As críticas choveram na legislatura passada mas, agora, com uma nova maioria de esquerda no Parlamento, as alterações ao modelo de concursos públicos para cargos de topo da administração pública não são vistas como prioridade. António Costa defendeu em março que fosse feito um balanço à atividade da Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (Cresap). PS, BE e PCP mantém-se contra o modelo, e querem revisão, mas, para já, a Cresap deverá ser para manter.

Ao Observador, o coordenador parlamentar do PS para as questões de finanças e administração pública, João Paulo Correia, afirma que, apesar de o tema ser objeto de “diálogo” entre as bancadas da esquerda, as eventuais alterações ao modelo de recrutamento de dirigentes do Estado “não são prioridade”. O mesmo sublinha João Galamba – “não se pode tratar de tudo de uma vez”. A prioridade para o PS foram as medidas orçamentais extraordinárias, da sobretaxa à CES, passando pela reposição dos salários, sendo agora o foco o Orçamento do Estado, explica João Paulo Correia.

Bloco de Esquerda e PCP também aparecem alinhados com o partido do Governo. Mantendo a posição crítica sobre a Cresap que manifestaram durante a legislatura passada, tanto a deputada Rita Rato (PCP) como a deputada bloquista Joana Mortágua, responsáveis das suas bancadas pela pasta da administração pública, afirmam que é preciso fazer uma “análise” e uma “reflexão” sobre o tema mas nem BE nem PCP afirmam ser prioridade. Ao Observador, Rita Rato lembra que no âmbito da administração pública as prioridades do PCP para esta legislatura foram a reposição dos feriados, a restituição das 35 horas e a revogação do regime de requalificação. Também Joana Mortágua sublinha a prioridade do fim da “requalificação na função pública” e admite que o BE quer “ter algum tempo para refletir” sobre as alternativas à Cresap.

O tema das nomeações no Estado foi lançado para debate esta quarta-feira, no Parlamento, com o PSD a acusar o atual Governo de ter feito 154 nomeações em apenas 41 dias. Durante o debate, o Parlamento dividiu-se com acusações de parte a parte sobre quem dá mais jobs for the boys.

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João Galamba lembrou que o próprio presidente da Cresap é “o primeiro a criticar” o modelo e a cor partidária das nomeações feitas para os organismos do Estado, enquanto o deputado comunista António Filipe, lembrando uma notícia do Observador que dava conta de que, no dia em que Costa foi chamado a formar novo Executivo, foram publicadas cerca de 100 nomeações para cargos em gabinetes do Governo PSD/CDS, afirmou que a esquerda “não anda à procura de lugares”.

Também o deputado bloquista Pedro Filipe Soares foi muito crítico do modelo durante a discussão desta tarde no plenário do Parlamento. Acusando o anterior Governo e os partidos da anterior maioria de terem “criado a farsa da Cresap”, que fazia com que “o bilhete ora saísse ao PSD ora saísse ao CDS”, o líder parlamentar bloquista garantiu que o BE “sempre quis mudar isto” e que continua a fazer “uma frontal oposição à Cresap” e a “exigir transparência a todas as nomeações”.

Um modelo muito criticado. Costa pediu “balanço”

Em março, no âmbito das jornadas parlamentares do PS, o então secretário-geral do PS e candidato a primeiro-ministro exigiu que fosse feito um balanço das nomeações feitas para cargos de direção superior da administração pública, alegando que, apesar dos concursos da Cresap, os nomeados acabavam sempre por ser do PSD ou CDS.

“Olho para os resultados da Cresap e começo a achar que era uma história parecida, porque há muito concurso, há muita transparência, são todos objetivamente avaliados, a Cresap até indica ao Governo sempre três nomes de candidatos apurados, mas, depois, no fim, é sempre alguém do PSD ou do CDS que é nomeado para aquele lugar. Isto não pode deixar de merecer a devida fiscalização por parte da Assembleia da República”, disse na altura António Costa.

No palco da Assembleia da República, na anterior legislatura, PS, BE e PCP uniam-se para criticar o modelo, com a deputada socialista Isabel Santos a avançar mesmo com números concretos durante uma audição ao presidente da Cresap: entre 94 organismos de diferentes ministérios, contendo 213 cargos de direção da administração pública, 75% das nomeações foram de pessoas do PSD e do CDS. Ao Observador, a deputada Isabel Santos não quis adiantar a sua posição sobre o tema, alegando que na atual legislatura já não tem a pasta da administração pública, estando “inteiramente focada” nos negócios estrangeiros.

Entre os socialistas, no entanto, reina a ideia de que é preciso “rever o modelo”. Quem o diz é o deputado Eurico Brilhante Dias, que reforça a necessidade de revisão para passar a haver “transparência e mérito” nos candidatos selecionados. Sublinhando que até o próprio presidente da Cresap invoca dificuldades e imprecisões no modelo de concursos públicos, o deputado segurista afirma que com a Cresap as nomeações acabaram por ser “sempre questões políticas”.

O mesmo defende o deputado Paulo Trigo Pereira, também membro da comissão parlamentar de finanças: “Acho sobretudo que se deve fazer um balanço e sou favorável a uma forma de seleção mais objetiva”, disse ao Observador. E deixou uma sugestão: que fosse criada uma entidade independente do poder político, nomeada pelo próprio Presidente da República, para conduzir os concursos públicos para o Estado.

Para o PCP, o modelo de concursos públicos da Cresap continua a ser “um embuste”, uma vez que cria a “falsa ideia” de que é a partir de um “perfil desenhado pelo Governo e de uma short list que é apresentada ao Governo que é feito um recrutamento independente”. Ao Observador, a deputada Rita Rato sublinha que há cargos que devem ser de nomeação política, por exigirem confiança política, mas há outros em que é preciso “concursos públicos independentes, com critérios transparentes, sem que o Governo tenha de ter qualquer palavra sobre o assunto”.

A Cresap foi criada em 2011 pelo então primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, com o objetivo de despartidarizar a Administração Pública. Cabe ao Governo desenhar o perfil do candidato desejado para o cargo, cabendo depois à Cresap selecionar os candidatos mais indicados e apresentar depois uma short list de três nomes ao Governo, que tem a palavra final. Este modelo, no entanto, foi sempre muito criticado não só pelas bancadas da esquerda que na altura estavam na oposição como também pelos próprios candidatos aos cargos, que fizeram várias queixas à Provedoria de Justiça e ao Parlamento alegando arbitrariedade de critérios e concursos feitos à medida.

O mandato do presidente da Cresap, João Bilhim, tem a duração de cinco anos, pelo que terminará em abril de 2017.