Primeiro facto: António Costa não foi candidato nestas eleições. Segundo facto: António Costa não apoiou publicamente nenhum candidato nestas eleições. Terceiro facto: António Costa nem sequer se aproximou a menos de 100 metros de uma qualquer acção de campanha nestas eleições. Entendidos que estamos sobre os factos, vamos à realidade: António Costa foi o principal derrotado destas eleições.

O primeiro-ministro perdeu à direita. A partir de hoje, o seu governo vai ficar nas mãos de um Presidente que tem no currículo o facto de ter sido fundador e líder do PSD. Quando a aliança “das esquerdas” se fragilizar, o Presidente da República não arriscará um grama da sua popularidade para o segurar e defender. Enquanto Sampaio da Nóvoa arrancaria a própria pele antes de despedir o executivo do “tempo novo”, Marcelo Rebelo de Sousa convocará eleições assim que perceba que esse movimento não o coloca em perigo.

O primeiro-ministro perdeu também à esquerda. A enorme diferença de votos entre a candidata do Bloco de Esquerda e o candidato do PCP vai sugar todo o oxigénio que ainda restava na sala onde se reúne o Comité Central na Soeiro Pereira Gomes. Até agora, os comunistas viam a aliança com o BE e com o PS como uma inevitabilidade que recomendava cautela; a partir de agora, passarão a vê-la como um perigo que exige medidas.

Pela segunda vez em poucos meses, o PCP ficou atrás do Bloco de Esquerda — e, este domingo, ficou significativamente atrás. Se nada distinguir um partido do outro no parlamento e no governo, o eleitorado tenderá a juntar-se ao que se mostrar mais eficaz nas urnas. A partir de hoje, os comunistas precisam de começar a mostrar ao seu eleitorado que são diferentes de tudo o resto que existe à esquerda. Não é teimosia, é sobrevivência. Para António Costa, é um sinal de que as coisas acabam de se tornar mais difíceis.

* Miguel Pinheiro é jornalista

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