Gaspar Castelo Branco foi o único alto funcionário do Estado a morrer às mãos das Forças Populares (FP) 25 de abril, faz esta segunda-feira precisamente 30 anos. Foi a data escolhida pelo Presidente da República para, a título póstumo, condecorar com a Grã Cruz da Ordem do Infante D. Henrique o antigo diretor-geral dos serviços prisionais, a primeira vítima mortal das FP25 a ser agraciada com uma ordem honorífica.

A cerimónia foi privada, sem divulgação pública prévia, a pedido da família de Gaspar Castelo Branco e decorreu ao final da manhã no Palácio de Belém. O filho, Manuel Castelo Branco, diz ao Observador ter recebido com “agradável surpresa” a notícia, que vê como “a reposição de uma injustiça”. “A história fica com a versão correta sobre o papel do meu pai na defesa dos princípios do Estado de Direito”.

A insígnia atribuída distingue personalidades que prestaram “serviços relevantes a Portugal, no país ou no estrangeiro, assim como serviços de expansão da cultura portuguesa ou para conhecimento de Portugal, da sua história e dos seus valores”, de acordo com a explicação sobre as ordens honoríficas portuguesas disponível na página da Presidência da República.

Castelo Branco foi morto ao fim da tarde de 15 de fevereiro de 1986 à porta de casa, na Lapa, com um tiro na nuca, num ataque reivindicado poucas horas depois pelas Forças Populares 25 de abril. Deixou três filhos adolescentes. O assassinato ocorreu num sábado, dia de reflexão da segunda volta das presidenciais que levariam a Belém Mário Soares, contra Diogo Freitas do Amaral. O então diretor dos Serviços Prisionais era um dos alvos da organização terrorista, sobretudo numa altura em que existia uma forte pressão das dezenas de arguidos das FP que estavam presos, alguns detidos no âmbito da operação Orion (levada a cabo pela PJ em 1984 e que tinha em vista o desmantelamento da rede), e que reivindicavam melhores condições dentro da cadeia.

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O reconhecimento público de Gaspar Castelo Branco pelos serviços prestados ao país chega na data em que se marcam 30 anos sobre a sua morte. O filho, membro da Comissão Política Nacional do CDS, admite que Cavaco Silva possa ter-se lembrado de condecorar o seu pai “porque foi no seu mandato como primeiro-ministro que ele foi assassinado”.

As FP25 surgiram em 1980 e operaram até 1987, ano em que foram desmanteladas. Chegou a ficar provado que a organização era o braço armado do partido político Força de Unidade Popular (fundado por Otelo Saraiva de Carvalho), tendo surgido do descontentamento de parte da esquerda revolucionária com a evolução política do país no pós-25 de abril. A ação das FP centrava-se sobretudo em assaltos a bancos, ataques à bomba e também atentados contra empresários (inicialmente com tiros nas pernas).

Há registo de 13 vítimas mortais por ataque das FP25, algumas delas agentes da GNR e PJ, ou simplesmente clientes de bancos apanhados nos assaltos levados a cabo para “recuperação de fundos”, como lhes chamava a organização. No “Manifesto ao povo trabalhador” divulgado pelo rebentamento de petardos em todo o país em abril de 1980, a organização apresentava-se como um meio para “impedir a caminhada a passos largos para o restabelecimento dos velhos senhores”, referindo-se à “repressão fascizante que se abate a cada dia mais feroz sobre os trabalhadores e seus organismos de classe, atingindo formas brutais com o governo Amaral/Carneiro”.

O processo judicial onde foram julgados vários membros das FP e suspeitos pelo crime de organização terrorista arrastou-se nos tribunais entre 1985 e 1996, ano da amnistia aprovada pelo Parlamento (apenas PSD e CDS votaram contra) que foi promulgada por Mário Soares, mesmo no fim do seu período em Belém. Do processo principal acabou por nascer outro, para julgar os crimes de sangue, com quase 70 réus. O Ministério Público pediu a prisão de 11, mas a maioria acabou absolvida em primeira instância, em 2001. O processo prescreveu em 2003.