Aviso: este artigo pode conter spoilers do filme “Guerra das Estrelas: O Despertar da Força”.
Antes de mais, deixem-me dizer em meu abono que vi o “Guerra das Estrelas” original nas primeiras filas do cinema Monumental, em 1977, e voltei lá para o rever uma boa meia-dúzia de vezes; que “Guerra das Estrelas” e “O Império Contra-Ataca” estão na minha lista de filmes favoritos de sempre; que já apertei a mão a George Lucas e disse-lhe o quão agradecido estava por ele ter criado esta saga, e o que ela significava para a minha geração; que já disse a Harrison Ford o quanto gostava de Han Solo e que era uma das minhas personagens cinematográficas preferidas; que tenho autocolantes das personagens de “Guerra das Estrelas” no meu frigorífico, uma miniatura do Millenium Falcon na sala e um Sabre Luminoso no escritório. Por isso, não venham cá respigar comigo e fazer pose de fãs de babar na gravata quando eu lhes disser que “Star Wars: O Despertar da Força” não me entusiasmou por aí além.
[Trailer de “Star Wars: O Despertar da Força”]
Eu sei que J.J. Abrams é fã de carteirinha de sócio de “Guerra das Estrelas”, que fez tudo e mais alguma coisa para, neste filme que reactiva a saga (agora propriedade da Disney, que comprou os direitos a George Lucas) e se passa 30 anos depois dos acontecimentos de “O Regresso de Jedi”, ser o mais possível fiel ao seu espírito, ao seu universo visual, tecnológico, genealógico e narrativo, à sua vibração de space opera clássica e à herança de “serial” tradicional, e às relações entre as suas personagens, humanas, alienígenas e artificiais. Só que a sensação que esta sétima fita da série nos deixa é semelhante à de ver jogar, num estádio agradavelmente familiar, a esforçada, entusiástica, competente equipa B de um grande clube, abrilhantada por algumas “velhas glórias” que ainda sabem uns truques, apesar dos cabelos brancos e do peso dos anos. Uma coisa é querer estar à altura, outra é conseguir estar. Abrams tê-lo-à conseguido para “O Caminho das Estrelas”, mas aqui não.
[Entrevista com o realizador J.J. Abrams]
O filme, escrito por Abrams, Lawrence Kasdan (que colaborou também nos argumentos de “O Império Contra-Ataca” e “O Regresso do Jedi”) e Michael Arndt, apresenta-nos uma nova geração de personagens fazendo regressar quase todas as antigas, promove encontros e recontros, faz descobrir heranças insuspeitadas, procura manter uma lógica narrativa semelhante à da trilogia original, e permanece fiel à sua ideia condutora das relações familiares antagónicas e com pinceladas freudianas, e ao combate contínuo e de contornos mitológicos entre os representantes das forças da Luz (agora a República) e das forças das Trevas (agora a Primeira Ordem), reservando-nos ainda um choque brutal e totalmente inesperado.
[Entrevista com Harrison Ford]
Mas, no seu melhor, “Star Wars: O Despertar da Força” é um decalque aplicado e melhorado de momentos, figuras, situações e de sequências espectaculares do primeiro filme, caso do ataque final à gigantesca sucessora da Estrela da Morte, um planeta esventrado e transformado em super-arma destruidora de outros planetas. E é preciso mais do que isso para acordar o entusiasmo, o espanto e a sensação de novidade transmitidos pelo primeiro filme. Os poucos momentos em que “Star Wars: O Despertar da Força” nos dá um sobressalto de satisfação e vontade de aplaudir, são aqueles em que figuras familiares reaparecem do passado, como a altura em que Han Solo e Chewbacca irrompem no Millenium Falcon. (E que falta faz o Yoda!).
[Entrevista com Carrie Fisher]
Das personagens estreantes, apenas a determinada e combativa Rey, da excelente Daisy Ridley, deixa uma marca e promete fazer estragos nos próximos dois filmes (este é o primeiro de uma nova trilogia). O novo vilão, Kylo Ren, não passa de um sub-Darth Vader, o Supremo Líder Snoke é uma segunda mão do Imperador e o robôzinho BB 8 um R2D2 menor. Entre as coisas boas estão, e de novo, as variadas criaturas alienígenas que passam em fundo ou que têm participações secundárias, como Maz Kanata, a dona da nova Taverna Espacial, ou os monstros de um só e enorme olho, muitos tentáculos hiperactivos e boca com elevado poder de sucção que Han Solo e Chewie transportam no seu cargueiro sideral. E que uma vez à solta na nave nos contemplam com uma das poucas sequências dignas do primeiro filme, na sua dinâmica mistura de acção, humor e aflição.
[Entrevista com Daisy Ridley]
Na cena final de “Star Wars: O Despertar da Força” dá-se o encontro de uma nova geração de Cavaleiros Jedi com o derradeiro (e envelhecido) representante da geração anterior. Como há mais dois filmes a caminho (que, em princípio, terão novos realizadores, respectivamente Rian Johnson e Colin Trevorrow), confiemos que a saga ganhe em espírito, impulso e arcaboiço depois deste acordar a meio gás.