As pessoas com uma deficiência intelectual ou psicossocial, surdez-mudez ou cegueira podem ser impedidas, em Portugal, de exercer os seus direitos, como votar, casar ou gerir bens, contrariando a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

A denúncia é feita pelo Observatório da Deficiência e Direitos Humanos (ODDH) por ocasião do Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, que se comemora esta quinta-feira, e surge no seguimento de um relatório que foi enviado à Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência das Nações Unidas.

Mais conhecido como regime de interdição, esta disposição do Código Civil “consiste na coartação do exercício de direitos de determinadas pessoas que demonstrem incapacidade [em] poder governar a sua pessoa e os seus bens”, lê-se na página da internet do Instituto Nacional de Reabilitação (INR).

De acordo com o INR, “podem ser interditos todos aqueles que possuam uma anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira”.

Por outro lado, este regime de interdição pode ser pedido quer pelos progenitores, cônjuges, curador, qualquer parente em linha de sucessão ou o Ministério Público.

Em declarações à agência Lusa, a coordenadora do ODDH apontou que o regime de interdição é normalmente pedido por familiares de pessoas com deficiência com receio que elas possam ser exploradas, desbastar património ou incorrer em algum tipo de situação de risco.

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“Para prevenir isso preferem que elas fiquem com esse estatuto, como uma espécie de inimputáveis”, salientou Paula Campos Pinto, estimando que haja um número elevado de pessoas nesta situação apesar de desconhecer quantas ao certo.

Na opinião da responsável, este regime retira às pessoas com deficiência a possibilidade de exercerem os seus direitos, remetendo-os para um estatuto de menores.

“Não podem votar, não podem vender os seus bens, não podem adquirir outros bens, assinar qualquer tipo de contrato. Ficam numa situação equiparada a menores”, sublinhou Paula Campos Pinto.

Segundo a coordenadora do ODDH, esta disposição legal vai contra o que está definido na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que defende a criação de sistemas próprios para estas pessoas, de modo a que elas sejam devidamente apoiadas, “e não ser-lhes pura e simplesmente retirado o exercício da sua cidadania”.

Paula Campos Pinto apontou que esta é uma área preocupante porque está “muito distante daquilo que a convenção preconiza”.

“Há aqui necessidade de uma revisão ao nível da legislação, que seja acompanhada da criação de estruturas de apoio para que estas pessoas, que tenham mais dificuldades, tenham onde recorrer para o apoio à decisão e não lhe sejam apenas coartados os direitos como atualmente acontece”, defendeu.

A coordenadora do ODDH explicou que Portugal está obrigado a apresentar regularmente relatórios à Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência, no seio da ONU, desde que assinou e ratificou a Convenção das Pessoas com Deficiência.

Paralelamente, a sociedade civil, no caso o ODDH, pode também apresentar o seu relatório, designado relatório sombra, onde dá conta das situações preocupantes em termos de aplicação da convenção.

Para além do regime de interdição, o ODDH aponta também lacunas ao nível das acessibilidades, mas também da educação, onde há um “grande desfasamento” entre a legislação e a sua aplicação, no que diz respeito aos recursos disponíveis.