Estranhar algo significa que não se está familiarizado com alguma coisa. No futebol isso pode acontecer quando se experimenta algo novo, ou pela primeira vez, ou quando se vê algo que não é habitual ver-se. Nenhum jogador, por exemplo, gosta de estrear um par de chuteiras novas num jogo a sério: as botas não estão moldadas aos pés, podem até doer, e o que se sente no corpo sobe rápido até à cabeça, bate à porta da confiança e pode fazê-la descer uns quantos degraus. Por isso é que não é costume um treinador chegar a uma partida das decisivas, quase obrigado a ganhar, e decidir experimentar uma tática nova ou um jogador numa posição que não é a dele. Ou não, porque para Julen Lopetegui, estranho era ver o Chelsea, à última jornada da fase de grupos da Liga dos Campeões, sem a qualificação garantida para os oitavos-de-final.
O espanhol não terá estranhado, por isso, a ideia que teve em dar à equipa coisas que nunca dera. O treinador decidiu que três dos dragões que entraram em campo fossem defesas centrais e que o FC Porto jogasse com eles lá atrás. A equipa chegava ao relvado de Stamford Bridge com Maicon, Ivan Marcano e Bruno Martins Indi na defesa e sem um avançado na frente. Algo que, por si só, já seria estranho, mais estranho ficou com Yacine Brahimi e Jesús Corona, dois extremos, a correrem na frente. Onze jogadores habituados a dividirem-se em 4-3-3 passavam a ter que se atinar algures entre um 3-5-2 quando a equipa tinha a bola e uma espécie de 5-3-2 quando não a tinha.
Os jogadores estranharam. E quando ainda estavam a tentar perceber se o Chelsea lhes daria tempo para se habituarem, um azar aparece. Ou não, porque antes de Iker Casillas defender um remate, a bola ressaltar no corpo de Ivan Marcano e fazer ricochete para dentro da baliza, o FC Porto perdeu uma bola a meio campo e deixou Hazard fazer um passe para a corrida de Diego Costa. A equipa de José Mourinho demorava 12 minutos a mostrar, numa jogada, como a invenção de Julen Lopetegui se podia virar contra ele próprio. Porque o que aconteceu antes do 1-0 repetiu-se várias vezes até ao intervalo — a atacar, os centrais davam à equipa três jogadores para receberam a bola de frente para o jogo, mas isso fazia com que Herrera e Imbula, dois médios, fugissem para perto da área do Chelsea e deixassem Danilo sozinho.
Os dragões tinham mais bola, sim, mas quase toda esta companhia acontecia antes da linha do meio campo e não para lá dela, como é costume. Brahimi estranhava isto e, uma e outra vez, ia pedir a bola a dezenas de metros de distância da área inglesa. A defender, Layún não sabia se havia de ajuda Indi, o central mais à esquerda, ou ficar de olho em Ivanovic ou Willian. Os passes falhados eram muitos e os três médios do FC Porto não conseguiam montar uma jogada entre eles. O FC Porto não chegava com a bola à área e antes de Brahimi, aos 42’, rematar a 30 metros de distância da baliza de Courtois, já Oscar e Diego Costa tinham disparado à de Casillas, dentro da área.
Lopetegui diria no fim que a teoria era “anular o contra-ataque” do Chelsea e “surpreender” o adversário com a “falta de referências para os centrais”, John Terry e Kurt Zouma. O treinador podia estar familiarizado a teoria, mas, na prática, os minutos passavam e os dragões estranhavam enquanto os blues se habituavam à forma como o FC Porto (não) jogava. O intervalo nada mudou e em vez de 12 foram precisos 11 minutos para o Chelsea voltar a provar como a invenção não funcionava. Como? Num lançamento lateral antes da linha do meio campo. Azpilicueta atirou a bola com força e o salto Maxi Pereira, perdido e sem marcar quem fosse, não chegou à bola e deixou que ela chegasse a Diego Costa, o jogador que mais longe estava do sítio onde o espanhol lançou a bola. O avançado tocou para Hazard, que estava de frente e foi rápido a passar a Willian, que sozinho estava à direita porque Indi encostou em Marcano e Layún não se lembrou de fechar as costas do central.
O remate com que o brasileiro fez o 2-0 e o seu quinto golo na Champions mostrou várias coisas: que o Chelsea não parecia ser o Chelsea das 10 derrotas esta época e do 14.º lugar na Premier League, e que, a jogar assim, o FC Porto não ia a lado nenhum. O treinador demorou quatro minutos a percebê-lo e a tirar Maxi e Imbula de campo para lá colocar Rúben Neves e Aboubakar. Os dragões passaram a ter um avançado e o 4-3-3 que ninguém estranhava. A equipa melhorou. Brahimi e Corona passaram a ter a bola bem mais perto da baliza inglesa e ambos a rematariam duas vezes à baliza — o argelino, com dois pontapés em jeito, ficou perto de marcar. O problema é que quanto mais o FC Porto arriscava, mais o jogo ficava a jeito da equipa que José Mourinho habituou a ser malandra no contra-ataque.
Por isso é que a partida esteve sempre mais perto de ter um 3-0 do que um 2-1. Poucos teriam estranhado se um dos sprints que Diego Costa lançava mal o Chelsea recuperava a bola tivesse dado em golo. Ou que, em vez de bater no poste, o remate de Eden Hazard (que ainda não marcou esta temporada) tivesse atirado a bola para dentro da baliza de Iker Casillas, o guarda-redes que deve ter estranho muito o que aconteceu quando o árbitro apitou três vezes seguidas: pela primeira vez, o espanhol era eliminado na fase de grupos da Liga dos Campeões.
E a culpa não foi só da invenção de Lopetegui ou da 15.ª derrota do FC Porto em 17 jogos feitos em Inglaterra, porque minutos depois de Marcano marcar o auto-golo, um ucraniano chamado Garmash fazia o 1-0 com que o Dínamo derrotou o Maccabi, em Kiev. Os dragões precisavam de ganhar para garantir a passagem aos oitavos-de-final, mas até podiam perder caso a equipa de Antunes e Miguel Veloso não vencesse os israelitas. Nada se viu.
Daí ter acontecido o que raramente acontece (os dragões não saírem vivos da fase de grupos da Liga dos Campeões) por culpa de algo que até costuma acontecer — com esta derrota fora de casa, o FC Porto já é a equipa que mais vezes perdeu (39) fora do seu estádio. É a terceira vez que o FC Porto sai tão cedo da Champions e vale-lhe o facto de, como nas duas ocasiões anteriores, ir parar à Liga Europa. Isto tudo é que será de estranhar.