O anúncio da recandidatura é para a presidência do PSD mas todos sabem, e todos dizem, que é mais um anúncio de recandidatura à liderança do Governo. Mas não é um ato “desgarrado” nem “isolado”, é sim um ato de continuação daquilo que começou e que, diz, lhe foi tirado. De pazes feitas com o passado e os olhos postos no futuro, Pedro Passos Coelho quer acabar o projeto político que começou há quatro anos, e que “ficou a meio”. “Candidato-me à liderança do PSD e portanto sou naturalmente candidato a primeiro-ministro”, afirmou esta noite na sessão de apresentação da sua candidatura na Casa do Comércio, em Lisboa.
“Não posso deixar de afirmar que o projeto que tenho ficou a meio da sua realização, e a necessidade da sua execução no nosso país torna-se hoje ainda mais relevante e premente do que há meio ano atrás“, disse o presidente do PSD perante uma plateia cheia de notáveis do partido e ex-governantes, acrescentando que “sempre disse” que o projeto político que tinha era para “duas legislaturas”. E que, portanto, ainda vai a tempo de o completar.
O mote já tinha sido lançado por Miguel Pinto Luz, líder da distrital de Lisboa, e pelo mandatário da candidatura, Fernando Ruas, que foram os primeiros a subir ao palco do auditório para elogiar o ex-primeiro-ministro e dizer que querem “devolvê-lo” a São Bento. “Esperamos continuar a vê-lo não só na liderança do partido mas na liderança do país, porque um país que tem um ativo como Pedro Passos Coelho não o pode desperdiçar. É preciso devolvê-lo à presidência do país porque o país bem precisa”, disse Fernando Ruas num discurso improvisado – “do coração”.
Já Pedro Passos Coelho optou, ao contrário do que lhe é característico, por ler um discurso escrito e mais curto do que o habitual. E explicou que a sua recandidatura não é um ato isolado mas sim uma espécie de segundo take da mesma história. “A assunção desta candidatura não é um ato desgarrado, a justificação e o seu significado relacionam-se com a história e o passado que marcaram a minha intervenção cívica e política nos últimos anos”, disse, explicando que é o seu passado enquanto primeiro-ministro, e o facto de, como sublinhou, ter ganho as eleições, que o levam ao dia de hoje – ao dia em que dá o corpo às balas para tentar a reeleição.
Candidatei-me com ideia de mudar e de colocar Portugal primeiro na estratégia governativa. Foi isso que consegui fazer, sem falsa modéstia. Enquanto primeiro-ministro assegurei que Portugal não falharia no essencial, e não falhou”, disse.
O passado foi parte central da intervenção do ex-primeiro-ministro que quer voltar a ser. Sem “falsas modéstias”, Passos falou na primeira pessoa para engrandecer aquilo que disse terem sido as conquistas do seu mandato e admitiu estar hoje associado a uma “imagem austeritária” e de “dureza” que alguns portugueses “ainda não perdoam” (não todos porque, lembra, ganhou as eleições). “Tenho plena consciência disso”, afirmou, mostrando não ter arrependimentos, nem quando foi longe demais com a estratégia de “não falhar”.
“Com a força de não querer falhar posso ter levado mais longe do que seria necessária a imagem de determinação que ficou associada a esta fase de austeridade”, disse, em busca do perdão. “Fiz o que fiz para defender os interesses dos portugueses mesmo que isso que custasse uma reeleição”, acrescentou.
Social-democracia, sempre. “Na austeridade e na bonança”
Sublinhando que o projeto político com que se apresentou ao país em 2010 “exigia duas legislaturas”, e que os portugueses compreenderam isso mesmo quando votaram na coligação nas últimas legislativas, Passos quis reafirmar-se como um social-democrata de gema e para isso pegou num excerto do programa do PSD aprovado no último Congresso de 2012 para fazer o teste do polígrafo à social-democracia:
“Alheio aos projetos de transformação radical da sociedade através de planos de engenharia social emanados do Estado e do poder político, o PSD é antes um partido reformista. O sentido reformista que nos norteia persegue os objetivos da modernização da sociedade, da prosperidade para todos, da abertura do País ao mundo globalizado e do exercício aprofundado das liberdades. As mudanças políticas preconizadas pelo PSD como imprescindíveis para um futuro de prosperidade e de coesão social devem obedecer ao princípio do gradualismo e sobretudo devem capacitar os Portugueses a serem eles os plenos participantes e agentes dessas transformações. É desse modo que devemos confrontar os velhos e os novos problemas nacionais, assim como aqueles que já se desenham no futuro.”, leu.
Depois de lido o excerto, perguntava à plateia: “Alguém se sente mal com este programa? Alguém vê esta orientação desvirtuada?” “Nãão”, ouviu-se como resposta.
Na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, na “austeridade e na bonança”, Passos garante que sempre representou a “visão social-democrata”, conduzindo o PSD como um partido “moderado e reformista, guiado pelo realismo e avesso ao combate dos radicalismos e dos socialismos”. “Tem sido uma honra representar em Portugal esta visão social-democrata que me permitiu defender o país tanto na austeridade como na bonança”, disse.
Antes, a abrir a sessão, já tinha sido emitido um vídeo introdutório para esclarecer o mote da candidatura (“Social-democracia, sempre!”), que tanto burburinho gerou por evidenciar intenção de Passos querer descolar do rótulo de liberal: o que é afinal ser social-democrata no século XXI – e o vídeo explicava. “Ser social-democrata é ser pela liberdade, é ter um Estado com autoridade sem ser autoritário, sustentável sem ser mínimo, que incentive e não que sustente. É levar a cabo as reformas necessárias. Ser social-democrata no século XXI é não ter medo da crítica, de eleições, de fazer o que tem de ser feito”.