“Allons enfants de la Patrie, Le jour de gloire est arrivé!” Estas palavras têm ecoado um pouco por todo o mundo nas mais variadas manifestações de solidariedade e homenagens às vitimas dos atentados do último dia 13 de novembro em Paris. O hino nacional francês já foi uma canção revolucionária, tornou-se um canto da resistência gaulesa durante a II Guerra Mundial e chegou a ser proibida.
Agora, a canção que ao longo da História foi interpretada, por exemplo, pela mítica Edith Piaf está a tornar-se um símbolo contra o terrorismo. A reacção começou pouco depois dos ataques, com os espectadores a entoarem a música quando saíam do Stade de France, ao fim de horas de angústia e nervosismo, naquela noite de sexta-feira, quando havia dezenas de mortos nas ruas parisienses:
https://www.youtube.com/watch?v=4iQ2cHuZ0xE
No Parlamento, onde o presidente francês François Hollande fez um discurso duro e emotivo após os atentados de sexta-feira:
Em Trafalgar Square, em Londres:
Na Ópera Metropolitana de Nova Iorque, numa homenagem às 129 vítimas dos atentados de Paris:
No Canadá, num jogo de hóquei no gelo:
Nas ruas de Tel-Avive:
No Estádio de Wembley, em Londres, antes do particular entre Inglaterra e França. As duas equipas e 80 mil espectadores cantaram a “Marselhesa” seguida de um minuto de silêncio:
De canto revolucionário a hino à liberdade
Estávamos em 1792 quando o oficial da divisão de Estrasburgo Joseph Rouget de Lisle recebeu um pedido peculiar do presidente da câmara da cidade, Philippe-Frédéric de Dietric: compor um canto que servisse de estímulo e motivação aos soldados. E assim foi. Conta-se que Rouget de Lisle compôs essa música na própria noite.
Porque é que o presidente da câmara teve esta preocupação? Porque nesse ano registava-se o pico das tensões na Revolução Francesa. O país estava cada vez mais envolvido num conflito interno, contra a própria monarquia e contra forças externas que tentavam manter o chamado Antigo Regime. De todos os cantos de França chegavam batalhões a Paris, como os soldados de Marselha, para se juntarem ao povo revolucionário. Estes homens vinham a entoar a canção revolucionária composta pelo oficial de Estrasburgo — e a música rapidamente se espalhou a toda a população. Por isso, ficou para sempre conhecida como a “Marselhesa”. O objetivo de Lisle e de Dietric estava a ser cumprido.
A letra do hino remete, na sua quase totalidade, para os tempos revolucionários. A tirania de que se fala na canção representa a monarquia que oprimia o povo. E os “soldados ferozes” eram os homens que lutavam contra esse regime e procuravam a liberdade. A música ganhou uma popularidade tal que, em 1795, foi instituída como o primeiro hino oficial de França.
Praticamente todos os regimes políticos possuem hinos ou símbolos que representam os seus valores. A “Marselhesa” esteve sempre presente nos momentos mais importantes de França desde o século XVIII até aos dias de hoje. Não só como hino, mas como canção revolucionária que encarna as aspirações do povo e a resistência à tirania.
O regime de Vichy, formado em 1940, em plena Segunda Guerra Mundial, também a usou. No norte do país, ocupado pelas forças nazis, a música foi banida; mas a sul, no território ainda desocupado mas liderado por um governo colaboracionista, a “Marselhesa” era adoptada como um dos hinos oficiais. Mas com algumas particularidades adaptadas ao momento que se vivia. As alterações à letra realçavam valores como o trabalho, a pátria e a família.
Um dos objectivos do governo de Vichy era impedir que a resistência francesa se apoderasse do hino. Por isso, a música era tocada sempre que Pétain proferia um discurso ou entrava numa cidade. A lei proibia mesmo que a canção fosse entoada se um membro do governo colaboracionista não estivesse presente. No entanto, nada disto foi suficiente. A “Marselhesa” continuou a fazer parte do património revolucionário gaulês e era repetidamente tocada para desafiar os invasores alemães.
Há uma cena mítica do filme “Casablanca” que retrata exatamente isso. O Rick’s Café, o bar mais famoso da cidade marroquina, era frequentado por membros do governo de Vichy e por oficiais do exército nazi. Confrontados com os sons das músicas alemãs, os franceses responderam com o hino. Sem mais opções, os oficiais nazis sentaram-se e conformaram-se a ouvir a “Marselhesa”. Depois dos recentes atentados em Paris, este excerto do vídeo foi partilhado por milhares de pessoas nas redes sociais:
https://www.youtube.com/watch?v=KTsg9i6lvqU
Hoje vivem-se mais dias marcantes em França. E, como não podia deixar de ser, a força da “Marselhesa” voltou. Agora, como símbolo da luta contra o terrorismo. Veja aqui a letra completa do hino, em francês e em português.