20 de janeiro de 2017 será o dia em que os EUA se vão despedir do Presidente Barack Obama, o primeiro afro-americano a liderar o país, eleito em 2008 e reeleito em 2012. Mas essa sexta-feira — que, à data em que escrevemos este texto, está à distância de 323 dias — vai ser também o dia em que a Casa Branca vai ter um novo inquilino. E, à distância desses mesmos 323 dias, há dois nomes que parecem estar mais bem colocados do que quaisquer outros para entrarem pela porta grande de Washington: Donald Trump e Hillary Clinton.
20 de janeiro de 2017 poderá ser, portanto, o primeiro dia de Trump ou Clinton à frente da nação mais poderosa do mundo. O primeiro de 100, que agora tentamos prever — baseando-nos em factos políticos, propostas políticas e cenários humorísticos.
Donald Trump
Cerimónia e discurso de inauguração
A cerimónia de inauguração de Donald Trump seria o primeiro grande evento do 45º Presidente dos EUA. No meio das incertezas que o futuro reserva, fica uma certeza: Donald Trump seria o Presidente mais velho à data do início do seu mandato, com 70 anos. O resto, é um tiro no escuro. A começar pela escolha do(a) intérprete responsável pela difícil tarefa de cantar o hino nacional norte-americano, uma autêntica montanha-russa de graves e agudos. Barack Obama recorreu a Beyoncé — apoiante de Obama já de longa-data — em 2009 e em 2013. Já Trump, pode quebrar os cânones, como é do seu gosto, e convidar um homem. Mais propriamente Kid Rock, que já declarou o seu apoio a Trump.
Um dos focos de atenção na cerimónia pode ser Melania Trump, a eslovena que está casada com o magnata nova-iorquino desde 2005. Melania seria a primeira primeira-dama nascida no estrangeiro desde a inglesa Louisa Adams, mulher do ex-Presidente John Quincy Adams, que governou entre 1825 e 1829.
Mais importante ainda será o discurso de Donald Trump, onde este teria de sarar as feridas abertas ao longo de um ano e meio de campanha dura, primeiro nas primárias republicanas e depois nas presidenciais. Mas, apesar disso, seria improvável que deixasse de ser Trump. Assim, é prudente esperar algo como: “Acreditem em mim, eu sou um homem de negócios, eu sei entender-me bem com as pessoas, foi assim que eu fiquei rico”. É possível que a frase “vamos tornar a América grande de novo” seja dita mais do que uma vez.
Vice-Presidente
Até há pouco tempo seria uma opção pouco provável, mas não há nada como um político voltar atrás nas suas palavras e convicções para abalar qualquer cenário. Foi mais ou menos isso que aconteceu quando Chris Christie, o governador de New Jersey e ex-candidato às primárias republicanas, fez ao declarar o seu apoio a Trump — mesmo que o tenha criticado de forma clara em campanha. Mas isso são águas passadas, e o facto de Christie ter estado em pano de fundo durante todo o discurso de Trump após a vitória na Super Tuesday demonstra que há proximidade entre os dois homens. Assim, Chris Christie é um nome plausível para assumir uma hipotética vice-presidência de Trump.
Outra possibilidade é Ted Cruz. Isso mesmo, o homem que, até agora, surge em segundo nas eleições primárias do Partido Republicano. Em tempos, a mesma jogada demonstrou ter sucesso, quando Ronald Reagan chamou para o cargo de vice-Presidente o seu maior adversário nas primárias, George H. W. Bush.
A verdade é que Cruz e Trump têm mantido uma relativa cordialidade — Trump insulta todos os candidatos à sua volta, mas é mais reservado no que diz respeito a Cruz. Do ponto de vista eleitoral, seria uma opção com algum sentido. Com Cruz pelo lado, Trump não teria de se preocupar com as acusações de que não é conservador o suficiente. E, no limite, poderia conseguir conquistar algum voto latino que, sem a ajuda de Cruz, não teria.
Diplomacia & guerra
China. Donald Trump refere tantas vezes aquele país que até já foram feitos vídeos onde “China” é a única coisa que ele diz. E o que tem a dizer não é simpático — tendo deixado a promessa de denunciar a “manipulação” do valor da moeda da China. E não seria só aí que Trump estaria disposto a mostrar as unhas à China durante os seus primeiros 100 dias na Casa Branca. “As componentes mais importantes nas nossas políticas para a China são a liderança e a força na mesa das negociações”, lê-se no site oficial de campanha de Trump. A consequência disto seria a aplicação de medidas protecionistas, numa tentativa de diminuir o nível de importações vindas da China.
No que diz respeito à vertente militar, Trump defende “um reforço da presença militar dos EUA nos mares do Sul e do Este da China, para desencorajar o aventureirismo chinês”. Tal cenário pode aumentar ainda mais a tensão entre a China e o Taiwan.
Maior tensão é a que se sente no Médio Oriente. Aí, o alvo de Trump é o autoproclamado Estado Islâmico. A fazer fé nas suas palavras na campanha para as primárias republicanas, a primeira ação nesta esfera por parte do magnata nova-iorquino enquanto Presidente seria “bombardear o Estado Islâmico até ao inferno”. A verdade é que, atualmente, os EUA já participam na coligação internacional de ataque àquele grupo terrorista — e, assim, o único caminho para Trump seria o de aumentar a intensidade dos bombardeamentos. Trump, que já demonstrou simpatia em relação a Vladimir Putin, poderia tentar uma maior aproximação à Rússia, também interveniente na Síria.
Por fim, os já de si demorados planos de Barack Obama para fechar a prisão de Guantánamo seriam suspensos, com Trump a trazer de volta técnicas de tortura como o waterboarding (simulação de afogamento) ou outras piores, como chegou a prometer.
Economia
Trump quer baixar os impostos das empresas — um gesto que está na base do seu objetivo de “manter as empresas e os empregos americanos em casa”. Para a mesma ideia, quer “atacar a dívida e o défice”.
Trump podia ainda tentar baixar os impostos para as classes menos abonadas, nomeadamente para quem ganha menos de 25 mil dólares por ano. Mas não é certo que a matemática se estique a seu favor. Se, por um lado, reduz os impostos à maior parte da população e, por outro, cumpre a promessa de aumentar o investimento militar e avança a maior operação de deportação em massa da história do Homem… a corda irá partir-se.
Imigração
Tem sido o tema principal da campanha de Trump — como tal, é de esperar que venha a ser pelo menos um dos que mais atenções concentrará numa hipotética presidência do magnata nova-iorquino. É aí que o projeto de expulsar os 11 milhões de imigrantes ilegais a viver nos EUA, a par da ideia de construir um muro na fronteira com o México, terá um choque com a realidade. O próprio Trump pode estar preparado para isso — e ainda recentemente surgiram rumores, ainda não provados, de que este terá admitido numa reunião com a direção do The New York Times que os seus objetivos em termos de imigração são flexíveis. Até porque tudo isto custaria dinheiro — há um estudo que aponta para despesas entre os 400 e os 600 mil milhões de dólares.
Pouco flexível, até inflexível, será a recusa do México em pagar o muro entre os dois países, como Trump diz ser possível. Daqui, pode surgir um pico de tensão. Uma consequência pode ser o corte de relações diplomáticas entre os dois países. Outra pode ser a rescisão da NAFTA, o acordo comercial que envolve os dois países, juntamente com o Canadá.
Hillary Clinton
Cerimónia e discurso de inauguração
Em 2009, o simbolismo da tomada de posse de Barack Obama era evidente: o mundo estava perante o primeiro afro-americano que ia liderar os EUA. A 20 de janeiro de 2017, se até lá tudo correr bem a Hillary Clinton, o simbolismo será outro. Será a tomada de posse da primeira mulher a liderar os destinos do país mais poderoso do mundo.
Por isso, Hillary Clinton não deverá deixar escapar a oportunidade de introduzir o tema da igualdade de género no seu discurso de tomada de posse. Mas certamente fará mais do que isso. Com o marido Bill pelo lado — o ex-Presidente que passará a ser o primeiro-cavalheiro –, Hillary Clinton não deixará de de referir temas como a economia, a educação e os cuidados de saúde. Tudo na ótica de continuar o trabalho de Obama, que a Presidente tratará de elogiar tanto quanto possível.
E quem é que cantará o hino nacional a pedido de Hillary Clinton? Se a Presidente quiser optar por ainda mais simbolismo, poderá escolher uma cantora latina, que assim represente a maior minoria étnica dos EUA. Da experiente Jenniffer Lopez à jovem Selena Gomez, a escolhas são muitas.
Vice-Presidente
Primeiro, o nome de alguém que, na teoria, poderia sê-lo mas que, na prática, nunca poderia ser o escolhido: Bill Clinton. Isso mesmo, o marido. Por um lado, seria apenas mais um capítulo de uma parceria política com episódios passados. Por outro, uma bota difícil de descalçar, uma fonte de exposição desnecessária para o casal e até um potencial foco de disputa quanto à legitimidade e legalidade do caso.
Embora Hillary Clinton tenha recentemente afirmado que é uma política “progressista”, é ao centro que ela pertence — e foi por lá que fez todo o seu percurso. Assim, Clinton pode colocar-se em posição de estender a mão ao centro, por vezes até à direita, em alturas em que o consenso amplo é tanto uma necessidade como um imperativo. Mas, nessas alturas, a esquerda ficaria destapada. Dessa forma, Clinton pode tentar evitar esse cenário ao escolher para vice-Presidente alguém com credenciais “progressistas”. De preferência mais novo (para apelar ao eleitorado jovem) e de uma minoria étnica. Julian Castro, Secretário da Habitação e do Desenvolvimento Urbano; Tom Perez, Secretário do Trabalho, ou Cory Brooker, senador e antigo mayor de Newark são alguns dos nome referidos como prováveis.
Diplomacia & guerra
Em termos governativos, esta é a área onde Hillary Clinton tem mais currículo e experiência. Depois de ter sido Secretária de Estado entre 2009 e 2013 (Obama chamou-a depois de a ter derrotado nas primárias democratas, enterrando o machado de guerra e dando início a uma parceria política), Clinton teria de agarrar o problema da guerra civil na Síria, que se arrasta desde 2011 e que, muito possivelmente, ainda estará em plena força em janeiro de 2017.
Aqui, como noutras áreas, Clinton trataria de continuar o trabalho de Obama — e de John Kerry, o homem que lhe sucedeu enquanto responsável pela diplomacia norte-americana. Tal implicaria um crescimento da concertação entre a Rússia e os EUA, na Síria em particular, e na luta contra o Estado Islâmico em geral. Como já tem defendido, Clinton faria o possível para poder fechar o espaço aéreo sírio (impondo o que é conhecido como no-fly zone), ao mesmo tempo que evitaria colocar tropas no terreno — uma ideia que rejeita.
Economia
Hillary pode começar logo nos seus primeiros dias a fazer os possíveis para cumprir a promessa de aumentar o salário mínimo federal para 12 dólares (11,05 euros) por hora — um aumento que não é de somenos, tendo em conta que o atual nível é de 7,25 dólares por hora (6,68 euros). O aumento pode provocar reações negativas de grandes empresas, entre elas aquela que mais empregos mantém nos EUA: o WalMart, que dá trabalho a 2,1 milhões de pessoas e onde, curiosamente, Hillary fez parte da comissão executiva entre 1986 e 1992.
Imigração
“Vamos ter legislação para aplicar reformas de imigração tolerantes perante o Congresso nos meus primeiros 100 dias no cargo”, garantiu Clinton. O Congresso, leia-se, um órgão controlado pelo Partido Republicano, que tem demonstrado pouca ou nenhuma tolerância para medidas deste tipo. No seu programa, Clinton defende a “abertura de um caminho para a cidadania” que beneficie imigrantes ilegais. Isto é, um processo de amnistia. Se tal cai bem nos ouvidos dos eleitores latinos (se Hillary alguma vez for eleita, é como forte apoio deste setor demográfico), o mesmo não se pode dizer dos republicanos no Congresso.
Resultado? A lei pode ficar bloqueada. Hillary poderá impôr uma ordem executiva — mas também aí o Congresso pode bloqueá-la, mais tarde. A solução poderá passar por esperar (e, no caso de Hillary Clinton ser religiosa, rezar) por haver um novo Congresso, potencialmente mais favorável à Presidente democrata. O Congresso vai a eleições em novembro de 2018.