Fez as malas, pôs o bilhete no bolso e lá se enfiou num avião. Uma ou outra escala depois, desembarcou na China. Era a primeira vez, não sabe se foi a última. Apenas parou quando chegou a Qinhuangdao, a uns 300 quilómetros de Pequim, onde quis ir deitar o olho a um torneio sub-21. Gostou do que viu, mas, “dos jogadores que queria” mesmo, não conseguiu “trazer nenhum”. Não regressou de mãos a abanar, trouxe um miúdo, só que “não era dos melhores”. Foi no verão de 2014 que Joaquim Duarte esteve na China e a viagem serviu-lhe para ser o primeiro a levantar o dedo para responder a uma pergunta: “Se há jogadores com qualidade na China para jogar na Segunda Liga? Há, mesmo muitos. Vi com os meus próprios olhos”.

O que o diretor desportivo do Mafra não sabe é ripostar contra outra questão — mas quais virão para a Segunda Liga? Ou melhor, para a Ledman ProLiga, como se passará a chamar a competição na próxima época, quando a empresa e a Liga de Clubes puserem preto no branco o acordo que, em troca de dinheiro, poderá obrigar a que os clubes acolham dez jogadores e três adjuntos. Todos chineses. Pegámos no telefone e marcámos o número de Joaquim Duarte porque, há seis anos, foi ele quem ajudou a tornar o Mafra no clube que mais apostou em jogadores chineses. “Ainda não tenho noção que tipo de negócio se vai concretizar. Não temos 100% de informação disponível, não nos disseram nada em concreto”, começou por admitir.

Joaquim não quer falar do que não sabe, por isso conversa sobre o que conhece. E o conhecimento que hoje tem deve-o à “felicidade” de “ter um contacto com um empresário chinês”, há seis anos. Diz que “foi uma coincidência” estar “numa reunião de trabalho” que deu para alguém os apresentar, do tipo que o leva a resumir que “estava no sítio certa, à hora certa”. As conversa que ambos foram tendo fizeram com que o empresário “trouxesse alguns chineses à experiência” para o Mafra. Eram jogadores bons, tanto que muitos foram ficando — os que tinham qualidade e os que a quantidade de dinheiro do clube era suficiente para segurar. “Ficámos bastante contentes com muitos. Até queríamos mais, mas os vencimentos que podíamos pagar não chegavam. Hoje, os salários que pagamos em Portugal já não chegam para trazer os melhores jogadores chineses”, garante. Mas já houve uma altura em que chegavam.

E sobravam para ter, em 2013/14, cinco chineses no plantel. Ou para, em 2010, ter um avançado de olhos em bico e de nome Zhang que foi a Alvalade marcar três golos para a Taça de Portugal, contra o Sporting. O tal que chegou a saltar para a I Liga (Beira-Mar), ir visitar a Alemanha e chegar ao Rayo Vallecano, em Espanha, no início desta época. “Ele tinha muita qualidade. Para estar na primeira liga espanhola? Epá, para estar num plantel sim, titular é muito dificil. Mas tinha para estar na primeira liga portuguesa”, analisa Joaquim Duarte. O Mafra já só não tem jogadores chineses na equipa porque, no início de janeiro, dispensou Pengfei Han, um central que lá chegara há duas temporadas.

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Não é que tenham perdido qualidades, não. O Mafra ficou sem jogadores chineses porque eles se tornaram caros demais para o dinheiro que tem um clube que está no fundo da segunda liga. “A única coisa que posso dizer é que há jogadores com qualidade na China para jogar na segunda liga. Há, mesmo muitos. Agora, quais virão com o acordo? É uma boa pergunta. Se forem os da seleção e dos clubes grandes, claro que têm qualidade. Do negócio da liga não posso falar, mas vou e continuarei a ir à China buscar jogadores”, conta, sem ponta de dúvida que se lhe pegue na voz. O contrário do que acontece com o acordo que Pedro Proença assinou em nome da Liga de Clubes.

MADRID, SPAIN - SEPTEMBER 23: Zhang Chengdong of Rayo Vallecano de Madrid warms up between halves of the La Liga match between Rayo Vallecano de Madrid and Real Sporting de Gijon at Estadio de Vallecas on September 23, 2015 in Madrid, Spain. (Photo by Gonzalo Arroyo Moreno/Getty Images)

Depois de o Mafra o trazer para a Europa, Zhang Chengdong tornou-se no primeiro chinês a jogar na liga espanhola, esta época. Foto: Gonzalo Arroyo Moreno/Getty Images

Diz-se que serão dez os chineses a aterrarem em Portugal, mas vindos de que clubes? A esta pergunta Joaquim acrescentou outras. “O clube poderá vendê-los? A quem vão pertencer os direitos dos jogadores? Ficam quanto tempo no país?”, questiona, antes de tocar no ponto em que, apurou o Observador, chegou a pairar em conversas entre dirigentes, sobre o acordo — a hipótese de estes jogadores terem obrigatoriamente de ser utilizados durante x tempo em x número de jogos. “Se vier uma cláusula dessas, não acredito que haja clube em Portugal que assine o contrato. Nem sequer acredito que vão propor um tipo de acordo desses. Se calhar terá motivações extras, em termos de compromisso e transmissões televisivas, porque é muito fácil isso acontecer”, argumenta.

Saber de onde vêm os jogadores interessa, diz o diretor desportivo do Mafra, pois “se vierem jogadores de seleção ou de clubes de topo, que tenham equipas B, então há mais-valias em fartura”. Ou seja, são bons, têm qualidade, pode acrescentar coisas aos clubes portugueses e fica apenas “uma questão de aprenderem a língua e habituarem-se a comunicar”. Se forem futebolistas normais, assegura, vão “demorar três ou quatro anos” para “se adaptarem aos costumes, à língua e à disciplina” e “ficaram com uma qualidade boa”. Porque as dificuldades que um bom jogador finta se for jogando agravam-se no caso de um jogador mediano que não calça as chuteiras ao fim de semana. “Se vierem os que tenho quase a certeza que não virão, os bons, então aí demoram três meses a adaptarem-se”, resume Joaquim Duarte. De resto, até vê o acordo que Pedro Proença anda a negociar na China como uma boa ideia.

O dirigente do Mafra tem “a certeza” que o acordo “é uma excelente notícia para os clubes da segunda liga”, sobretudo se vierem os tais “jogadores de qualidade”. O problema é que esse e um “se” dos grandes, e não é o único. “O acordo será mesmo muito bom para os clube caso seja um projeto em que os jogos sejam transmitidos na China e que possa permitir futuras vendas de jogadores para o país”, disse ainda Joaquim Duarte, que ainda se lembra de chegar a Qinhuangdao e falar com chineses que, “depois dos três grandes”, sabiam que o Mafra era um clube português. Acontecerá o mesmo com os clubes que receberão os jogadores? 我們希望如此, que é como se diz “esperemos que sim” em chinês.