Anunciava-se o fim do kirchnerismo, vencesse quem vencesse. O candidato do Frente para la Vitória, o governador da região de Buenos Aires Daniel Scioli, esteve sempre à frente das sondagens. Venceu a primeira volta das presidenciais (37,08% dos votos, contra 34,15% de Mauricio Macri), como venceu as primárias de agosto (38,41% dos votos, contra 38,41% do líder da aliança Cambiemos) — um importante barómetro e uma votação na qual os argentinos escolhem os líderes que os vão representar nas eleições presidenciais.
Daniel Scioli era o candidato apoiado pela Presidente cessante Kristina Kirchner. Mas sempre se posicionou à direita de Kirchner (que está na Casa Rosada desde 2007, sucedendo na altura ao marido Néstor Kirchner, eleito em 2003), sobretudo no que diz respeito à política externa. Por ele, o kirchnerismo, ou parte dele, cairia este domingo. Scioli elogiou o Estado social que Nestor e Cristina Kirshner ergueram na Argentina desde 2003 (o dois ex-Presidentes construíram um sistema que, por exemplo, aposta nos programas de subsídios aos mais pobres, no aumento das tarifas sobre as importações e na nacionalização de empresas estratégicas), mas afasta-se deles quando o assunto é a revitalização da economia e o combate à corrupção.
O candidato conservador de centro-direita Mauricio Macri, ainda mais afastado de Kirsnher do que Daniel Scioli, era, por isso, um underdog nestas Presidenciais. Mas forçou uma segunda volta. Scioli “só” precisaria de obter 45% dos votos — ou mais de 40%, desde que com uma vantagem de dez pontos percentuais em relação a Macri –, mas ficou aquém dessa maioria. Muito aquém.
A segunda volta das eleições foi este domingo. Mais de 32 milhões de argentinos (o voto é obrigatório e a taxa de participação rondou os 78%) foram chamados a eleger não só o Presidente do país, mas também onze governadores, e, pela primeira vez, os deputados do parlamento do Mercosul — organização que reúne cinco países latino-americanos (Venezuela, Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai). Foi a primeira vez desde a reforma eleitoral da década de 1970 que houve uma segunda volta nas eleições presidenciais da Argentina.
E Mauricio Macri virou as sondagens e derrotou mesmo Scioli e o kirchnerismo. Mal se soube os resultados parciais, Daniel Scioli reconheceu a derrota e o líder da Cambiemos prometeu mudanças. “É um dia histórico, uma mudança de Era que vai ser maravilhosa”, afirmou Mauricio Macri, dirigindo-se aos seus apoiantes. “Estou aqui porque vocês decidiram”, realçou Macri, visivelmente emocionado e que, diante de mais de 7 mil pessoas, agradeceu-lhes por “terem acreditado que podemos construir a Argentina sonhada”.
Mauricio Macri: o homem e os desafios
Mauricio Macri, de 56 anos, chegou a ser apontado como candidato às eleições de 2011, mas não avançou. 2015 foi o seu ano. Candidato da oposição (o Cambiemos coliga três partidos, do centro-esquerda ao centro-direita), Macri provém de uma das famílias mais ricas da Argentina e obteve notoriedade como líder do histórico clube Boca Juniors (foi presidente entre 1995 e 2008). Também foi eleito, por duas vezes desde 2007, para a Câmara de Buenos Aires, onde está em fim de mandato.
A Presidente da Argentina, Cristina Kirchner, telefonou, este domingo, a Mauricio Macri para o felicitar pelo seu triunfo na segunda volta das eleições presidenciais e convocou-o para uma reunião na terça-feira. Kirchner deixará a presidência nas mãos de Macri no próximo dia 10 de dezembro após oito anos no poder. Mas também lhe deixa alguns desafios em mãos. Aqui ficam três exemplos:
- A renacionalização de 51% da YFP em 2012 criou um embaraço diplomático com Espanha que importa desembaraçar. A maior empresa de energia da Argentina era então detida pela espanhola Repsol.
- A diplomacia com o Reino Unido, a propósito da reivindicação do território das Malvinas (as ilhas disputadas entre os dois países e que foram o cenário de uma guerra em 1982), essa, continuará pelas ruas da amargura — foi uma das bandeiras de Kirchner e seria uma das bandeiras de quem viesse a seguir.
- Por último, e internacionalmente, há que amenizar o litígio com os fundos de investimento norte-americanos quanto ao processo de reestruturação da dívida de 90,8 mil milhões de euros sobre a qual a Argentina entrou em default na crise de 2001.
A missão de Macri promete ser difícil.