Eddie Jones e a nova Inglaterra
Como se vai portar?
O desporto da bola redonda manda no país, mas logo a seguir vem o da bola oval. A ressaca do Mundial foi dura de digerir. Não havia comprimidos ou sumos açucarados para ajudar a curar as dores de uma saída precoce da competição — foi a primeira vez que um país anfitrião da competição não saiu vivo da fase de grupos. Basta, era preciso corrigir muita coisa. A primeira foi arranjar um treinador dos melhores, um nome que se pesquisasse no Google e o resultado fosse sinónimo de sucesso. Welcome, Eddie Jones. Chegava o homem que fizera do Japão uma nação vencedora de três jogos no Campeonato do Mundo, que fora adjunto na África do Sul que conquistou a prova em 2007 e selecionador da Austrália que se ficou pelas meias-finais em 2003.
Chegava um durão. Um homem conhecido pelo feitio difícil, por ver os jogadores como laranjas que têm de sair apertadas com insistência para delas se extrair todo o sumo, e por ter uma cabeça que inventa as melhores formas para jogar consoante a equipa que tem. E o que Eddie Jones tinha em novembro, quando assinou contrato, era uma seleção com a confiança de rastos, com um país a criticá-la, um capitão que não tinha perfil para o ser (Chris Robshaw) e vários jogadores dos bons (Owen Farrell, Mike Brown, George Ford, Manu Tuilagi) mas que, juntos, não davam o clique para se baterem contra os melhores — leia-se, as seleções do hemisfério sul do planeta. Eddie Jones tinha pouco tempo para fazer o que fosse e por isso fê-lo rapidamente.
Contratou adjuntos, convocou uma fornada nova de jogadores e pôs a capitão um homem (Dylan Hartley) nascido na Nova Zelândia que, ao todo, já passou 54 semanas sem jogar râguebi por se portar mal dentro de campo. Até falhou o Mundial por causa disso mesmo e em tempos chegou a frequentar um psiquiatra por ser tu-cá-tu-lá com problemas disciplinares. “O Eddie arranja sempre uma maneira de ganhar, sempre. Não importa como. O Eddie vê-se como a única pessoa que pode resolver os problemas da Inglaterra. Ele quer sempre que os jogadores se desafiem a eles próprios. Geralmente, um encontro com o Eddie acaba connosco emocionalmente destruídos. Pensas: ‘Será que vou desistir?’ Mas depois pensas: ‘Não, não quero. Vou treinar mais e ser melhor’. É isso que ele quer”, contou Ben Darwin, antigo avançado australiano, ao explicar ao The Guardian como é receber ordens de Eddie Jones.
Sim, parece ser tramado, mas costuma dar bons resultados. Como os japoneses mostraram, pela rapidez com que resolviam os rucks e momentos de jogo de bola no chão, ou pela maneira como atacavam os canais de espaço no jogo à mão. Mas depois vem o reverso de ser orientado por Eddie Jones. “É um extraordinário treinador, mas acho que não haverá muitos japoneses com saudades das sessões de treino. Imagino que os jogadores ingleses, ao início, não achem muita piada ao facto de ele os ir trabalhar mais arduamente que nunca”, defendeu Luke Thompson, neozelandês que jogou pelo Japão no último Mundial. Eles poderão não gostar, mas bem precisam de dar no duro — desde 2012 que a Inglaterra termina o torneio das Seis Nações na segunda posição.
Há lesões na seleção que procura o tri
Mas a Irlanda terá a bota de Johnny Sexton
Foi a poção mágica que faltou aos irlandeses para anularem os feitiços do jogo à mão, rápido e imprevisível, com que os argentinos os atropelaram. Nos quartos-de-final do Mundial a melhor seleção europeia dos últimos dois anos não teve Jonathan Sexton e ressentiu-se. Sofreu por não ter o pé direito que, sozinho, é capaz de controlar a batalha territorial de um jogo e ganhar metros ao pontapé quando a equipa mais precisa de respirar. A melhor notícia para a Irlanda antes do Seis Nações foi saber que, desta vez, o médio de abertura do Leinster recuperou de uma lesão para poder liderar a equipa que conquistou o torneio em 2014 e 2015: “A minha forma está numa curva ascendente e espero continuar assim quando entrar no Seis Nações”.
O médio de abertura não foi o único a falhar a tal partida contra a Argentina. Também Paul O’Connell, o grandalhão segunda linha que servia de carismático capitão — que foi eleito o melhor jogador da última edição do torneio –, falhou o jogo, tal como falhará o Seis Nações por se ter retirado da seleção. Mesmo com Sexton, o problema dos irlandeses é que há outras baixas. Além dos pontas Luke Fitzgerald e Tommy Bowe, as lesões também roubaram os flanqueadores Ian Henderson e Peter O’Mahoney a Joe Schmidt, selecionador neozelandês que pretenderá manter a toada do registo que tem à frente da Irlanda: só não venceu sete dos 27 encontros em que já orientou a equipa.
Os irlandeses voltam a refugiar-se na seleção para terem uma alegria em 2016, já que nenhuma equipa do país se conseguiu apurar para os quartos-de-final da European Champions Cup, uma espécie de Liga dos Campeões do râguebi europeu. Há dois anos a Irlanda venceu a competição com um Grand Slam (só vitórias) e em 2015 só acabou a sorrir devido à diferença de pontos na última jornada.
O que esperar de quem mais fez no Mundial?
Venham daí os escoceses e os galeses
Greg Laidlaw bem o admitiu, há dias, quando se pôs à conversa com o The Guardian sobre a forma como a Austrália tirou a Escócia do Campeonato do Mundo: “Levarei isso comigo até à morte”. A equipa que, nos últimos anos, parecia não conseguir sair da cozinha onde, com a Itália, decidia quem ficava com a colher de pau (utensílio imaginário que se dá à seleção que termina o torneio no último lugar), foi a que mais perto esteve de chegar às meias-finais do Mundial. Não o conseguiu porque, no derradeiro minuto da luta contra a Austrália, sofreu um pontapé de penalidade devido a uma decisão do árbitro que muita gente criticou e continua a criticar. O resultado ficou em 35-34. Laidlaw chorou e ficou sem palavras.
Ele, o capitão, cujo ensaio que marcou e as dezenas de pontapés que acertou entre os postes ajudaram a Escócia a ser a seleção europeia que mais pontos e penalidades marcou na prova. Mesmo sem curar as maleitas de uma defesa permeável a equipas que ataquem rápido e bem à mão, o selecionador Vern Cotter fez dos escoceses uma ameaça no ataque. O neozelandês confiou na liderança de Laidlaw e na tração atrás que Stuar Hogg dá à equipa para tornar na Escócia quase como uma equipa que não se importa de sofrer muitos pontos desde que consiga marcar mais que o adversário.
A história galesa no Mundial foi parecia, embora sem a parte da polémica. Uma formação ordenada no centro do campo fê-los sofrer um ensaio nos últimos cinco minutos contra a África do Sul. Ficou pelos quartos-de-final, mas deixou a imagem de uma equipa dura a defender, forreta nos espaços que dá. A atacar, porém, confiou mais na bota de Dan Biggar do que nos ensaios que conseguiu marcar, que foram poucos. “Gostaria de ver os jogadores a serem mais positivos e a terem mais liberdade no jogo, mas os resultados tornaram-se mais importantes que as exibições”, analisou Warren Gatland, outro neozelandês, que treina o País de Gales desde 2007.
Quererá, por isso, ver a equipa a tirar mais proveito de George North, talvez o melhor ponta do râguebi britânico, e de incluir mais Sam Warburton (capitão) e Justin Tipuric, os dois flanqueadores, no jogo aberto à mão. Não ajuda o facto de o joelho de Lee Halfpenny não ter recuperado a tempo e privar os galeses do melhor jogador que podiam ter.
O torneio em que mais se joga com o calendário
E a Inglaterra sorri com isso
O Seis Nações acontece todos os anos, desde 2000 — antes, a Itália ainda não se tinha juntado à festa. O torneio joga-se durante pouco mais de um mês e as equipas apenas se defrontam uma vez. Jogar em casa e com o estádio cheio de vozes que torcem por nós, como tal, não podia interessar mais. Cada seleção faz cinco jogos durante o torneio e se num ano tem dois marcados em casa é certo que, no ano seguinte, terá três, por exemplo. Depois o que varia é quem recebe e quem visita.
Esta evolução no calendário sorri este ano, especialmente, a uma seleção. A Inglaterra apenas fará dois jogos longe de casa e um deles será a Itália, equipa que já ficou 11 vezes a segurar a colher de pau. A outra viagem é a Murrayfield, casa da Escócia, logo à primeira jornada, este sábado. Ou seja, os ingleses vão defrontar a Irlanda e o País de Gales, os adversários que a teoria diz serem os mais fortes, em Twickenham.
Italianos em risco e franceses a quererem renascer
Porque a Geórgia está cada vez mais à espreita
Tem sido uma questão empurrada de dois lados. Num está a Itália, que há 16 anos fez questão em começar a competir com as melhores seleções da Europa e que só em quatro edições não acabou no último lugar. No outro aparece a Geórgia, que no Mundial igualou a melhor prestação de sempre dos transalpinos — duas vitórias na fase de grupos — e tem feito com que essa tal questão se pergunte cada vez mais vezes: será que deve passar a haver uma despromoção no torneio das Seis Nações?
O râguebi é o desporto mais seguido na Geórgia. A maior parte dos jogadores da seleção estão em clubes estrangeiros. Tomaz Morais, antigo selecionador nacional, chegou a dizer ao Observador, durante o Mundial que Mamuka Gorgodze, o capitão georgiano, era o melhor número seis do mundo. Tudo coisas que a Itália não tem. E o problema para os georgianos acaba por ser irónico, já que vem do terceiro lugar em que conseguiram acabar no grupo do Campeonato do Mundo — garantiram a qualificação para a edição de 2019, no Japão e, por isso, não participarão na qualificação. Tendo em conta que as seleções do Seis Nações e do hemisfério Sul têm os calendários quase sempre ocupados para jogarem entre si, quem jogará contra a Geórgia sem ser Portugal, Espanha, Roménia ou Alemanha? Pois.
Quem continua a estar no Seis Nações é a França. Com razão, claro. Ainda é a melhor seleção europeia na história dos Mundiais, em pontos e ensaios marcados, competição em que já chegou três vezes à final. Mas os franceses já não são o que eram. Há muito que não se vê aquele estilo de râguebi que insistia em jogar à mão em qualquer sítio do campo, com os apoios próximos e sempre com corridas em linha reta, quando os gauleses compensavam com velocidade, técnica e engenho a força e o músculo que tinham a menos que os adversários. Saíram do Mundial de 2015 com uma humilhação entregue pela Nova Zelândia (62-13) e têm sofrido as consequências de os clubes do Top14 (campeonato francês) terem cada vez mais dinheiro — não para de contratar estrelas australianas, neozelandesas e sul-africanas que têm encurtado os espaços para os miúdos gauleses evoluírem.
Mesmo tendo trocado de treinador após o Mundial, a França continua a ser a única equipa com um selecionador escolhido dentro do país. Guy Novès — tem 10 campeonatos franceses e quatro Heineken Cup (antigo nome dado à Liga dos Campeões do râguebi no curriculum — substituiu Philippe Saint-Andre e já disse que deseja ver a seleção a jogar como no antigamente: “Quero que os meus jogadores pensem que tentar coisas novas não é um risco. Não tentar é que é um risco”. Vamos ver como lhe corre.
Os jogos da primeira jornada
As horas, o local e quem visita quem
França-Itália: sábado às 14h25 no Stade de France, em Paris (Sport TV5)
Escócia-Inglaterra: sábado às 16h50 no estádio de Murrayfield, em Edimburgo (Sport TV5)
Irlanda-País de Cales: domingo às 15h, no Aviva Stadium, em Dublin (Sport TV5)