Oops. Será certamente esta expressão, entre outras menos próprias, que neste momento ocorre ao Comité Nacional Republicano, ou seja, a cúpula do partido que agora tem Donald Trump à frente em toda a linha. Isto porque as regras criadas pela cúpula do partido e que outrora pareciam ajudar consideravelmente uma nomeação de um candidato mais tradicional (como Jeb Bush ou Marco Rubio) são as mesmas que, depois de todas as voltas que esta campanha deu, podem ajudar Trump, o outsider, a fechar ainda mais as contas a seu favor.
O problema começou em 2012, quando alguns comités estatais do Partido Republicano marcaram datas para as primárias nos seus estados à revelia do regulamento partidário. Em destaque estava a Florida, onde os republicanos marcaram o ato eleitoral para 31 de janeiro — mais cedo do que todos os restantes estados e territórios — numa tentativa de conseguir mais atenção e protagonismo para o estado, logo no arrancar da campanha. Para remediar a situação, e para continuarem a ser os quatro primeiros estados a ir a votos, o Iowa, New Hampshire, Carolina do Sul e Nevada tiveram de ir a votos no início de janeiro. E, por cima disso, o Comité Nacional Republicano penalizou a Florida, retirando-lhe metade dos delegados a que tinha direito a apresentar na convenção do partido, no verão.
Em 2015, no processo de planeamento das primárias do ano seguinte, os republicanos da Florida fizeram as pazes com o Comité Nacional Republicano — e ambas as partes tentaram arranjar um espaço no calendário que deixasse todos contentes. A solução encontrada foi 15 de março — segundo as regras, o primeiro dia em que, no Partido Republicano, os delegados são atribuídos inteiramente ao primeiro classificado (sistema de winner-take-all), em vez de serem distribuídos entre todos os candidatos de forma proporcional. Estão em causa 99 delegados naquele estado — um número generoso e que, terão pensado as duas partes em negociação na altura, seria crucial para confirmar a candidatura de dois homens ligados ao establishment do Partido Republicano e os dois bem conhecidos na Florida. Trata-se de Jeb Bush (governador naquele estado entre 1999 e 2007) e de Marco Rubio, nascido, criado e senador pela Florida.
Tudo isto faria sentido, até que — e repare-se que o uso repetido desta frase em vários artigos sobre o Partido Republicano demonstra o quão inesperado tudo isto tem sido — apareceu Donald Trump, que tomou conta das eleições primárias, somando vitória atrás de vitória com a sua promessa de “tornar a América grande de novo”. Oops.
Hoje, o milionário nova-iorquino está mais do que destacado nas sondagens para a Florida, depois de ter vencido mais delegados do que qualquer um dos seus quatro adversários. Neste momento, as previsões apontam para que Trump fique com 45,2% dos votos, quase o dobro dos 23,5% de Rubio, em segundo lugar. Quem já não aparece na lista é Jeb Bush, o homem que inicialmente era tido como um dos favoritos a ganhar a nomeação que, depois de uma série de fracassos nas primeiras três votações, desistiu quando a campanha ainda não levava um mês. E, caso não vença na Florida, Marco Rubio, o filho de cubanos que nasceu com pressa para ser Presidente dos EUA, deverá aproximar-se do mesmo desfecho.
Mas não é só na Florida que os norte-americanos se preparam para votar nas eleições primárias dos dois maiores partidos do país. Além do sunshine state, também vão a votos o Illinois (69 delegados), o Missouri (52), a Carolina do Norte (72) e o Ohio (66). Este último, além de também ser um habitual swing state nas eleições gerais, tem outra semelhança com a Florida: do lado dos republicanos, quem vence no Ohio também fica com todos os delegados.
Tirando isso, acabam por aqui as semelhanças. De resto, há uma diferença entre o Ohio e os outros quatro estados que vão a votos: ali, Donald Trump não é favorito. Embora a margem não seja grande, as sondagens apontam que o favorito para vencer naquele estado é o atual governador do Ohio, John Kasich (40,1%), seguindo-se logo atrás o inevitável Donald Trump (37%).
O caminho improvável de Kasich
Uma vitória de Kasich — o mais centrista e moderado entre os quatro republicanos ainda a jogo — no seu estado, parece ser a única hipótese de contrariar minimamente aquilo que pode ser mais uma noite de confirmação de Donald Trump enquanto líder na corrida para a nomeação do Partido Republicano para as eleições presidenciais de 8 de novembro. Tanto que, há poucos dias, um assessor de Marco Rubio apelou ao voto em Kasich naquele estado: “Se você for um eleitor republicano no Ohio e quiser derrotar Donald Trump, a sua melhor hipótese no Ohio é John Kasich”. Na mesma nota, a revista conservadora National Review, que ainda não apoiou nenhum candidato, mas que já demonstrou estar contra Trump, escreve que Trump “não poderá ser parado” caso vença os 165 delegados que dizem respeito só à Florida e ao Ohio. “As primárias de terça-feira representam a última hipótese, não só para John Kasich e para Marco Rubio, mas também para todos os republicanos, para pararem o caminho de Donald Trump para a nomeação”, escreve a National Review.
Caso se confirme o seu favoritismo no Ohio, John Kasich pode assumir um papel improvável, tendo em conta o pouco protagonismo que tem tido na campanha republicana. “O plano é ganhar no Ohio e noutros estados e, se isso acontecer, ninguém vai ter delegados suficientes para ganhar a nomeação à primeira”, disse John Weaver, diretor de campanha de Kasich à Reuters. Nesse caso, o Partido Republicano teria uma convenção disputada — termo usado para descrever a situação em que nenhum candidato reúne os 1 237 delegados necessários para ganhar a nomeação.
O passo seguinte será um processo em que cada candidato pode apelar ao voto dos vários delegados de qualquer candidatura. Porque, nesta altura, eles já não estão obrigados a votar no candidato pelo qual foram eleitos. Nessa altura, Kasich e os seus terão de convencer os restantes. E já têm um argumento de peso: de acordo com as sondagens, Kasich, ao ocupar o centro político como nenhum outro candidato republicano faz, é o único republicano capaz de vencer Hillary Clinton nas eleições de novembro.
Este cenário, porém, tem muitos ses — algo que é sintomático da falta de alternativas que o Partido Republicano tem de ser conquistado por um outsider como Donald Trump.
A certeza cada vez maior de Hillary Clinton — mas com Bernie Sanders à perna
Quanto aos democratas, os números favorecem claramente a ex-secretária de Estado Hillary Clinton, que parte para as votações de hoje com 1 235 delegados (entre estes, 467 superdelegados, membros de topo do partido que não são eleitos) contra 580 de Bernie Sanders, que, ao conquistar apenas 26 superdelegados, demonstra o pouco apoio que tem junto da elite dos democratas. Para conseguir a nomeação do Partido Democrata na convenção em julho será necessário reunir 2 383 delegados.
Ao contrário do que se passa com o Partido Republicano nalguns estados, o Partido Democrata distribui os delegados conquistados pelo voto popular de forma proporcional e não num sistema de winner-take-all.
As sondagens colocam Hillary Clinton como favorita na Florida (246 delegados), no Ohio (159), na Carolina do Norte (121) e no Illinois (182). Entre estes estados, a vantagem de Clinton é maior na Florida e na Carolina do Norte — o que bate certo com a vantagem que a ex-secretária de Estado tem junto do eleitorado latino (Florida) e afro-americano (Carolina do Norte). Só no Missouri (84) é que as sondagens são inconclusivas, apontando para um resultado renhido entre os dois candidatos.
Mas, se é de sondagens que se trata, Bernie Sanders tem boas razões para se manter optimista depois de ter saído vitorioso no Michigan. É que se as sondagens previam um resultado de 57% para Hillary e de 39% para Bernie Sanders naquele estado, os resultados não foram bem assim — o socialista do Vermont acabou por vencer à tangente, com 49,8% dos votos, apenas mais 0,5% do que a sua adversária.
Apesar de imprevista, a vitória de Sanders no Michigan foi acima de tudo moral. Isto porque, no mesmo dia, Clinton venceu no Mississippi com uma vantagem considerável. No final do dia, e feitas as contas, Clinton ganhou 90 delegados e Sanders juntou 71.
Mesmo assim, Hillary Clinton terá de contar com a oposição de Bernie Sanders nos próximos tempos, tal como a insistência deste auto-confesso socialista democrático do pequeno estado do Vermont em fazer campanha por um sistema de saúde ou por um ensino universitário totalmente gratuitos.
Nós vamos manter-nos nesta campanha até à convenção de julho. Todos os estados têm o direito de votarem no candidato da sua escolha”, garantiu Bernie Sanders à CNN a 6 de março.