O negócio de elaboração de leis angolanas por parte de juristas portugueses foi investigado no processo dos Vistos Gold. Foi neste contexto que surgiu no radar da investigação um empresário angolano chamado Eliseu Bumba. Além de ter sido acusado no processo principal, Bumba terá igualmente tido contactos com o juiz Rui Rangel para a elaboração de códigos jurídicos. Contactos esses que vão valer agora uma participação contra o juiz desembargador ao Conselho Superior de Magistratura (CSM), devido a uma viagem paga a Angola, que está interdita pelos códigos de conduta do CSM, que obrigam a exclusividade os magistrados judiciais.
Negócio de um milhão de euros
A história começa em Angola, tendo Eliseu Bumba como protagonista. Trata-se de um empresário angolano que tinha diversos contratos com o governo de Angola para a elaboração de códigos e de outras leis relacionados com as áreas dos tribunais, registos e notariado – contratos “que envolvem elevados montantes financeiros”, segundo o MP. Para tal criou uma sociedade: a Merap Consulting.
Foi no âmbito dos contratos que estabeleceu com o Ministério da Justiça de Angola que a Merap Consulting necessitou de contratar juristas portugueses – aparecendo aqui António Figueiredo (ex-presidente do Instituto de Registos e Notariado e um dos principais arguidos deste processo) como o principal interessado em ser o sócio nacional português. Para o efeito, criaram a Lusomerap, da qual Bumba é gerente, e outras empresas que, segundo o MP, pertenciam a funcionários do IRN liderado por Figueiredo.
Segundo o MP, António Figueredo terá feito um acordo com Eliseu Bumba no qual lhe garantia um “projecto de revisão legislativa na área dos Códigos de Registo e
Notariado e, mais tarde, avançar para a revisão de outras áreas legislativas com a revisão
dos restantes Códigos jurídicos, com isso almejando auferir elevados proventos, na ordem
de mais de um milhão de euros” lê-se na acusação.
De acordo com o MP, Figueiredo e Buma contaram com a colaboração de funcionários do IRN que, além da elaboração de Códigos, terão dado formação em Angola através do Merap e desenvolveram aplicações informáticas para Bumba.
Rangel visto como um concorrente
Segundo o despacho de acusação, a que o Observador teve acesso, António Figueiredo “teve conhecimento que o juiz desembargador Rui Rangel teria negociado com Eliseu Bumba a elaboração de códigos jurídicos, percepcionando-o como um seu concorrente uma vez que, pelo trabalho daquele, via defraudadas algumas expectativas que tinha em obter elevados ganhos monetários“.
A investigação do Ministério Público (MP) terá ainda apurado que um livro da Coimbra Editora intitulado “Código de Registo Civil Anotado e Legislação Complementar”, pago pela instituição Merap, liderada por Bumba, terá sido “afinal escrito pelo juiz desembargador Rui Rangel”. Rangel fez inclusivamente a apresentação pública do livro em Luanda, no dia 20 de junho de 2014. Na presença de Rui Mangueira, ministro da Justiça de Angola, e dos “formais co-autores da obra: Isabel Almeida e Eliseu Bumba”.
Bumba e Rui Rangel conheceram-se, segundo a acusação do MP, em 2013 quando o desembargador da Relação de Lisboa terá ministrado formação a juízes do Tribunal Constitucional de Angola através da MERAP.
Era também através da Merap que António Figueiredo dava formação em Angola.
Rui Rangel e o seu filho João terão viajado para Luanda no dia 2 de dezembro e 2013, tendo a viagem e a estadia no valor de 8.432,40€ sido suportada pela sociedade Lusomerap. É precisamente devido a essa viagem que o MP faz a participação disciplinar para o Conselho Superior da Magistratura pelas seguintes razões:
(…) Atento o regime de exclusividade a que estão sujeitos os Magistrados Judiciais importará aferir se tal facto é susceptível de integrar a prática de ilícito disciplinar, para tanto sendo competente o Conselho Superior da
Magistratura”.
A certidão será acompanhada dos interrogatórios de João Salgado, administrador da Coimbra Editora, e do testemunho de Isabel Almeida, uma das autoras do livro que terá sido escrito por Rui Rangel.
O juiz desembargador ainda não respondeu aos contactos do Observador.