O discurso breve prometido por Marcelo Rebelo de Sousa foram 10 páginas de avisos e promessas. Eis ponto por ponto:

A urgência dos consensos

Urge recriar convergências, redescobrir diálogos, refazer entendimentos, reconstruir razões para mais esperança.

Foi o apelo mais vincado. O novo Presidente insistiu que é preciso sair do “clima de crise”, credibilizar o sistema político, combater a “corrupção, clientelismo e nepotismo”. O momento é de “cicatrizar feridas destes tão longos anos de sacrifícios”, mas estas feridas não são só as das desigualdades sociais mas também as feridas que ficaram na perda de consensos de regime. Marcelo falou mesmo em “divisão entre hemisférios políticos”.

Durante a campanha, Marcelo insistiu nos consensos e no discurso da tomada de posse não defraudou expetativas, mesmo que incomodando o maior partido da oposição, o PSD. “Esperam-nos cinco anos de busca de unidade, de pacificação, de reforçada coesão nacional”, insistiu.

Relação com as maiorias parlamentares

Na pessoa de Vossa Excelência [Ferro Rodrigues], saúdo a representação legítima e plural da vontade popular expressa na Assembleia da República. E garanto a solidariedade institucional indefetível entre os dois únicos órgãos de soberania fundados no voto universal e direto de todo o povo que somos.

Marcelo Rebelo de Sousa realça que a principal relação que existe é entre o Presidente e o Parlamento, de onde emana a solução de Governo. Com isto, pode estar a evidenciar que se houver alguma crise governativa a procura de uma solução será feita primeiro dentro do equilíbrio de forças na Assembleia, o que, de resto, já dera sinais durante a campanha eleitoral. Eleições antecipadas serão, assim, uma bomba para ser usada com muita cautela.

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As finanças e a economia

O poder político democrático não deve impedir, nos seus excessos dirigistas, o dinamismo e o pluralismo de uma sociedade civil – tradicionalmente tão débil entre nós –, mas não pode demitir-se do seu papel definidor de regras, corretor de injustiças, penhor de níveis equitativos de bem-estar económico e social, em particular, para aqueles que a mão invisível apagou, subalternizou ou marginalizou.

Marcelo Rebelo de Sousa tenta fazer o equilíbrio difícil entre o discurso liberal e a proteção dos mais desfavorecidos. Quer que a sociedade respire, que o Estado não asfixie a iniciativa privada mas deixa claro que não segue a bíblia liberal de Adam Smith ao evocar a mão invisível – autor que curiosamente está representado no quadro oficial de Cavaco Silva, divulgado na semana passada. Mais: diz ainda que “o poder económico deve subordinar-se ao poder político e não este servir de instrumento daquele”.

Mais importante: Marcelo deixou também claro que as “finanças públicas não comportam temeridades” e que o sistema financeiro deve prevenir em vez de remediar. “Sem rigor e transparência financeira, o risco de regresso ou de perpetuação das crises é dolorosamente maior, mas, por igual, que finanças sãs desacompanhadas de crescimento e emprego podem significar empobrecimento e agravadas injustiças e conflitos sociais”.

Três eixos de política externa

Exemplar vizinhança com Espanha (…), calorosa fraternidade com Moçambique (…) e empenho numa Europa unida e solidária.

As referências à política externa foram escolhidas ao pormenor. Marcelo dirigiu a primeira palavra a Espanha, representada pelo rei Felipe VI, depois ao Presidente moçambicano Filipe Nyusi, em nome também da comunidade de países de língua portuguesa e, por fim, à Europa na pessoa do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, também presente em S. Bento.

“Temos de ser fiéis aos compromissos a que soberanamente nos vinculámos”, frisou Marcelo, admitindo contudo que isso não quer dizer que não haja espaço para novas reflexões e mudanças mesmo que incómodas. “Há sinais de apelo a reflexões de substância, de forma, ou de espírito solidário, num contexto muito diverso daqueles que testemunharam as suas mais apreciáveis mudanças”, disse, dando como exemplo, o desafio dos refugiados na Europa, a não discriminação económica e financeira na CPLP e as fronteiras da Aliança Atlântica. “Mas sem xenofobias, intolerâncias, complexos de falsa superioridade ou de incompreensível inferioridade”, avisou, sobre a tripla vertente.

A fidelidade à Constituição

É no quadro desta Constituição – que, como toda a obra humana, não é intocável, mas que exige para reponderação consensos alargados, que unam em vez de dividir – que temos, pela frente, tempos e desafios difíceis a superar.

Marcelo começou por agradecer aos civis e militares que construíram a democracia em 1974 e abriram a porta a uma Constituição livre. Tal como lhe é exigido, o novo PR prometeu defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição, mas deixa claro que não a considera imutável. Embora não diga o que acha que pode ser mudado, não esconde que é favorável a algumas atualizações (coisa que nunca admitiu na campanha eleitoral). Marcelo Rebelo de Sousa, aliás, lembra que a Lei Fundamental já foi “revista e aperfeiçoada” e que contribuiu para isso – a revisão de 1997 foi feita, em negociação com o PS de António Guterres, quando era líder do PSD.

O tipo de magistratura

Um Presidente que não é nem a favor nem contra ninguém. Assim será politicamente, do princípio ao fim do seu mandato.

Marcelo promete ser um “Presidente de todos sem exceção”, abarcando os jovens desempregados, as mulheres discriminadas, os pensionistas e reformados, cientistas, agricultores, comerciantes, industriais, trabalhadores independentes.

No seu estilo, prometeu persistir sempre, ultrapassar incompreensões, preferir “os pequenos gestos que aproximam às grandes proclamações que afastam”, ter paciência e humildade. E ser um Presidente que “não se satisfaz com a contemplação dos números e que quer chegar às pessoas”.

Diferenças em relação a Cavaco

Ao percorrer, num imperativo exercício de memória, a longa e singular carreira de serviço à Pátria de Vossa Excelência – com uma década na chefia do Governo e uma década na chefia do Estado, que, largamente, definiram o Portugal que temos – entendo ser estrito dever de justiça – independentemente dos juízos que toda a vivência política suscita – dirigir a Vossa Excelência uma palavra de gratidão pelo empenho que sempre colocou na defesa do interesse nacional – da ótica que se lhe afigurava correta, é certo – mas sacrificando vida pessoal, académica e profissional em indesmentível dedicação ao bem comum.

Com isto, Marcelo não esconde o perfil polémico que traça do seu antecessor. O atual Presidente foi, assim, hábil, ao acrescentar pequenos comentários ao desempenho de Cavaco. Nas duas frases mais relevantes, Marcelo deixa antever que não exerceria da mesma forma o mandato.