Os 196 países (e uniões de Estados) presentes em Paris para a Conferência do Clima têm um objetivo: um acordo que evite que a temperatura média global suba mais do que dois graus Celsius, até 2100 (tendo como referência os valores do período pré-industrial, 1850-1899). Se este é o pressuposto, há uma pergunta obrigatória: porquê 2º C e não 1,5º C? E o que acontecerá se ultrapassarmos esse valor?
O economista William Nordhaus foi o primeiro a apontar como limite o aumento de 2º C em relação ao período pré-industrial. Num artigo publicado em 1975 afirmou que “se as temperaturas globais subissem mais do que 2º C ou 3º C acima da temperatura média anual, isso levaria o clima para fora dos limites de observação que têm sido registados nos últimas centenas de milhares de anos”.
Mais tarde, em 1990, o Instituto de Estocolmo sugeriu que 2º C acima dos níveis pré-industriais deveria ser o máximo aceite pelos decisores políticos. E seis anos depois, em 1996, o conselho europeu de ministros do ambiente declarava que “as temperaturas médias globais não devem ultrapassar os dois graus acima dos níveis pré-industriais”, lembrou Gil Penha-Lopes, investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), num workshop sobre alterações climáticas.
Mark Maslin, professor de climatologia no University College de Londres, citado pelo The Wall Street Journal (WSJ), considerou que este valor “emergiu da agenda política e não da análise científica”. E explicou porquê: “Os modelos dão um leque de possibilidades e não uma resposta única.”
Gil Penha-Lopes, coordenador do grupo de investigação CCIAM (na sigla em inglês para Climate Change Impacts Adaptation & Modelling) da FCUL, disse porquê: “Como em todas as questões políticas é necessário um número, uma meta, um objetivo, pois é mais fácil comunicar”.
Porém, o valor não foi criado apenas para servir a agenda política, como explicou ao Observador Carlos Teixeira, investigador na área de Ambiente e Energia, no Instituto Superior Técnico. Apesar de as temperaturas variarem naturalmente entre os períodos glaciais e interglaciais, “não se terão atingido valores muito superiores áquilo que são os valores actuais”, ou seja, não se terá ido muito além dos dois ou três graus. Se considerarmos um período mais pequeno, apenas desde o aparecimento da civilização humana, verificamos que “estamos já a vivenciar temperaturas médias globais acima do que alguma vez teremos experienciado e, neste contexto, mais 2° C pode de facto ser uma margem bastante arriscada”, afirmou o investigador.
“Os dois graus tornam-se a opção menos má de todas as potencialmente possíveis”, disse Gil Penha-Lopes, acrescentando que “há quem peça 1,5º C ou menos, pois os efeitos já estão a começar a ficar à vista”. O Ártico está a diminuir de tamanho, os glaciares continentais estão a derreter, a temperatura média dos oceanos está a aumentar, a precipitação em alguns locais do mundo está a diminuir, isto para apontar apenas algumas das consequências. No futuro, algumas ilhas podem desaparecer devido ao aumento do nível do mar, os incêndios florestais podem tornar-se mais intensos e os fenómenos extremos vão torna-se mais frequentes, como afirmam os cientistas.
No início do mês de novembro, o instituto de meteorologia britânico – Met Office – alertou que, pela primeira vez, a temperatura média anual pode ultrapassar em 1º C, as temperaturas do período pré-industrial. A temperatura média entre janeiro e setembro já era de 1,02º C (com um erro associado de +- 0,11º C), em relação aos valores pré-industriais. A este ritmo, e não forem tomadas medidas para travar o aquecimento global, até 2100 a temperatura média global ultrapassará em muito os dois graus apontados como limite.
Carlo Jaeger, presidente do Global Climate Global, um think tank (grupo de reflexão) alemão, criticou, citado pelo WSJ, a “metáfora apocalíptica” do aumento da temperatura. Não porque o aumento não vá ter consequências, mas porque “o inferno não vai ficar à solta assim que se atinjam os dois graus”. Assim como já se começaram a notar alguns efeitos, outros podem manifestar-se só acima dos 2º C. De qualquer forma, todas as mudanças climáticas levam muito tempo a manifestar-se e não acontecem de um momento para o outro.
A crítica aos dois graus parece ser também, como mostra o WSJ, não pecar por excesso de zelo, mas exatamente pelo contrário. Enquanto os países estão preocupados em reduzir as emissões de gases com efeito de estufa para evitar que a temperatura média global não ultrapasse os 2º C até 2100, não estão a considerar que existem certos sistemas no planeta que absorvem grande parte do calor, como os oceanos. E o aumento da temperatura dos oceanos vai afetar tanto a biodiversidade, como a regulação do sistema climático.
O aumento da temperatura pode obrigar à deslocação de populações inteiras, quer por perda de território, como nas ilhas, quer por escassez de alimento, como em alguns países de África. Mas a Europa também projeta algumas consequências graves, em especial para a região mediterrânica. A Agência Europeia do Ambiente prevê, por exemplo, que a precipitação vai aumentar no norte da Europa, mas vai diminuir muito no Sul. Portugal vai sofrer com o aumento da temperatura, a diminuição da precipitação e o aumento do nível do mar.
Falta dizer que o aumento da temperatura média global é, neste momento, atribuído ao aumento de gases com efeito de estufa na atmosfera, nomeadamente dióxido de carbono e metano. E que a concentração destes gases aumentou na atmosfera sobretudo depois do início da época industrial. Assim, os cientistas não parecem ter dúvidas, como confirmam os especialistas do Painel Intergovernamental de Alterações Climáticas, que as atividades humanas (como a queima de combustíveis fósseis ou a produção animal) são responsáveis pelo aumento da emissão destes gases e consequentemente pelas alterações climáticas.