jornalista o caça, queixa-se do nevoeiro e diz que não vale a pena arriscar começar o jogo para, a cada cinco minutos, ter que o parar. É a voz da sensatez.

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A tal que não houve, muitos se queixaram, quando a Liga de Clubes, a Comissão Nacional de Eleições e toda a gente que manda no futebol decidiu agendar as jogatanas de Benfica, Sporting e FC Porto para o dia das eleições legislativas. Podia ser um chamariz para a abstenção, uma desculpa fácil para se trocar as urnas pelo estádio. A natureza terá ficado de olho nisto, pois o nevoeiro não larga o Estádio da Choupana e o árbitro não tem hipótese — ainda nem 17h eram e já Cosme Machado dizia que nada feito. O União da Madeira-Benfica não era para se jogar este domingo, 4 de outubro.

E pronto, isto obrigou-nos a dar o dedo à pesquisa. Vai-se espreitar ao site da Liga de Clubes e para-se no artigo 46.º do regulamento das competições. Lá está escrito que “quando, por causa fortuita ou de força maior, não se verifiquem as condições para que um jogo se inicie ou se conclua, este realizar-se-á ou completar-se-á no mesmo estádio, dentro das 30 horas seguintes”. Ou seja, a lei manda que o jogo se realize algures até às 20h de segunda-feira. Mas há exceções e uma delas acontece quando uma das equipas tem jogadores convocados para seleções nacionais. O Benfica tem vários (Nélson Semedo e Eliseu estão vão jogar por Portugal a 8 e 11 de outubro) e, como tal, “o jogo deve ser realizado ou completado em data a estabelecer por acordo entre os clubes dentro do prazo das quatro ou duas semanas seguintes, consoante a duração da convocatória dos jogadores para as selecções nacionais”.

Esta é a teoria e a prática está na reunião que os delegados da liga começam a ter, logo após a decisão do árbitro, com responsáveis do Benfica e do União da Madeira. Enquanto o fazem os adeptos batem em retirada, apressam-se a sair do estádio. O nevoeiro não, esse fica lá, teimoso, a complicar a vida à bola mas a dar uma ajuda às urnas. A neblina cerrada não fala, porém, se todos na Choupana se calassem e afinassem os ouvidos, talvez ouvissem um sussurro a dizer-lhes: “Vá, vão lá votar”.