O Bloco de Esquerda (BE) vê com “preocupação” que o plano orçamental apresentado pelo Governo a Bruxelas seja “tímido”, mas encara esse facto no “quadro de limitações” com que o Partido Socialista se depara na negociação com a Comissão Europeia, um organismo “não democrático” que está a assumir uma atitude de “chantagem” para com Portugal. Catarina Martins diz que esta “chantagem” apenas contribui para dar “forças renovadas” para cumprir o acordo com o PS, para “acabar com o empobrecimento”, e garante que a negociação entre o BE e o PS está a decorrer com naturalidade e num “clima de confiança”.
“Vemos, naturalmente, com preocupação o momento que estamos a viver e a chantagem europeia sobre o Orçamento, mas encaramos este processo com renovadas forças para implementar o acordo e parar o empobrecimento no país”, afirmou Catarina Martins no final de uma reunião da Mesa Nacional do Bloco de Esquerda. A porta-voz do partido acrescentou que “a chantagem europeia contra as medidas de recuperação de rendimento, querendo tornar permanentes os cortes que o Governo anterior apresentou como temporários, exige determinação na defesa de Portugal. Cá estaremos para esse esforço”.
Lendo declarações preparadas antes de responder a algumas questões dos jornalistas presentes, Catarina Martins afirmou que “a Mesa Nacional do BE regista com preocupação as limitações da proposta orçamental do Governo, tanto no esforço de recuperação de rendimentos como do Estado Social e, ainda, no esforço de investimento capaz de gerar emprego.”
“Além disso, a Mesa Nacional do BE reitera a sua oposição à cedência do Governo à Comissão Europeia no caso Banif, acabando por aceitar uma solução que impôs grandes perdas aos contribuintes ou ao plano de venda do Novo Banco, onde se abdica de enfrentar a estratégia europeia de desmantelamento da banca portuguesa”, diz Catarina Martins.
O BE será a garantia da exigência de proteção de salários e pensões, de uma alternativa pelo emprego, pelo Estado social e pela transparência. E continua firmemente empenhado no esforço de convergência e de procura de soluções para o país, no quadro do acordo entre as forças políticas que constituem a nova maioria parlamentar.
“Para nós, a preocupação é que não haja medidas de compensação que retirem às pessoas a possibilidade de devolução de parte dos rendimentos que lhes foi tirado pela austeridade. Não podemos parar o empobrecimento por um lado e prejudicar os rendimentos de quem menos tem por outro”, disse Catarina Martins.
Procurando esclarecer a posição do BE neste momento, Catarina Martins sublinhou que é preciso “acabar com a ideia de que as políticas da Comissão Europeia permitem uma consolidação das contas públicas”. “Até agora, as exigências da Comissão Europeia feitas ao anterior Governo da direita não consolidaram nunca as contas públicas. Todas as previsões da Comissão Europeia revelaram-se falhadas”, lembrou a porta-voz do BE.
“Se há algum problema com o esboço orçamental do Governo não é seguramente por tentar alterar a estratégia da austeridade. Será, quando muito, por tentar fazê-lo num quadro limitado que não permita produzir o impacto que nós gostaríamos, de forma mais imediata, de recuperação da economia e da recuperação de salários e pensões. É preocupante por ser tímido, por esse ponto de vista, não por nenhum outro motivo”.
O partido está a negociar com o PS num “clima de confiança” e Catarina Martins lembra que “o BE fez um acordo altamente ponderado, medido, negociado”. “Mas este acordo tem dificuldades que toda a gente conhecia, é preciso dizer que nós sabemos desde o primeiro momento que a Comissão Europeia não é aliada do nosso país para parar o empobrecimento”. Bruxelas “tem-se afirmado como um poder não democrático que recusa as escolhas democráticas dos Governos eleitos”, atirou a porta-voz do BE.
O Orçamento vota-se na altura em que se vota. Mas o BE leva a sério os seus compromissos e não volta atrás com a sua palavra. Há muitos pontos que são, para nós, mais complicados e estamos, naturalmente a negociar com o Governo. Mas estamos a fazê-lo no quadro do acordo que firmámos. Enquanto isso for feito, o BE não falha a esse acordo.
Presidenciais “reforçaram espaço político” do Bloco de Esquerda
Catarina Martins notou, ainda, que “o resultado do BE nas eleições [Presidenciais] não foi aquele pelo qual lutámos. Lutámos por uma segunda volta para permitir a derrota do candidato de direita”, afirmou Catarina Martins, assinalando, contudo, que a vitória de Marcelo “foi a mais curta de sempre numa primeira eleição”. O que não surpreende, diz Catarina Martins, já que a campanha de Marcelo se “alicerçou na popularidade do candidato e numa campanha que, esvaziando-se de conteúdo, evitou a sua própria definição política”.
Mas o BE fez “tudo o que devia ter sido feito”, com o melhor resultado de sempre de um candidato do BE, os 10,1% com que Marisa Matias ficou em 3º lugar nas eleições presidenciais. “Esta foi uma campanha importante, que reforça o espaço político do Bloco de Esquerda”, afirmou Catarina Martins.
Mais tarde, em comunicado citado pela Lusa, o Bloco de Esquerda diz que o resultado das eleições Presidenciais “deveu-se em grande medida à ambiguidade do PS. Ao não apresentar candidato próprio, nem apoiando nenhuma candidatura, o PS não foi capaz de mobilizar o seu eleitorado”, sustentou o Bloco de Esquerda.
Já em relação à candidatura de Edgar Silva, apoiada pelo PCP, que se ficou pelos 3,9% dos votos, a Mesa Nacional do Bloco de Esquerda fez a seguinte leitura: “A campanha do candidato do PCP, Edgar Silva, posicionou-se sem ambiguidades do lado da defesa do Estado Social e dos direitos dos trabalhadores e contribuiu para uma mobilização importante, ainda que insuficiente, do eleitorado à esquerda”.
Numa nota final, na conferência de imprensa deste domingo, Catarina Martins disse que o BE diz que “analisou a situação europeia que vivemos e sente uma profunda preocupação com o que se vive neste momento na União Europeia”. O partido veio “condenar as políticas europeias de perseguição aos refugiados e às minorias”, com matérias como a alteração em França para retirar a cidadania a condenados por terrorismos que tenham segunda nacionalidade, bem como o “confisco de bens a refugiados na Dinamarca” e a expulsão de 80 mil refugiados da Suécia. Também aqui, contudo, o BE tem uma “posição de convergência” com as posições que António Costa tem feito sobre estas matérias.