A Assembleia da República vai discutir até ao final do mês os novos cortes nos salários dos funcionários públicos e a redução da sobretaxa de IRS. As iniciativas do PS partem dos acordos entre PCP e BE e terá o ok dos dois partidos. Os dois partidos à esquerda desvalorizam o simbolismo de continuarem a ser medidas de austeridade, dizendo que o que se trata é de “acabar com a austeridade” ainda durante o próximo ano.

Os socialistas agendaram as discussões dos textos pela pressa de serem aprovadas estas medidas até ao final do ano. Até porque, com a entrada do ano com um orçamento em duodécimos, o PS já tinha dito que queria aprovar medidas temporárias fora da discussão do Orçamento do Estado, para que não derrapasse a despesa pública com a devolução integral dos cortes logo no início do ano, tal como o Observador tinha avançado e como António Costa confirmou na entrevista à SIC

BE e PCP concordam com este modelo e com a aprovação até ao final do ano. Isto porque estas duas matérias – reposição dos cortes nos salários dos funcionários públicos e redução da sobretaxa de IRS – foram assuntos a que chegaram a acordo nos documentos programáticos. Segundo o acordo, a reposição dos salários será integral no final do próximo ano, com uma reposição a cada trimestre. Ou seja, em outubro do próximo do ano os funcionários públicos já vão receber o salário por completo. Já a sobretaxa será devolvida em dois anos, como proposto pelo PS e que consta dos acordos com os partidos à esquerda.

“Não há discordância”, disse ao Observador o líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares. Quando questionado sobre o simbolismo do facto de das primeiras iniciativa que vão ser aprovadas pela esquerda traduzirem uma substituição de medidas de austeridade, mas não acabar com elas de uma só vez, o bloquista desvalorizou e disse aliás que esta questão é mesmo para acabar com a austeridade: “Tem um simbolismo forte porque é acabar com medidas de austeridade”.

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A mesma posição tem o PCP. O líder parlamentar dos comunistas, João Oliveira, diz ao Observador que o “essencial é o que de facto pode sair da discussão na perspetiva de recuperação de direitos das pessoas”. Tanto o PCP como o BE referem que o maior simbolismo político deste início de legislatura são as medidas que devem ser discutidas para a semana que passam pela questão do fim do agravamento das taxas moderadoras para as mulheres que recorram à Interrupção Voluntária da Gravidez ou ainda o fim das provas dos professores.

Governo pode vir a insistir nos cortes, esquerda acusa Passos de “confrontação” com a AR

O agendamento da discussão destas propostas deu discussão acesa na Conferência de Líderes desta quarta-feira de manhã. Isto porque o Governo PSD/CDS, agora demitido, tinha apresentado iniciativas neste sentido. Ora PS, PCP e BE entenderam que estas propostas caducaram com a queda do Governo. Para resolver esse bloqueio jurídico, PSD e CDS, enquanto grupos parlamentares, decidiram avançar eles próprios com essas medidas relacionadas com a sobretaxa em sede de IRS e os cortes salariais na função pública. Mas isso não impede o Governo de fazer a mesma coisa, podendo vir a “revalidar” amanhã em Conselho de Ministros as mesmas iniciativas, de modo a que sejam de novo enviadas para o Parlamento.

“O Governo de gestão pode sempre renová-las amanhã em Conselho de Ministros e enviá-las [às medidas sobre os cortes salariais e sobretaxa] para o Parlamento”, admitiu Luís Montenegro, líder parlamentar do PSD.

Falando aos jornalistas depois da conferência de líderes, Luís Montenegro e Nuno Magalhães confirmaram que PSD e CDS vão dar entrada com projetos de lei sobre o mesmo pacote de medidas orçamentais, de modo a serem discutidas em plenário no próximo dia 26. Mas não sem antes defenderem que o Governo, estando em gestão, não “desertou”, continua em funções até “ser exonerado e outro Governo tomar posse”, pelo que, na ótica da maioria, tem competências para aprovar e submeter aos deputados propostas desse cariz.

À esquerda, contudo, não se viu com bons olhos a “insistência” do governo demissionário em sujeitar à aprovação do Parlamento o mesmo pacote de medidas. O líder parlamentar do PCP, João Oliveira, chamou-lhe de “estratégia de confrontação com a Assembleia da República” e lembrou que, se o Governo voltar a aprovar essas medidas, o Parlamento tem de “voltar a avaliar a admissibilidade das propostas” e decidir se agenda ou não as iniciativas. Em todo o caso, a esquerda pode sempre barrar as propostas de lei vindas deste Governo demissionário.

Já o PSD e o CDS acusaram o PS de “intransigência”, “incoerência” e de ter “pressa”, alegando que há duas semanas, quando o Governo aprovou as mesmas propostas, também estava em gestão, tal como agora. Ou seja, se há duas semanas o Parlamento aceitou agendar o pacote legislativo vindo do Governo, não há razão para não aceitar o agendamento agora que, com o programa de Governo chumbado mas sem novo Governo empossado, continua em gestão.

Para o PS, no entanto, o texto da Constituição é “claro”: Se era um Governo de gestão, agora continua a ser e, uma vez demitido, desde ontem que quaisquer iniciativas vindas do Governo deixaram de ter legitimidade”, disse o deputado socialista Pedro Delgado Alves.