O congresso do CDS elegeu este domingo a líder que se segue na era pós-Portas: Assunção Cristas, cuja lista para o Conselho Nacional, órgão máximo do partido, foi eleita com 75% dos votos. Mas aquilo que no sábado à tarde parecia unanimismo pleno em torno da nova liderança viria a transformar-se num congresso com disputa interna. Depois de algumas hesitações, a lista encabeçada pelo até agora porta-voz do partido, Filipe Lobo d’Ávila, viria mesmo a avançar conquistando uns surpreendentes 23%, quase um quarto do partido. É aí que estão representados os principais apoiantes de Nuno Melo, o candidato que muitos queriam que fosse candidato a líder mas que nunca chegou a ser.

Que CDS é este que sai do congresso de Gondomar?

Relação com o PSD: cada um por si, os dois ao mesmo

Mais do que o PS, foi o PSD que apareceu como o alvo a abater no congresso: sobretudo virado para dentro, centrado na estratégia interna da nova liderança, e pouco virado para fora (só no discurso de encerramento). Uma estratégia que passa em grande medida por ocupar todo o espaço do centro-direita possível – “não digam que vamos roubar votos ao PSD porque o PSD não é dono dos votos”, diria Adolfo Mesquita Nunes, um dos principais estrategas deste novo CDS – para crescer nas urnas. Tudo porque, e nisso todos concordam, o voto útil acabou e é apenas a aritmética que conta. Quantos mais deputados o CDS conseguir eleger, mais depressa chega ao Governo.

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A ideia foi sintetizada pelo deputado Telmo Correia no primeiro dia de intervenções: “Há dirigentes do PSD, que não vou nomear, que dizem que estamos mais à direita. Eu devo dizer-lhes, com toda a amizade e simpatia, que esse pensamento não corresponde à realidade. É, como se diz em inglês, um wishful thinking“. Ou seja, CDS e PSD ocupam o mesmo espaço e vão atrás dos mesmos eleitores. É uma espécie de “É a vida”, como diria António Guterres.

A ideia é “mais pragmatismo do que ideologia”, mais propostas concretas para os problemas das pessoas do que discursos doutrinários. Mesmo que isso implique chegar tanto para o centro, que toque nas bandeiras da esquerda. É isso que defendem nomes como João Almeida e Adolfo Mesquita Nunes, que vão ser dois dos rostos mais importantes do núcleo duro de Cristas (o primeiro como porta-voz, o segundo como vice). “Não ter medo” de chamar para o CDS os temas tradicionalmente de esquerda porque a esquerda não é “dona” dessas bandeiras, dizem.

Passos Coelho esteve a assistir ao encerramento do congresso e no final deixou claro que “o CDS não é o adversário político que é preciso combater” e que os centristas são o “parceiro preferencial” do PSD.

Relação com o PS e os desafios de Cristas para o diálogo

Cristas ora vai ao encontro do PS na pressão sobre o governador do Banco de Portugal, ora fala em “muitas pontes, diálogos e consensos” com todos os partidos, ora desafia o PS para reformar o sistema da Segurança Social.

Essa é, de resto, uma das prioridades do novo CDS. Identificado o problema do sistema de pensões, Cristas disse aos congressistas que iria propor um método de trabalho aos outros partidos para “estudar com profundidade” a solução. E foi aqui que deixou o desafio direto ao PS: “Veremos qual a posição do PS, porque esta é uma prioridade. Se o PS recusar cairá a máscara a António Costa”.

Mas os sinais do Governo e do PS parecem ser animadores. O secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos, esteve em Gondomar para o encerramento e piscou o olho ao CDS, criticando por oposição, a postura do PSD. “Saudamos a forma como o CDS tem estado no debate da especialidade [do Orçamento do Estado para este ano], de forma responsável e construtiva, apresentando propostas e avaliando o valor intrínseco de cada artigo”. Isto, claro, sabendo que o PSD se colocou à margem do debate da especialidade. “Temos a expectativa que o CDS na oposição tenha a atitude séria e responsável”, disse ainda.

O conselho do conselheiro de Estado Lobo Xavier

O CDS terá pela primeira vez dois “embaixadores” no Conselho de Estado do novo Presidente, Marcelo Rebelo de Sousa: Adriano Moreira e António Lobo Xavier. Ao discursar no congresso, Lobo Xavier deixou claro que é a favor de entendimentos e que vai defendê-lo sempre, ou seja, irá ser uma voz pelos consensos ajudando a aproximar Cristas de António Costa.

“A nossa profecia é terrível para o país. Se este Governo vai onde nós imaginamos, a lado nenhum, a degradação da economia e das finanças, essa profecia é trágica. Nenhum partido como o CDS pode sublinhar apenas essa profecia. Se é para isso, é um lugar miserável. Se a nossa satisfação é comprovar a profecia isso é um lugar indigno e, por isso, são tempos difíceis”, disse aos congressistas sobre o papel que o CDS deve ter e que não pode ser de abstenção no atual quadro político.

Governador do Banco de Portugal: ir ao encontro do PS

O Governador do Banco de Portugal esteve “presente” nos dois dias do congresso, ora com Paulo Portas ora com Assunção Cristas a pressionarem para a demissão de Carlos Costa e a irem ao encontro da posição do PS sobre o tema: a supervisão tal como está não funciona, é preciso mudar regras e é preciso mudar desde já a forma de nomeação do governador.

“Estamos fartos de ver bancos a cair e reconhecemos que a supervisão não funciona. Não sou de ficar calada e ignorar os problemas”, disse Cristas. A mudança passa por uma revisão constitucional, como foi sugerido logo no sábado por Luís Pedro Mota Soares, para alterar a forma de designação. O CDS, tal como defende António Costa, quer que o governador seja nomeado pelo Presidente da República, sob proposta do Governo e depois de ouvida a Assembleia da República.

Atualmente, a designação do governador é feita por resolução do Conselho de Ministros, sob proposta do ministro das Finanças e após audição por parte da comissão competente da Assembleia da República, que em todo o caso não tem um parecer vinculativo.

Autárquicas: CDS a brilhar em Lisboa

É o embate político que se segue e o discurso do CDS já está muito mobilizado para a demonstração de força nas urnas. Não assumindo uma candidatura a Lisboa, Cristas deixou claro que o partido deve “ter coragem para apresentar uma candidatura forte e mobilizadora”. E lembrou mesmo o antigo autarca do CDS, Krus Abecassis, que foi na década de 80 o rosto da direita (CDS e PSD) na capital.

Com Santana Lopes aparentemente fora da corrida, Assunção Cristas parece estar a querer assumir-se como a candidata do centro-direita na maior câmara do país. “Seria muito bom mostrar numa grande cidade do que o CDS é capaz”, disse em Gondomar. Antes já o vereador do CDS na câmara de Lisboa, João Gonçalves Pereira, tinha dito que o CDS teria uma “grande candidata em Lisboa”.

No Porto, a presidente do CDS anunciou o apoio a uma recandidatura de Rui Moreira, que o partido já apoiou nas últimas autárquicas. Nas restantes câmaras onde o CDS tem maioria, Cristas pediu para reforçar “a marca CDS”. As autárquicas serão o primeiro teste de Cristas nas urnas.

Oposição interna: até parece um partido grande

Quando, em janeiro, se instalou a discussão sobre quem avançaria para a corrida a liderança, Nuno Melo era um dos nomes mais falados, reunindo o apoio do núcleo duro da direção de Paulo Portas e das bases do partido. Mas o eurodeputado, depois de várias conversas e reflexões, acabaria por afastar-se estendendo a passadeira à ex-ministra da Agricultura. Nessa altura falou em “unidade” e na necessidade de não criar divisões no partido. Todos, contrariados ou não, se viraram para Assunção, que tinha o apoio de Portas e aparecia como a única candidata.

Até este sábado, na hora de apresentar as listas para os órgãos nacionais do partido. Filipe Lobo d’Ávila, que era até agora porta-voz do CDS, encabeçou uma lista alternativa à da direção de Cristas, juntando-se a nomes como Altino Bessa, João Casanova de Almeida e Raul Almeida, que eram apoiantes de Nuno Melo desde a primeira hora. Começa então a desenhar-se uma nova ala que defende um CDS mais ideológico e conservador, no campo dos valores e princípios democrata-cristãos, e que assente os pés firmes no espaço político da direita. Sem olhar a diálogos com o PS.

A lista alternativa à de Cristas conquistou mesmo um quarto do partido (23%), conseguindo eleger 16 dirigentes para integrar o Conselho Nacional, contra os 54 eleitos pela lista da nova líder, que é encabeçada por António Lobo Xavier. Nuno Melo é vice-presidente de Assunção Cristas e também integra a lista vencedora.

Para a própria Cristas, é tudo sinal de “vivacidade do partido” e de “pluralismo”, dizendo mesmo que o facto de ter havido uma lista concorrente não a “incomoda nada”. A verdade é que este tipo de guerras de última hora nos bastidores do congresso são habituais em conclaves de partidos grandes, como o PSD e o PS, não sendo comum ver-se em congressos do CDS, onde tudo se centrava no ex-líder Paulo Portas.

O objetivo do novo CDS de Cristas é precisamente o de crescer para os lados, ocupando para isso todo o espaço possível no centro-direita, pelo que as movimentações internas podem mesmo ser vistas como um sinal positivo de dores de crescimento do partido.

Portas vai continuar por perto

Foi o adeus a Paulo Portas, que teve direito a lágrimas e a muitos elogios e agradecimentos. Mas se o CDS sai de Gondomar sem a certeza sobre o que fará profissionalmente o ex-líder, sai também a certeza de que não vai para longe. No Parlamento, pelo menos, ainda fica durante o mês de abril.

“Estou a preparar a minha vida profissional, mas não depende só de mim”, disse aos jornalistas este domingo. Portas contornava assim a questão sobre o que fará depois de sair da liderança do partido, dizendo que se saberá “tudo no momento certo”. “Sinto-me com liberdade imensa. Aos 53 anos a minha vida volta a começar de novo”. No sábado, quando se despediu do partido no palco do pavilhão, tinha pedido para não haver “nostalgia” nem “saudade”, porque no dia seguinte ainda iria estar cá, mais não fosse para votar.

Depois de um líder carismático, a tarefa do sucessor é sempre difícil e, muitas vezes, ingrata. Será assim com Assunção Cristas?