O acordo político assinado pelo PS com o PCP, BE e PEV compreende a negociação não só do Orçamento do Estado, mas também dos chamados instrumentos orçamentais secundários: Orçamentos Retificativos (onde serão aprovadas as medidas extraordinárias que vierem a ser necessárias), as Grandes Opções do Plano (apresentadas ao mesmo tempo que os Orçamentos do Estado) e o Plano de Estabilidade (novo nome dos antigos Programas de Estabilidade e Crescimento, que tem ser apresentado em Bruxelas até final de abril). Pelo menos, é este o entendimento do BE.

Os documentos que o PS assinou separadamente com PCP, BE e PEV podem ser diferentes em vários pontos, mas não no 4º, que diz respeito aos termos políticos do acordo. Sem entendimento suficiente para chegar a um único papel assinado por todos, a ideia era que pelo menos a parte política fosse igual, cópia integral, para dar mais força aos termos. O conteúdo desse artigo foi visto e revisto por todos, negociado ao pormenor, mas mesmo assim, parece estar a levar a entendimentos diferentes.

No artigo 4º das posições conjuntas do PCP, BE e PEV com o PS lê-se que os dois partidos se comprometem a:

  • “Encetar o exame comum quanto à expressão que as matérias convergentes identificadas devem ter nos Orçamentos do Estado, na generalidade e na especialidade, no sentido de não desperdiçar a oportunidade de esses instrumentos corresponderem à indispensável devolução de salários, pensões e direitos; à inadiável inversão da degradação das condições de vida do povo português bem como das funções sociais com a garantia de provisões pelo Estado de serviços públicos universais e de qualidade; e à inversão do caminho de declínio, injustiças, exploração e empobrecimento presente e acentuado nos últimos anos”.
  • “Examinar as medidas e soluções que podem, fora do âmbito do Orçamento do Estado, ter concretização mais imediata”.

“Nas equipas negociais ficou claro que o tipo de compromisso que estava a ser firmado quanto ao OE aplicava-se por maioria de razão a todos os instrumentos orçamentais secundários como os Orçamentos Retificativos, Grandes Opções do Plano e o Plano de Estabilidade”, garantiu ao Observador fonte da equipa negocial do BE, desde que estejam neles assegurados os princípios enunciados de devolução de salários, inversão da degradação de condições de vida, e reposição de rendimentos. 

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Questionado pelo Observador, o PCP, no entanto, escusou-se a esclarecer se o ponto 4 do documento abarcava todos esses instrumentos, incluindo o Plano de Estabilidade que tem de ser enviado para Bruxelas. Numa resposta enviada por e-mail, o PCP limita-se a remeter para o que ficou escrito e assinado no papel. “Os termos do ponto 4 da ‘Posição conjunta do PS e do PCP sobre solução política’ são suficientes e claros quanto ao seu explícito conteúdo para não serem sujeitos a exercícios de interpretação“, dizem. 

O texto inicial que estava a ser negociado entre PS e BE era mais concreto neste ponto, mas a mesma formulação não foi aceite pelos comunistas, soube o Observador. A coordenadora bloquista, aliás, defendeu mais do que uma vez que o entendimento com o PS incluía uma espécie de cláusulas-travão caso fosse necessário aplicar medidas extra para corrigir o défice. Segundo Catarina Martins, essas medidas extra não podem vir a traduzir-se em cortes de rendimentos e pensões ou em aumento de impostos sobre rendimentos e pensões, nem em qualquer “aumento de impostos sobre bens e serviços essenciais”. A “diminuição da progressividade fiscal” também fica fora de questão. Mas quando foram conhecidos os documentos, nenhuma destas normas-travão aparecia escrita de forma clara em nenhuma das páginas do acordo. 

Em entrevista ao Observador, publicada este fim de semana, também o socialista Pedro Nuno Santos, que integrou a delegação do PS no processo negocial com a esquerda, confirmou que face a uma eventual alteração de circunstâncias com implicações orçamentais, todas as medidas extra que venham a ser tomadas deverão ter em conta uma “dupla restrição”: as metas orçamentais compatíveis com o projeto europeu, por um lado; e a defesa do Estado social e dos salários e pensões, por outro.

E garantiu: “Não cortaremos salários, não queremos cortar pensões e por isso teremos de encontrar soluções orçamentais que cumpram esta dupla restrição. Não podemos voltar a atacar pensões, salários, atacar a tributação sobre os rendimentos de trabalho, nomeadamente o IRS, que já atingiu patamares elevadíssimos”, disse, indo ao encontro das cláusulas-travão apontadas por Catarina Martins.

Na sexta-feira à noite, o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, recusava-se, por seu lado, a admitir sequer que poderia aprovar o Orçamento para 2016 apresentado por um Governo de António Costa. “Estamos dispostos a avaliar sem reservas mentais os conteúdos do próximo Orçamento. Mas ninguém perceberia que disséssemos [neste momento] que íamos votar contra ou a favor”, disse em entrevista ao Telejornal da RTP.

Para o aprovar, o Orçamento terá de examinar “a inclusão de medidas urgentes que deixam tantos portugueses – trabalhadores, reformados, pensionistas – na expetativa”. “A melhor prova do pudim é comê-lo”, disse.

A questão do acordo sobre o Plano de Estabilidade, por seu lado, foi ontem chamada à atenção pelo comentador e ex-líder do PSD Luís Marques Mendes, que defendeu que Cavaco Silva deve exigir pelo menos quatro condições à esquerda antes de dar posse a António Costa. Uma delas é precisamente a obrigatoriedade de haver entendimento em relação ao Programa de Estabilidade que tem de seguir para Bruxelas “já em abril e que é um instrumento fundamental da Europa”. As outras eram a aprovação de uma moção de confiança, garantir a aprovação do 1º Orçamento e “consultas prévias” e em relação às leis vindas do Governo.

“Quem se entende sobre o mais também se entende sobre o menos”, comentou fonte do BE, considerando que o acordo já assinado cobre todos estes compromissos, desdramatizando eventuais pedidos por parte do Presidente da República.